- Bárbara, estás a magoar o pai
- Quero cereais
- Sim, a mãe já vai dar, eu vou tomar banho.
A mãe dorme virada para o outro lado e finge que ainda não acordou.
- Ainda não acordei Bárbara, espera um bocadinho
- Mãe, quero cereais
- Hoje tens mesmo que te despachar com as comidas que eu tenho uma reunião
- A que horas?
- Às 9.00
- Podias ter-te levantado mais cedo!
- Tens razão meu amor, mas não levantei.
A mãe continua a queixar-se com observações que já não oiço, levanto-me, tiro a roupa de costas para a miúda, nem sei bem porquê, para não deixar imagens mal gravadas de infância cujos efeitos me são desconhecidos, não encontrei literatura acerca de pais que se despem com erecções à frente de filhas de 3 anos, vou para o banho e mijo para o ralo até a pila baixar lentamente como uma ponte abaixadiça.
- Estão prontos ou quê?! Henrique, as tuas botas? vou sair e vais ficar aqui em casa
- Não! estou a ir calçar! posso levar um filme para a escola?
- Não
- Porquê?
- Não sei, mas não podes
- Mas eu quero!
- Mas não podes
- Mas eu queria
- Henrique, vamos embora, Bárbara, bora! o que é que estás a fazer? o que é isso que tens na boca?
- É pasta de dentes, ela não bochechou
- Bárbara, vai bochechar
- Não!
- Vai bochechar!
- Não quero!
- Bárbara, vão cair-te os dentes todos, despacha-te
- Não!
- Então olha, vais assim a espumar da boca
- Não vou nada!
- Mau! toca a andar, veste o casaco
- Não visto!
- Zé, a Carolina está a acordar, tenho que ir dar leite.
Visto-lhe o casaco enquanto me manda pontapés, o Henrique choraminga pelo filme, epá, vai lá buscar a merda do filme, obviamente ele traz dois.
- Só um filme
- Só estes dois
- Não, só um, senão não levas nenhum
- Então este do Pirata Capitão e o Gato das Botas
- Só um, já estou a perder a paciência
- Não é isso! o gato das botas é o boneco, o filme do Pirata Capitão e o boneco do Gato das Botas
- Traz essa merda, despacha-te, eu vou descendo com a mana.
Pego no saco do ballet, desço as escadas, volto a casa porque era um saco do lixo, pego no saco do ballet, cá em baixo o Henrique chega com dois filmes na mão.
- Afinal queria este dos Croods também, deixei o boneco.
Nas escadas da creche encontra-me a mãe baby blogger, giraça, mãe de 4 ou 5, nunca me ligou um caralho, mas soube-se na escola que tivemos gémeos e não sei, deve ter uma tara por homens altamente férteis, se há coisa em que a experiência me versou foi na capacidade de reconhecer tesão por mim, coitada, esta despudorou-se toda, consigo cheirá-la, tesão pura e desaperfumada de uma mãe betinha rebelde.
- Olá - sorriso aberto
- Bom dia - faço o sorriso que consigo, manobro todas as energias para esta prioridade, não a mãe de 4 física, propriamente dita, mas a avaliação desta mãe de 4, valerá a pena o investimento futuro, que não hoje em stress de reunião de obra. A Bárbara abraça-se a mim quando tento sair da sala, como todos os dias.
- Vá, vai brincar, dá-me um beijinho
- Não..
- Vá lá querida, o pai tem que ir.
- Não quero...
- Tem que ser Barbarini.
A Andreia vem em meu auxílio como todos os dias - Anda Bárbara, vem ao meu colo, vamos ali ver a rua - Ela vai a custo como todos os dias, sem chorar, 10 segundos depois vejo-a através da porta de vidro sala a brincar com o puto Miguel ou a dar-lhe com um tacho na cabeça. O Henrique espera ao meu lado.
- Bora miúdo?
- Sim, está ali a Francisca
- Qual é?
- (suspira condescendente) é aquela ali de com totós
- Vais lá dizer-lhe bom dia?
- Não, nós não dizemos bom dia pai
- Se calhar se tu lhe disseres ela não está à espera e começam a conversar
- Está bem, mas eu não quero.
- Ok, então dá um beijinho ao pai
- Adeus pai.
Estou já à porta da escola para assinar o livro de registos quando ele me volta a aparecer à perna
- Que foi filho?
- Esqueci-me de te dar um abraço.
Um abraço com todas as forças que ele encontrou, sofrido, de quem leu Camus, de quem a única certeza que tem na vida é a de que precisa de mim, fisica e emocionalmente. Volta para dentro e eu fico um bocado deprimido por deixá-lo ali e não o levar comigo o dia todo a ver o mundo.
- Então, não tinhas reunião às 9.00?
- Tenho, mas já liguei a dizer que vou chegar atrasado, deram-me esta pasta gigante na escola com os trabalhos do ano passado, que aparentemente já lá estava há duas semanas à espera, a tua mãe tem cagado nela quando vai buscar os miúdos, e agora ia para o lixo - Pouso a pasta no primeiro móvel que encontro, de onde caem dezenas de elefantes pequenos recortados pelo Henrique.
- Por falar nisso, ela não pode ir hoje.
- Ok, eu vou.
- Queres dar uma queca?
- Hoje é que te lembras? Estou atrasadíssimo! - ela consegue cheirar a mãe de 4 através da minha postura corporal. Aproveito para tomar o pequeno almoço, tento aguentar-me quanto à queca, consigo porque ela perdeu o interesse assim que percebeu que eu ia ficar mais um bocado.
Na autoestrada acordo a 140 na descida do Duarte Pachedo quando vejo as luzes vermelhas dos carros parados no viaduto e me lembro que vou a conduzir um pequeno autocarro cheio de cadeiras de crianças. No pára-arranca sinto-me várias vezes observado pelos carros do lado, resisto sempre, mas quando olho nunca está ninguém a olhar para mim. Oiço o jingle do fórum TSF para onde políticos não remunerados em início de carreira telefonam travestidos de velhinhas e reformados, mudo para a Radar. Liga-me o empreiteiro, o electricista está quase a ir-se embora, mas queria mesmo conseguir falar comigo hoje, se fosse possível. Calma, o pai está a chegar. Em Campo de Ourique dou 3 voltas ao quarteirão e estaciono em cima de uma tia magríssima que ia ao café.
- Bom dia arquitecto - cumprimenta-me o Francisco à entrada do prédio - então, acordou tarde? Eheh, estava a brincar. Está toda a gente lá em cima à sua espera, quer dizer, estão todos a trabalhar, todos a trabalhar, há muita coisa para fazer. Isto está tudo sujo aqui na entrada, passe passe arquitecto, já disse ao Márcio para limpar esta merda mas os gajos estão sempre a sujar isto tudo outra vez.
- Pois, os vizinhos queixam-se, já sabe
- Pois é, mas o que quer, nós dizemos mas esta malta não têm cuidado nenhum, isto é pessoal das barracas.
Chego à obra e cumprimento alegremente todos os serventes, como sugerem as frases profundas do facebook de respeito pelo inferior hierárquico escritas por empregados de mesa brasileiros, "tem a mão suja? e então? também eu, que sou arquitecto! 'cá um passou-bem! mas de facto tem a mão um bocado suja", em alguns meios de recrutamento isto resulta que em menos de nada estou a levar bocas de um pedreiro como se estivéssemos no meu bairro de infância e ele fosse um dos bullys mais velhos. Aí tenho que puxar dos galões e chutá-lo para o seu caixote e mando por água abaixo 3 meses de investimento na classe trolha da obra que nem eu percebi para que serviu.
O electricista parece feliz por pôr-me a vista em cima.
- Então arquitecto?
- Tá aqui!!!
- Ahahah
- Ahahah
- Eheheh - Toda a gente ri apenas por entender que se quebrou ali uma tensão que durava até eu ter aparecido, sem entender propriamente as razões por detrás da alegre chilrearia do electricista.
- Estão aqui, schuko, RJ45, os comutadores do corredor, o inversor, os interruptores com sinalizaçao.
- São para quê esses?
- Para as ventaxs e um para a luz da escada, acende para saber que deixou ligado.
- Isso é tudo EFAPEL? É uma granda merda esse material.
- Eu sei, é por isso que eu só ponho disto, para o irritar.
- Eheheh, mas agora a sério, isso é uma granda merda.
- Ok, eu dou-lhe o telefone deles e você queixa-se directamente. E as lâmpadas para as sancas, sempre arranjou?
- Arranjei leds.
Oh cum filha da puta mais os leds, até os electricistas, os leds não iluminam um caralho "iluminam sim senhora, há leds e leds, isto hoje em dia há bons leds", há nada! há leds que iluminam metade, que custam o triplo do preço e consomem o mesmo, são uma granda merda, "ahah, isso é o que você conhece, eu coloco leds há muitos anos, a tecnologia já não é o que era dantes pá" oiça, eu trabalho há 15 anos com engenheiros electrotécnicos, não ando cá no Leroy Merlin a olhar para as prateleiras, fazem-me o cálculo luminotécnico para qualquer projecto, tenho menos 10 anos que você e você está a tentar a puxar a carta da tecnologia? "mas foi a cliente que pediu, ela esteve cá e disse mesmo que só queria leds", então a cliente que vá comprar leds para enfeitar a peidola e pô-la à janela no Natal, os leds não vão dar luz suficiente para as sancas das IS. Quero lâmpadas T5 de 24W nas sancas pequenas e de 49W na sanca grande. A próxima vez que tiver que falar deste assunto é para me rir na sua cara quando ela disser que você a convenceu a pôr a merda dos leds e ela ficou sem luz na casa de banho para pintar os lábios de roxo.
O Francisco aproveitou para ser sabujo - Eu já te tinha dito oh Carlos! não ouves um caralho, eu disse-te que o arquitecto de certeza que tinha feito estudos mirotécticos para ter escolhido essas lâmpadas.
Estou mais duas horas a falar com o electricista, com o canalizador, essa classe humorista, com o empreiteiro, com o servente, com o homem dos gelados, com os caralhos da NOS que depois de impingir uma vistoria à cliente por 100 euros não foram capazes de avisar que precisavam de 4 tomadas extra no armário técnico, para fazer fusão a frio, e meteram o electricista outra vez contra mim. Ao meio dia começaram todos a dispersar para almoçar.
- O arquitecto não quer vir connosco? Bora lá, mas não vamos ao deles, vamos ali a um porreirinho de um casal de Paredes de Coura, tem vinho verde, não é o arquitecto que é de lá de cima?
- Não, é a Clara, fica para a próxima, já tenho um almoço. Obrigado na mesma Francisco.
Não tinha, assim que saio ligo para o Xu que acabou de ser despedido do jornal, com honras de última página e com uma tonelada de prémios em ouro e um currículum em seda, já foi entretanto convidado para várias publicações, além das de Nova Iorque que levaram o seu próprio gestor de conta a denunciá-lo à judiciária pelas avultadas transferências mensais. Foi também convidado para dar aulas no Tibete e em Lanhelas, onde foi hoje a uma entrevista, não pode vir, mas combinamos já para a semana que vem, com os outros dois antigos combatentes.
- Falas com eles?
- Sü, sü, combinadíssimo, falo com eles no fim de semana
- Ok, vemo-nos daqui a dois anos está visto, tenho aqui uma chamada, beijinhos.
- Estou?
- Olá!
- Quem fala?!
- Hm.. É da Autoridade Tributária, temos um problema na sua declaração de IRS do ano passado.
- Hmm?!
- É a Dalila.
- Dalila?! Ahah, como é que arranjaste o meu número? Por esta é que eu não esperava.
- Nem eu, estava a pegar no telefone para te ligar e a pensar na parvoíce que estava a fazer. Queres almoçar?
- Quero, claro. Onde estás? Eu estou em Campo de Ourique.
- Combinamos no Príncipe Real, trabalho aqui perto.
Que stress, vou mesmo almoçar com a miúda, o que é que eu estou a fazer?! Ainda por cima é pouco vistosa, ao Príncipe Real, que idiota, alguém vai ver, vai comentar, que se foda, é só um almoço, não é bem só um almoço, claro que é, para ela é de certeza só um almoço, ok, para mim também.
Como tenho tempo, entro no alfarrabista que tinha visto no primeiro dia de obra e que marquei na memória para me arrepender de nunca ter entrado. Lá dentro, à porta está Lisboa de Bráunio. A cores. Pergunto quanto vale, a senhora avalia-me e diz-me que é muito raro...
- O original é, isto é uma cópia banalíssima. 5 euros?
- Ahah, pelo menos 15 euros! Foi quanto me custou..
- Então esqueça, foi enganada, isto compra-se na CML em melhor estado por 10 euros. Obrigado na mesma.
- 8 euros, leve lá isso, vá.
Sigo para o rendez-vouz com a gravura enrolada a rebolar no banco do lado, dou 20 voltas aos quarteirões e estaciono o carro num lugar para residentes deficientes, depois tiro o carro e dou mais 10 voltas e encontro um lugar perfeito na Rua do Século, mesmo no topo, nem vou ter que suar a subir a rua. Cheiro a gola, tiro chaves e fita métrica dos bolsos, guardo na consola central, uma pastilha para o hálito, é só um almoço meu, mas não vale a pena ir a cheirar a naufrago.
- Olá! Desculpa, estavas à espera há muito tempo?
- Acabei de chegar, mas devias ter chegado antes da miúda. Já estás a marcar pontos.
- Ah estou? boa então. Onde queres ir?
- Hambúrgueres? Há aqui mil casas de hambúrgueres, apetece-me comer com as mãos à tua frente para quebrar o gelo, senão vai ser demasiado formal, durante um tempo indeterminado.
- Óptimo. Qual?
- Qualquer uma, são todas iguais.
A Dalila é demasiado bonita para isto, cara de miúdinha, maria rapaz, parece que não tem consciência da beleza que tem, ando com ela uns 300 metros na rua e conto 15 homens a comportar-se como macacos, um deles não se coíbe de lhe pedir lume em andamento como um puto da escola mesmo vendo-a acompanhada e de olhos fixos em mim a rir-se entusiasmada e a fazer-me uma tonelada de perguntas, dá-lhe lume mas não olha para a cara dele, só quando percebe que o seu olhar matador não terá resposta é que ele olha para mim, é a segunda vez que me tentam avaliar hoje. No restaurante o empregado já a conhece, ela trata-o com uma piadola, mas admite-me que não se lembra de o ter visto mais gordo.
- Confundem-me com a Emma Stone e acham que já falaram comigo antes, e eu como tenho uma memória de peixe falo com toda a gente para não acharem que sou uma cabra arrogante.
- História da minha vida, a mim também me confundem com a Emma Stone. Quem é a Emma Stone?
- És muito mais giro que a Emma Stone. - Sorri envergonhada, olha-me nos olhos por um segundo à procura da minha reacção, que é apenas um sorriso e um abano de cabeça desaprovador, e envergonha-se ainda mais enquanto se ri, olha em volta pela primeira vez, vejo-a de lado. Fico desarmado, a conversa está demasiado fácil mas com uma miúda assim nunca nada é demasiado fácil, já conheço isto, posso perdê-la em minutos e nem sei se a quero. O que é que ela quer de mim?
- Uma limonada.
- E eu quero uma imperial.
- Vais beber imperial? Então também quero uma em vez da limonada, se faz favor.
- Então, conta-me lá, onde arranjaste o meu telefone?
- Estamos no século XXI, homem. Não sei, achei que merecíamos um almoço, talvez me falte um amigo, pareces um tipo porreiro.
- Mas não sou, sou um calculista de merda, e burro, sou tão burro que não consegui rejeitar o teu convite.
- Pois és, pai de filhos (quantos?) e aqui a almoçar com uma mulher casada e momentaneamente perdidinha das ideias. Tsc tsc. Ahah, ouve, estou a brincar! Está descansado, não sou nenhuma maluquinha e não deixo nenhum de nós deitar tudo a perder.
- Só vim porque és mãe de filhos, estás dentro do ecossistema, somos uma irmandade um bocado amorfa. Não tenho medo nenhum de ti. Mas se é um amigo que queres aviso-te já que não vou estar à altura, és demasiado gira. Com mais tempo daria para sermos só amigos, até eu fazer a merda do costume.
- Eu quero exactamente o mesmo que tu, vamos evitar falar nisso e fazer o jogo dos adultos responsáveis o máximo de tempo que conseguirmos. O que fazes? Além de jogares futebol com o meu marido.
- Além de ser pai de 4 crianças faço pouco, vivo de rendimentos, chulo o estado, sou do Benfica.
- Pára, eu disse para parares de falar de coisas que me excitem!
Passo o resto da tarde numa excitação febril, a minha tarde das 15 às 17, construiu-se uma coisa clara, sem controlo, correu demasiado bem, estabeleceu-se a linha vermelha, estabeleceu-se que a linha vermelha desaparece com uma escorregadela numa rampa de acessibilidades. Mas não quero que desapareça agora, é só jogo, é só um joguinho infantil, já o fiz tantas vezes. Estou só a dançar a nostalgia daquilo que não volto a ser, daquilo que não volto a ter. Quando faço merda foi um sonho, não aconteceu. Não me deixo curtir a bebedeira, não me deixo apaixonar, o meu amor pela Clara flutua entre o topo do paredão e a baixa-mar com caranguejos no lodo e pneus enterrados, para que serve isto então? Esta ansiedade da antecipação de uma ejaculação precoce?
Na obra da Alameda está um homem sozinho com uma marreta a destruir paredes como um anormal.
- Oh homem, olhe que isso são paredes portantes, ficamos aqui os dois soterrados.
- Mas o Luís disse que era para partir esta parede aqui.
- Para já você está a destruir duas paredes, depois a parede para partir é só este troço e é só depois de escorar isto tudo e fazer uma viga daqui para ali.
- O Luís é que disse para partir esta parede aqui.
- Hmm.. ok, mas pare lá de mandar o prédio abaixo e faça outra coisa qualquer enquanto eu ligo para ele.
O homem foi beber uma cerveja de uma caixa que tinha ali na sala, quando acabei de falar com o Luís fui à procura dele e estava a mijar de porta aberta, virou-se, vi mais do que queria, foda-se, qual era a necessidade? Ficou a falar comigo enquanto apertava a braguilha com as duas mãos gigantescas, na minha cabeça ecoavam as palavras da Clara acerca dos homens de mãos grandes "melhor barómetro para a pila, Zé, não falha", e eu acabava de o confirmar ali à força, como o Alex DeLarge com palitos nos olhos, e tinha que comunicar-lhe ordens importantes mas não conseguia parar de me enojar com o tamanho da pila do homem, que este homem de pila desmesurada era capaz de cavar a sua própria sepultura com um camartelo numa parede portante e levar com 3 andares pela consciência abaixo "Trabalhador morre soterrado enquanto demolia paredes com a pila". Olhe, vou andando, o Luís depois fala consigo, tenha cuidado aí com o martelo.
Estou mais duas horas a falar com o electricista, com o canalizador, essa classe humorista, com o empreiteiro, com o servente, com o homem dos gelados, com os caralhos da NOS que depois de impingir uma vistoria à cliente por 100 euros não foram capazes de avisar que precisavam de 4 tomadas extra no armário técnico, para fazer fusão a frio, e meteram o electricista outra vez contra mim. Ao meio dia começaram todos a dispersar para almoçar.
- O arquitecto não quer vir connosco? Bora lá, mas não vamos ao deles, vamos ali a um porreirinho de um casal de Paredes de Coura, tem vinho verde, não é o arquitecto que é de lá de cima?
- Não, é a Clara, fica para a próxima, já tenho um almoço. Obrigado na mesma Francisco.
Não tinha, assim que saio ligo para o Xu que acabou de ser despedido do jornal, com honras de última página e com uma tonelada de prémios em ouro e um currículum em seda, já foi entretanto convidado para várias publicações, além das de Nova Iorque que levaram o seu próprio gestor de conta a denunciá-lo à judiciária pelas avultadas transferências mensais. Foi também convidado para dar aulas no Tibete e em Lanhelas, onde foi hoje a uma entrevista, não pode vir, mas combinamos já para a semana que vem, com os outros dois antigos combatentes.
- Falas com eles?
- Sü, sü, combinadíssimo, falo com eles no fim de semana
- Ok, vemo-nos daqui a dois anos está visto, tenho aqui uma chamada, beijinhos.
- Estou?
- Olá!
- Quem fala?!
- Hm.. É da Autoridade Tributária, temos um problema na sua declaração de IRS do ano passado.
- Hmm?!
- É a Dalila.
- Dalila?! Ahah, como é que arranjaste o meu número? Por esta é que eu não esperava.
- Nem eu, estava a pegar no telefone para te ligar e a pensar na parvoíce que estava a fazer. Queres almoçar?
- Quero, claro. Onde estás? Eu estou em Campo de Ourique.
- Combinamos no Príncipe Real, trabalho aqui perto.
Que stress, vou mesmo almoçar com a miúda, o que é que eu estou a fazer?! Ainda por cima é pouco vistosa, ao Príncipe Real, que idiota, alguém vai ver, vai comentar, que se foda, é só um almoço, não é bem só um almoço, claro que é, para ela é de certeza só um almoço, ok, para mim também.
Como tenho tempo, entro no alfarrabista que tinha visto no primeiro dia de obra e que marquei na memória para me arrepender de nunca ter entrado. Lá dentro, à porta está Lisboa de Bráunio. A cores. Pergunto quanto vale, a senhora avalia-me e diz-me que é muito raro...
- O original é, isto é uma cópia banalíssima. 5 euros?
- Ahah, pelo menos 15 euros! Foi quanto me custou..
- Então esqueça, foi enganada, isto compra-se na CML em melhor estado por 10 euros. Obrigado na mesma.
- 8 euros, leve lá isso, vá.
Sigo para o rendez-vouz com a gravura enrolada a rebolar no banco do lado, dou 20 voltas aos quarteirões e estaciono o carro num lugar para residentes deficientes, depois tiro o carro e dou mais 10 voltas e encontro um lugar perfeito na Rua do Século, mesmo no topo, nem vou ter que suar a subir a rua. Cheiro a gola, tiro chaves e fita métrica dos bolsos, guardo na consola central, uma pastilha para o hálito, é só um almoço meu, mas não vale a pena ir a cheirar a naufrago.
- Olá! Desculpa, estavas à espera há muito tempo?
- Acabei de chegar, mas devias ter chegado antes da miúda. Já estás a marcar pontos.
- Ah estou? boa então. Onde queres ir?
- Hambúrgueres? Há aqui mil casas de hambúrgueres, apetece-me comer com as mãos à tua frente para quebrar o gelo, senão vai ser demasiado formal, durante um tempo indeterminado.
- Óptimo. Qual?
- Qualquer uma, são todas iguais.
A Dalila é demasiado bonita para isto, cara de miúdinha, maria rapaz, parece que não tem consciência da beleza que tem, ando com ela uns 300 metros na rua e conto 15 homens a comportar-se como macacos, um deles não se coíbe de lhe pedir lume em andamento como um puto da escola mesmo vendo-a acompanhada e de olhos fixos em mim a rir-se entusiasmada e a fazer-me uma tonelada de perguntas, dá-lhe lume mas não olha para a cara dele, só quando percebe que o seu olhar matador não terá resposta é que ele olha para mim, é a segunda vez que me tentam avaliar hoje. No restaurante o empregado já a conhece, ela trata-o com uma piadola, mas admite-me que não se lembra de o ter visto mais gordo.
- Confundem-me com a Emma Stone e acham que já falaram comigo antes, e eu como tenho uma memória de peixe falo com toda a gente para não acharem que sou uma cabra arrogante.
- História da minha vida, a mim também me confundem com a Emma Stone. Quem é a Emma Stone?
- És muito mais giro que a Emma Stone. - Sorri envergonhada, olha-me nos olhos por um segundo à procura da minha reacção, que é apenas um sorriso e um abano de cabeça desaprovador, e envergonha-se ainda mais enquanto se ri, olha em volta pela primeira vez, vejo-a de lado. Fico desarmado, a conversa está demasiado fácil mas com uma miúda assim nunca nada é demasiado fácil, já conheço isto, posso perdê-la em minutos e nem sei se a quero. O que é que ela quer de mim?
- Uma limonada.
- E eu quero uma imperial.
- Vais beber imperial? Então também quero uma em vez da limonada, se faz favor.
- Então, conta-me lá, onde arranjaste o meu telefone?
- Estamos no século XXI, homem. Não sei, achei que merecíamos um almoço, talvez me falte um amigo, pareces um tipo porreiro.
- Mas não sou, sou um calculista de merda, e burro, sou tão burro que não consegui rejeitar o teu convite.
- Pois és, pai de filhos (quantos?) e aqui a almoçar com uma mulher casada e momentaneamente perdidinha das ideias. Tsc tsc. Ahah, ouve, estou a brincar! Está descansado, não sou nenhuma maluquinha e não deixo nenhum de nós deitar tudo a perder.
- Só vim porque és mãe de filhos, estás dentro do ecossistema, somos uma irmandade um bocado amorfa. Não tenho medo nenhum de ti. Mas se é um amigo que queres aviso-te já que não vou estar à altura, és demasiado gira. Com mais tempo daria para sermos só amigos, até eu fazer a merda do costume.
- Eu quero exactamente o mesmo que tu, vamos evitar falar nisso e fazer o jogo dos adultos responsáveis o máximo de tempo que conseguirmos. O que fazes? Além de jogares futebol com o meu marido.
- Além de ser pai de 4 crianças faço pouco, vivo de rendimentos, chulo o estado, sou do Benfica.
- Pára, eu disse para parares de falar de coisas que me excitem!
Passo o resto da tarde numa excitação febril, a minha tarde das 15 às 17, construiu-se uma coisa clara, sem controlo, correu demasiado bem, estabeleceu-se a linha vermelha, estabeleceu-se que a linha vermelha desaparece com uma escorregadela numa rampa de acessibilidades. Mas não quero que desapareça agora, é só jogo, é só um joguinho infantil, já o fiz tantas vezes. Estou só a dançar a nostalgia daquilo que não volto a ser, daquilo que não volto a ter. Quando faço merda foi um sonho, não aconteceu. Não me deixo curtir a bebedeira, não me deixo apaixonar, o meu amor pela Clara flutua entre o topo do paredão e a baixa-mar com caranguejos no lodo e pneus enterrados, para que serve isto então? Esta ansiedade da antecipação de uma ejaculação precoce?
Na obra da Alameda está um homem sozinho com uma marreta a destruir paredes como um anormal.
- Oh homem, olhe que isso são paredes portantes, ficamos aqui os dois soterrados.
- Mas o Luís disse que era para partir esta parede aqui.
- Para já você está a destruir duas paredes, depois a parede para partir é só este troço e é só depois de escorar isto tudo e fazer uma viga daqui para ali.
- O Luís é que disse para partir esta parede aqui.
- Hmm.. ok, mas pare lá de mandar o prédio abaixo e faça outra coisa qualquer enquanto eu ligo para ele.
O homem foi beber uma cerveja de uma caixa que tinha ali na sala, quando acabei de falar com o Luís fui à procura dele e estava a mijar de porta aberta, virou-se, vi mais do que queria, foda-se, qual era a necessidade? Ficou a falar comigo enquanto apertava a braguilha com as duas mãos gigantescas, na minha cabeça ecoavam as palavras da Clara acerca dos homens de mãos grandes "melhor barómetro para a pila, Zé, não falha", e eu acabava de o confirmar ali à força, como o Alex DeLarge com palitos nos olhos, e tinha que comunicar-lhe ordens importantes mas não conseguia parar de me enojar com o tamanho da pila do homem, que este homem de pila desmesurada era capaz de cavar a sua própria sepultura com um camartelo numa parede portante e levar com 3 andares pela consciência abaixo "Trabalhador morre soterrado enquanto demolia paredes com a pila". Olhe, vou andando, o Luís depois fala consigo, tenha cuidado aí com o martelo.
Antes de ir para casa tenho vários telefonemas para fazer, fico uma hora no carro a pensar na minha vida, vejo as velhotas no café da Alameda, nunca há velhotes, só velhotas, onde estão eles? O que lhes aconteceu que morreram mais cedo que elas? Doenças venéreas? Coração? Foram elas que os mataram? De propósito ou por inevitabilidade evolucionista?
Vou buscar os miúdos à creche, abraçam-me os dois como se tivesse passado um mês.
- Colo!
- Não consigo levar os dois.
- Leva só a mana pai, ela ainda é pequenina.
A educadora do Henrique diz-me que ele fez um desenho espectacular. Vou à parede dos desenhos, procuro o nome dele e está lá, o hospital, eu e a mãe com os braços enrolados um no outro, ele e a Bárbara às nossas cavalitas, e as gémeas às cavalitas deles, um parque de estacionamento subterrâneo, o nosso carro-autocarro, o sol com raios que ocupam a folha inteira e o nome dele escrito em cirílico. O desenho não é mau tecnicamente, já fez melhores, mas bom mesmo é o estudo da sua própria felicidade fascinada que o miúdo conseguiu deixar ali preto no branco, naquele momento de ir buscar as irmãs em que as expressões dele até em mim ficaram gravadas.
Subo a rua com os dois pela mão, já não aguento com a Bárbara.
- Cocó.
- Cocó mana, não pises.
- Cuidado Bárbara, não estás a ouvir o mano?
- É cocó?
- Sim.
- Não se faz cocó na rua.
- Foi um cão, esperamos nós.
- Temos que dizer ao cão que não se faz.
- Temos é que dizer ao dono para vir limpar isto com a língua.
- O quê pai? Limpar cocó com a língua?!
- Não Henrique, estou a brincar, esquece.
- Eheheh, a mana vai limpar o cocó com a língua.
- Não vou nada!
- Vais vais, tu fazes cocó nas cuecas.
- Meninos, mais nível.
- Vais limpar o cocó com a língua.
- Não vou nada! Aaahrrgg!
Em casa a escatologia continua, a Clara pergunta-me que conversa é aquela, enquanto passeia pela casa de mamas de fora com uma bomba de leite agarrada, digo-lhe que não sei do que falam.
- O que é isso?
- É uma gravura que comprei, a primeira imagem da cidade de Lisboa, séc. XVI, baratíssima.
- Onde é que compraste isso?
- Num alfarrabista em Campo de Ourique.
- Onde foste almoçar?
- O quê? Porquê isso agora?
- Hmmm.. resposta errada.
- Fui almoçar com o pessoal da obra, a um restaurante de Paredes de Coura, bem bom.
- Não foste almoçar ao Principe Real?
- Hã?? Que raio de pergunta é essa?
- Diz lá Zé.
- Clara, não te respondo sem me explicares-me essa pergunta, acabo de chegar a casa com os miúdos, nem lhes dizes olá e abres a inquisição espanhola para cima de mim, que merda! Estás sempre a desconfiar de mim! Não posso falar com ninguém, não posso conhecer ninguém sem me acusares de estar a querer trair-te. Nem um sorriso, nem uma palavra recebo de ti em meses que não seja para me cobrares alguma coisa. Que sufoco!
- Tenho razões para isso, não tenho? Não foste almoçar com a Luísa? Essa gravura não é da loja dela?
- Não! Ahah, que patetice! Joaninha! Não vejo a Luísa há séculos, olha desde aquela história toda. Foi mesmo em Campo de Ourique querida...
- Hmm.. Desculpa lá, mas onde fica esse alfarrabista em Campo de Ourique?
- Não sei o nome da rua, é numa paralela à rua da obra, à Tomás da Anunciação.
- Sim, ou paralela ou perpendicular, certo? Oh Zé, sei perfeitamente quando estás a mentir.
- Não estou! Baby, não estou mesmo! Oh meu amor, vá lá, não faças isto, não falámos o dia todo, chego a casa cheio de saudades tuas! Vou lá contigo amanhã à senhora para ela te confirmar. Querida, anda cá, eu abraço-te. Passei o dia meio deprimido, preciso de te sentir um bocado.
- Estou muita sozinha... aqui em casa o dia todo com elas, é muita difícil, acorda uma, vou dar leite, depois a outra já está a chorar, ponho a primeira no berço, vou fazer o leite da outra que já se está a passar, lavar biberões, esterilizar, tirar leite, mal tenho tempo para me arranjar, para comer, depois dar-lhes banho, depois a Joana começa a chorar cheia de cólicas, estou farta, preciso de mais ajuda. Depois tu ficas todo chateado porque não temos sexo há meses, ficas que eu sei, não falas nisso mas andas todo infeliz, isso pesa ainda mais sobre mim! Não aguento.- Colo!
- Não consigo levar os dois.
- Leva só a mana pai, ela ainda é pequenina.
A educadora do Henrique diz-me que ele fez um desenho espectacular. Vou à parede dos desenhos, procuro o nome dele e está lá, o hospital, eu e a mãe com os braços enrolados um no outro, ele e a Bárbara às nossas cavalitas, e as gémeas às cavalitas deles, um parque de estacionamento subterrâneo, o nosso carro-autocarro, o sol com raios que ocupam a folha inteira e o nome dele escrito em cirílico. O desenho não é mau tecnicamente, já fez melhores, mas bom mesmo é o estudo da sua própria felicidade fascinada que o miúdo conseguiu deixar ali preto no branco, naquele momento de ir buscar as irmãs em que as expressões dele até em mim ficaram gravadas.
Subo a rua com os dois pela mão, já não aguento com a Bárbara.
- Cocó.
- Cocó mana, não pises.
- Cuidado Bárbara, não estás a ouvir o mano?
- É cocó?
- Sim.
- Não se faz cocó na rua.
- Foi um cão, esperamos nós.
- Temos que dizer ao cão que não se faz.
- Temos é que dizer ao dono para vir limpar isto com a língua.
- O quê pai? Limpar cocó com a língua?!
- Não Henrique, estou a brincar, esquece.
- Eheheh, a mana vai limpar o cocó com a língua.
- Não vou nada!
- Vais vais, tu fazes cocó nas cuecas.
- Meninos, mais nível.
- Vais limpar o cocó com a língua.
- Não vou nada! Aaahrrgg!
Em casa a escatologia continua, a Clara pergunta-me que conversa é aquela, enquanto passeia pela casa de mamas de fora com uma bomba de leite agarrada, digo-lhe que não sei do que falam.
- O que é isso?
- É uma gravura que comprei, a primeira imagem da cidade de Lisboa, séc. XVI, baratíssima.
- Onde é que compraste isso?
- Num alfarrabista em Campo de Ourique.
- Onde foste almoçar?
- O quê? Porquê isso agora?
- Hmmm.. resposta errada.
- Fui almoçar com o pessoal da obra, a um restaurante de Paredes de Coura, bem bom.
- Não foste almoçar ao Principe Real?
- Hã?? Que raio de pergunta é essa?
- Diz lá Zé.
- Clara, não te respondo sem me explicares-me essa pergunta, acabo de chegar a casa com os miúdos, nem lhes dizes olá e abres a inquisição espanhola para cima de mim, que merda! Estás sempre a desconfiar de mim! Não posso falar com ninguém, não posso conhecer ninguém sem me acusares de estar a querer trair-te. Nem um sorriso, nem uma palavra recebo de ti em meses que não seja para me cobrares alguma coisa. Que sufoco!
- Tenho razões para isso, não tenho? Não foste almoçar com a Luísa? Essa gravura não é da loja dela?
- Não! Ahah, que patetice! Joaninha! Não vejo a Luísa há séculos, olha desde aquela história toda. Foi mesmo em Campo de Ourique querida...
- Hmm.. Desculpa lá, mas onde fica esse alfarrabista em Campo de Ourique?
- Não sei o nome da rua, é numa paralela à rua da obra, à Tomás da Anunciação.
- Sim, ou paralela ou perpendicular, certo? Oh Zé, sei perfeitamente quando estás a mentir.
- Não estou! Baby, não estou mesmo! Oh meu amor, vá lá, não faças isto, não falámos o dia todo, chego a casa cheio de saudades tuas! Vou lá contigo amanhã à senhora para ela te confirmar. Querida, anda cá, eu abraço-te. Passei o dia meio deprimido, preciso de te sentir um bocado.
- Oh querida, tens razão, mas eu ajudo, eu tenho tentado fazer tudo com os outros dois, eu tenho que trabalhar mas sabes que eu quero que tu sejas feliz. Eu hoje dou leite às miúdas, e trato dos outros, não te preocupes, só te peço algum apoio, mas vou fazer o máximo possível.
- Não é preciso, trata só dos outros. Estava só a desabafar.
- Não! Esquece isso, eu trato de tudo!
Passo o resto da noite numa euforia familiar por descompressão dos suores frios de há bocado, do Rés Vés Campo de Ourique, esta mania dela de fazer perguntas sem mostrar primeiro o que lhe deu a mesa tira-me anos de vida. Os miúdos lutam, a Bárbara não come, o banho é um massacre, mas hoje estou descomprimido, estou exausto mas aliviado, só eu sei como já extravasei raivas com os meus filhos apenas comparáveis às raivas de trânsito, depois arrependo-me, por vezes demasiado tarde para os encontrar ainda acordados e pedir-lhes desculpa, mas hoje não, hoje aguento tudo, e quando aguento tudo vejo-lhes a alegria de estar ali na nossa casa, a alegria de terem uma família funcional, o Henrique não pára de me pedir para brincar com ele, a Bárbara não pára de fazer merda, mexe em tudo o que não deve, mas sorri para mim como uma pateta, entorna um copo de água no sofá, mas pede-me desculpa com uns olhos estudadíssimos, não dá para me chatear. Ficam os dois em cima de mim enquanto dou leite à Carolina, falamos os 3 com ela, o Henrique conta-lhe a história d'O Lobo não morde! "Hey, mana! Não adormeças!" Peço-lhes para arrumar a sala que vamos deitar, arrumam é o caralho, um filho é o pesadelo de um obsessivo compulsivo, 4 filhos estão muito para além da compreensão de um solteiro tenrinho. A bancada do lavatório fica cheia de pasta de dentes porque mandei-os para a casa de banho sozinhos antes de conseguir terminar de arrumar a sala sozinho. Deito-os, 5 minutos na cama de cada um deles, dão-me um abraço surrealmente denso, a Bárbara tem tanto de besta como de framboesa, vêm-me as lágrimas aos olhos quando ela esmaga a cara sorridente contra a minha na maior demonstração de amor que conhece, o Henrique em surdina pergunta-me com 5 anos porque é que existimos... Foda-se, não sei querido, mas gosto tanto de ti. Mal o consigo largar.
A Clara está no quarto a dar leite à Joana, vai dormir depois, eu despeço-me e vou para a sala. Sento-me no sofá, vejo o telefone e tenho um SMS: "O resto do dia correu-me tão mal, fiquei completamente desconcentrada. Cá em casa jantámos à luz do meu sentimento de culpa por males inevitáveis. Porque é inevitável." Eu sei.
20 comentários:
e ainda dizem que tamanho não é sinónimo de qualidade.
(e não, não falo da pila do trolha :) falo do texto mesmo.
parece que foste mesmo a única a ler o texto todo, obrigado por isso!
e desculpa, comentário no Natal merecia resposta imediata, mas estive um tempo inusitadamente longo sem vir ao email.
também li ;)
desculpa Inês, só há medalha para o primeiro classificado..
Oh! Snifff
Muita bom....
Gostei imenso!
Vou ver os posts anteriores....só conheci agora o blog!
Fizeste aquilo ou não????
Duarte
Gosto muito destes textos sobre a vida em família e tudo o que se passa à volta dela. Cá em casa também lemos "O Lobo não morde" (mas que afinal mordeu... são as tais coisas inevitáveis).
Olá Zé, venho apenas informar que também li o texto todo e quem agradece sou eu.
obrigado a todos, o Blogger paga-me 10ctms por cada um que lê o texto até ao fim, mais um leitor e já bebo um café.
Gostei, Vou voltar mais vezes!
Um abraço
muito bom!
Vasco
Alterego much? Tantos clichés dios mio. E a escolha dos homes Nada subtil, esposa Clara amante Dalila...
M sobe ao palanque vinda de um ponto invisível quando pensávamos que era intervalo e desanca os intervenientes com funções vectoriais assombrosas, em duas ou três linhas pensadas durante horas em nervoso miúdo no escuro do quarto, ou improvisadas com o despeito de uma irresponsável, e abandona o microfone vitoriosa e segura de não ter desiludido a sua moral, a dos seus pais, a do seu povo, por não calar-se como os cordeiros que toleram Judas e Paulo com o mesmo fervor bovino. Quem era aquela? O que é que ela disse? A que horas é que isto acaba? pergunta-se na assistência de nariz franzido.
Não tem nada a ver com moral ou falta dela. Simplesmente, achei o texto fraco. E foram linhas curtas porque não achei que merecesse uma explicação longa. Posso arriscar outra linha pouco pensada- porque não foram horas mas sim minutos que levei a analisar a impressão deixada pelo texto- Chagas Freitas com pretensões cínicas, tudo apimentado com lirismo snob.
Miquelina, a sério, respira fundo antes de improvisares outra vez, na internet há pessoas como no mundo real, aprende a controlar-te com os outros e serás menos ansiosa sozinha. Caso contrário podes voltar para as caixas de comentários dos jornais com os outros anormais, já tenho filhas que cheguem não preciso de uma tardo adolescente mal educada à procura da ribalta, que claramente não é aqui, isto é mesmo só meu. Vá miúda.
Volta em breve! Fazem -me falta as tuas historias. Mar
Hehehe que mauzinho!
Não mais voltarás caro Zé?
Nunca me fui embora cara Ana sem saltos.
Então por que caminhos andas?
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