a insubestimável clareza do sonho

- estava a sonhar contigo.
- hhmmmmmmm rrrrsss...
- foi bom.

ela estava de costas para mim, virou a cara para cima e abriu um olho, depois debruçou-se sobre a mesa de cabeceira e agarrou no telemóvel. tinha o cabelo todo achatado de um lado. fica-lhe bem o cabelo curto, mas assim parecia um puto ranhoso, com ramelas e os olhos e lábios inchados, mas não de uma forma Angelina Jolie.

- que horas são...? já são 8 e meia..
- calma, é sábado.. o meu sonho passava-se no início da nossa relação. estávamos apaixonados. que estranho, é uma sensação completamente diferente do que sentimos agora.
- oh... parvo... (pronunciava as palavras como se escondesse comida na boca)
- estou a falar a sério. acabei de o sentir no sonho. acabo de passar do início da nossa relação para os dias de hoje, é uma diferença abismal, é uma sensação muito estranha, uma nostalgia da paixão.. é quase deprimente, como um luto.
- como é que sabes..?
- hm?
- como é que sabes... que eu sinto o mesmo que tu? tu é que já não gostas de mim.
- não é nada disso, se estivesses no sonho percebias. estavas sempre a rir, completamente horny, insinuante, e estavas toda tesudona, foda-se, era praticamente um sonho erótico. que fixe, era mesmo real. lembro-me perfeitamente daquele nosso estado de espírito inicial.

enquanto tentava relembrar-me do sonho, a olhar para os florões infinitos no tecto, senti a mão dela na minha perna. automatizada, como quando vê outra mulher a olhar para mim na rua. claramente precisava de me tocar para não me deixar fugir pelo meu pensamento adentro, para uma realidade que lhe era adversa. mas adversa porquê? era ela aquela do meu sonho. ela tinha capacidade de ser aquela pessoa, já a tinha sido.

- ele já acordou?
- não sei, ainda não o ouvi.
- queres ir aquecer-lhe o leite? eu vou lá acordá-lo?
- espera um bocado, é sábado. estavas com a blusa azul, acho que ainda a tens, sabes qual é?
- essa blusa está rasgada há anos.
- ah... mas era óptima...

debruçava-se agora sobre a minha mesa de cabeceira e sobre mim para agarrar o intercomunicador do João, encostou-o ao ouvido, atenta. ficou naquela posição a tentar ouvir, apoiada num braço, o peito sem sutiã sobre a minha cara, roçava-me nos lábios, no limbo da gola extra-larga, aquilo foi de propósito? não, foi casual, como quando se dobra à minha frente ao tirar as calças para ir para o banho, e eu lhe agarro firmemente o rabo espetado e ela resmunga irritada "ai pára". sem me mover fiquei a apreciar a pele nua e o tecido nos lábios. ela levantou-se.

- acho que ele está acordado. vou lá buscá-lo e aquecer-lhe o leite.
- eu acho que vou voltar para o meu sonho.
- não te esqueças que temos almoço com os meus pais.