um olho na merda, outro no infinito

- a sofia? está boa?
- está. acho que sim.
- achas?
- sim. acho que está.
- ok.. e o francisco? já fala?
- diz mamãmã, quando fica rabujento.
- boa. e papápá? não diz?
- não.
- tens que o ensinar.
- achas? não me tinha passado pela cabeça tal coisa.
- tudo bem, mas tens-te esforçado por isso?
- sim, acho que sim.
- não pareces muito certo de nada.
- não. ando farto, não me apetece ter certezas.
- então está bem.
- e tu? que é feito?
- nada de especial. quer dizer, no outro dia enrolei-me com uma gaja no aniversário da sara, já te tinha dito?
- a loira de calções-cueca?
- sim. a joaninha, é a prima do caruso.
- já.
- pois, tirando isso não tenho feito mais nada.
- e o trabalho, está a correr bem?
- sei lá, não tenho paciência para aquela merda. olhe, fáxavor?
- pois, eu até tenho paciência para o meu trabalho, ganhei-a nos últimos meses, desde que o francisco foi para a creche. agora cada vez que chega o fim da tarde e tenho que o ir buscar sinto que o dia me escapou por entre os dedos e só espero a hora de o ir deitar para trabalhar mais um bocado em casa.
- sim, diga sefáxavor...?
- sim, traga mais duas imperiais. queres mais uma imperial?
- não, obrigado. não consigo acabar esta, acho que deixei de gostar de álcool.
- é só um fino então? sim senhor...
- deixaste de gostar de álcool?
- acho que sim.
- mas então o que é que se passa, estás farto do puto?
- não, o puto é espectacular, mas falta-me a minha vida. tenho saudades de fazer coisas de improviso, de não ter que vir para casa ao fim do dia. tenho saudades de me enrolar com a prima da sara.
- quem é a prima da sara?
- aquela com quem te enrolaste.
- não, essa é a prima do caruso! já a comeste?
- não meu, é em sentido figurado.
- ah...? ok.
- tenho saudades de fazer o que me apetece. de ser solteiro ou poder tornar-me solteiro de um dia para o outro.
- não estás fixe com a sofia?
- acho que sim, mas a sofia só vê o puto à frente, não fala do trabalho dela. chega a casa e começa a aquecer a comida do francisco, dá-lhe, depois brinca com ele um bocado na sala. parece divertida. depois dá-lhe banho e depois eu vou deitá-lo. quando saio já ela está no sofá a ler um livro ou um blog sobre bebés, passado um bocado adormece. depois acorda estremunhada e vai para o quarto sem dizer boa noite. e eu fico sozinho na sala.
- não falam?
- entre duas destas coisas tento falar com ela. responde telegraficamente. nem me deixa ajudá-la com o francisco.
- olha, um gajo nunca está contente com o que tem. eu tenho saudades de ter namorada e adorava já ter um puto. o teu puto é muita fixe!
- foda-se, acho que o meu telemóvel tem gravador de voz. como é que se liga? espera, deixa-me enviar um SMS para mim próprio "t-e-n-h-o-s-a-u-d-a-d-e-s-d-e-t-e-r-n-a-m-o-r-a-...."
- oh, sempre te disse que gostava de assentar, 35 anos, já começa a ser urgente, vou ter que arranjar uma miúda de 25-30 para me dar 5 ou 6 filhos, que a partir dos 40 já é arriscado para elas.
- o seu fino...
- tazia-me também uns tremoços? queres tremoços?
- não, estou farto tremoços. olha, deixa-me lembrar-te uma coisa. tu já assentaste umas 10 vezes. como estás viciado nessa vidinha de puta, encontras sempre problemas nas tuas namoradas de 5 meses.
- se tu já tivesses estado com 864 mulheres, a tua mulher ideal também era um frankenstein de virtudes de todas elas. os defeitos de qualquer nova gaja seriam exponenciais para ti, porque já os conhecias a fundo. mas pior, por vezes, procurarias na tua mulher ideal várias virtudes incompatíveis entre si para o mesmo traço de personalidade, o que é um suicídio antes de nascer. julgas que eu nunca pensei nisso? ando aqui a dormir sobre a minha vida? simplesmente tenho que encontrar alguém que me faça esquecer de forma inexplicável todos essas virtudes e todos esses defeitos das mulheres passadas. alguém que faça click, mas sobretudo bum! alguém por quem me vou apaixonar estupidamente, como o Toy no seu sucesso de verão. acredito verdadeiramente que essa mulher existe. até lá estou a fazer prospecção, a passar o tempo e a afagar o ego, porque também eu preciso de carinho, meu paneleiro.
- ok, é por isso que enfias lá em casa de malas e bagagem qualquer mulher que ultrapasse as duas semanas de quecas? esquecendo o pormenor hilariante de julgares que estar apaixonado é garante de uma relação decente, se não estás sequer apaixonado porque é que queres forçar essas relações de infantário? já agora casa-te e engravida-as num mês. se a intenção é poder partilhar as histórias dos teus amigos comprometidos, fá-lo em grande.
- comigo, falo, é sempre em grande.
- hã?
- olha lá, eu quando decidi viver com a rita estava completamente apaixonado. quando vivi com a madalena estava perdidamente apaixonado. quando vivi com a carlota joaquina estava estupidamente apaixonado. não ia tomar essas decisões sem ter certezas.
- epá, então não sei que te diga. tens umas certezas de merda. mas eu sei o que se passa. tu já não sabes o que é estar apaixonado ou então até sabes, mas já estás vacinado, já não consegues. até duvido que consigas ter tesão com todas as miúdas que metes no saco.
- e se não conseguir ter? quem tem boca vai a Roma. ahah. e eu não estou vacinado. eu gosto de ser solteiro, mas adoro sentir aquela ansiedade, quando sabes que ela está interessada, mas se mostra a cagar para ti, e até te liga e manda SMS a saber de ti, para ver se tu te sabes comportar e cortejar uma menina (e eu sei!) e depois encontras-te várias vezes, mas não devias porque és solteiro e gostas de ser e estás a arriscar a liberdade, mas gostas de ir ter com ela e voltar a vê-la nua, epá, sei lá. adoro essa fase da paixão, sempre igual, sempre diferente.
- foda-se, isso não é a fase da paixão, isso é a fase do engate. sugiro o trumps.
- não pá, a fase do engate é quando ainda não te enrolaste.
- ouve, és um puto.
- ah sou? tu tens um filho e não sabes se o queres e eu sou um puto? pelo menos sei usar preservativo.
- ai o caralho! estás parvo??
- os tremocinhos...
- obrigadinho. de certeza que não queres mais nada, puto?
- foda-se! traga-me então também mais uma imperial fáxavor.
- então?! e eu ando aqui para trás e para a frente? vão querer o quê a seguir, carago?

quero foder contigo

era a música de Enapá que tocava no bar. na casa de banho conseguia ouvir-se toda a sala a cantar em uníssono, bêbados e desafinados. as mulheres cantam sempre mais alto e embebedam-se com pouco. atrás de mim estava um gajo que não se calava a falar da gaja do balcão. em urinóis eu não consigo mijar com alguém atrás de mim, sobretudo se ele não se cala e está cambaleante a mandar-me encontrões. daí a pouco iria notar que eu estava ali há demasiado tempo.
- então amigo? isso vai? está difícil..
- estou a masturbar-me. fala-me mais da gaja do balcão.
- heisch... que nojo, estás a bater uma? fóda-ssssss...
ao falar com bêbados é preciso avaliar bem o tempo disponível para assimilação de uma piada, se não houver tempo de a compreender, ou de lha explicarmos, ele vai ser literal e básico e vai lá para fora contar aos amigos. foi o que aconteceu. mas finalmente consegui mijar. ao sair, estava ele com mais 2 amigas e 3 amigos "Foi este!" a olhar-me com cara de nojo, gozo e desprezo. uma das miúdas sorriu para mim. lavei daí as minhas mãos e atirei-me para a multidão que continuava a alimentar a sua necessidade de Yupiais na maioridade, uma rapariga de buço que momentaneamente ficou presa na corrente humana que me levava gritou-me ao ouvido Se tu não foderes comigo Não foderei contigoooo!.. sorri amarelo e ela tentou beijar-me, desviei a cara mas ainda senti a sua língua áspera de álcool passar-me pelos lábios, como me acontecia com o cão do meu tio quando eu era puto.

consegui chegar à porta mais ou menos ileso. cá fora estava um gajo que me entregou uma imperial.
- então, foste cagar? ahah
tirei um cigarro, acendi-o.
- tu és o...?
- Pedro. sou o Pedro. tu és o Zé, não é?
- não, deves estar a confundir-me.
- ...?
- estou a brincar.
- ahahah. pois, isto está complicado, muito álcool, muito álcool. ahahah.
ele era o Pedro, irmão do Miguel, o liberal e o absolutista. nunca entendi como tantos gays passam despercebidos para a maioria das pessoas, talvez porque não passam um jantar a tentar fodê-los com os olhos do outro lado da mesa, sou eu sempre o feliz contemplado. o Miguel é um gajo do atelier com quem nunca falo, excepto daquela vez que, chegado mais cedo da hora de almoço, o apanhei a masturbar-se na casa de banho, que não tem fechadura, e passado 20 minutos veio ter comigo todo vermelho "olha, isto fica entre nós, ok?" - "não, isso fica só para ti, mesmo". o seu irmão, o Pedro, tem um ar mais sociável e mais prevenido, mas é isto, engraçou comigo do outro lado da mesa e foi o resto da noite a patinar num beco que não tem saída, muito menos entrada.

- beeem, isto está mesmo cheio, parece o Santo António.
- pois é.
- tu vieste para o Santo António este ano com o meu irmão?
- não, vim com uns amigos.
- ah pois, é que ele também veio, podiam ter vindo juntos.
- não me dou com o teu irmão.
- nem eu.
- alguém se dá?
- a namorada dele, essa vaca. ahaha.
- ele tem namorada? muito me surpreende. pensei que não gostasse de seres humanos.
- ela não é um ser humano, é uma vaca! odeia-me. homofóbica de merda.
ri-me condescendentemente, para ele entender que não era preciso usar subterfúgios para me transmitir uma ideia óbvia. dei por mim a exagerar os meus maneirismos de macho latino, quase escarrei para o chão, para traçar um limite no engate. ele riu-se ainda mais. alguma barreira na conversa se quebrou com isso.

aproximou-se daí a pouco a Bli, a geek do atelier, uma miúda possante, que quase parece gorda por causa das mamas, cada uma do tamanho da minha cabeça. é gira, mas sempre me pareceu uma universitária recém-urbana, alguém que junta o ingénuo e o devasso.
- o que é que os meus meninos estão aqui a segredar? seus malandros!
eu não estava a segredar com o Pedro e não queria de todo passar essa ideia numa noite de copos tão sexualmente promissora, daí que a pressa em esclarecê-lo me tenha retirado momentaneamente a capacidade de filtrar o pensamento.
- estávamos a falar das tuas mamas.
- AAH! seu porco, tu é que deves ter puxado a conversa, porque o meu Pedrinho está interessado em bolinhas mais pequenas. ahahah!
- olha-me esta! eu gosto é de bolinhas grandes! ahaha!
ah, ah, ah, estavam os dois muito divertidos e a Bli tinha notoriamente maior capacidade de encaixe do que eu pensei, isso tornou-a interessante e a cada golo das minhas sucessivas imperiais mais me parecia uma deusa da fertilidade, voluptuosa, radiosa, inspiradora. falámos todos bastante tempo acerca da sexualidade de cada um, tema que me interessa muito depois do primeiro trago de álcool. afinal o Pedro até tinha tido várias namoradas antes de entender o que queria realmente e a Bli não era propriamente um rato de biblioteca, mas antes uma rata muito bem sucedida no amor de ocasião, tinham ambos a libido de um presidiário ou dois, por isso a conversa foi conduzida, controlada, talhada por mim. conduzi-a descontroladamente no sentido de acabarmos os três em casa dele, "um t1 em Alfama com um pátio reservadíssimo onde instalei uma banheira de grupo para as noites em que faço mais do que um amigo" (sic), ela morava numa "vivenda em Caneças", a escolha foi simples.

não sei porque me coloco nestas situações, claramente a alma do acontecimento era eu, a fazer a ponte entre os dois, e atirei-me, mesmo sendo óbvio que qualquer um deles queria apenas foder a ponte. no fundo, como sempre, queria ver até onde conseguia levar aquilo, algo novo, com a bênção de algo já visto, mesmo sem ter idealizado uma forma airosa de me pôr a arder caso tudo deixasse de ter piada ou me passasse a bebida. em linguagem futebolística chama-se a isto "correr mais que a bola". a verdade é que o Pedro era um gajo fixe, já me tinha surpreendido com algumas importantes definições de cultura e personalidade que me eram próximas, a ter alguma experiência com outro gajo, já tinha pensado nisto, que fosse alguém assim. tinha também feito uma piada qualquer com "Lamb Crica" quando mencionámos o jantar no restaurante indiano, e assumi imbecilmente que aquilo fosse para me descansar em caso de sexo a três. e descansei.

o álcool já ia alto, fomos todos para casa dele, não sem antes passarmos por uma rua escura para mijar. eu e o Pedro trazíamos bebidas na mão, assim, a Bli segurou nas nossas pilas, uma de cada lado, gozou com o tamanho da minha, ríamos todos às gargalhadas, sacudiu-as embora o Pedro não tivesse bem acabado de mijar, lançando pingos quentes sobre todos nós e talvez nas bebidas e rimo-nos ainda mais. fiz uma piada com o facto de não conseguir mijar com alguém atrás de mim, mas conseguir fazê-lo com alguém a segurar-me na pila.
- podes passar a pedi-lo aos teus companheiros de urinol.
rimos muito. no táxi para Alfama fui eu no meio, comecei a apalpar uma mama da Bli com as duas mãos, ela agarrou-me numa delas e levou-a ao colo do Pedro. não a mexi, congelado, e tentei antes concentrar-me no tamanho daquela maravilha da engenharia da natureza que era uma mama da Bli. grande e rija, como a minha pila ficou quando o Pedro a agarrou. isto porque inicialmente pensei que era a mão da Bli. o taxista parou o carro de repente e disse que na presença de Jesus não admitia deboche, muito menos deboche homem-sexual. claro, para segurar um crucifixo gigante, era necessário um retrovisor do tamanho da minha televisão, embora Jesus não se tivesse manifestado enquanto eu ainda estava sequiosamente a sondar a Bli por leite materno. acalmámos ou disfarçámos melhor, chegámos a casa do Pedro já eu tinha as cuecas da Bli nos dentes.

foi tudo muito rápido até eu estar deitado no sofá, com a Bli e o Pedro a desapertar-me as calças enquanto se beijavam. o Pedro mais uma vez agarrou-me qualquer coisa e eu tentei ganhar tempo, tinha que ir mijar uma última vez. na casa de banho tive uma tontura com o papel de parede, tinha umas cores berrantes em cornocópias, parecia estar a mexer ou a gritar comigo, deu-me uma náusea e ajoelhei-me na sanita a vomitar. o frio da sanita foi o abraço possível naquele momento, e assim fiquei algum tempo, até que adormeci no tapete felpudo azul-cueca que destoava naquela casa de banho decorada como a sala de estar da minha tia.

acordei sem noção do tempo que estive deitado, não me pareceu muito. levantei-me, lavei a boca com um bocado de pasta de dentes bochechada, e voltei a sentir-me acordado, revigorado. ainda estava a segurar nas cuecas azuis da Bli, lembrei-me das mamas dela, que estariam elas a fazer? não entendo o que se passa quando bebo e durmo um bocado, acordo sempre com uma erecção pétrea, difícil de desfazer devido a alguma insensibilidade ebriosa. não obstante, a testosterona substitui-me o sangue e obriga-me a procurar desfazê-la, animalmente, tudo me excita, o Pedro já me excitava, talvez ele como homem de festas que constantemente acabam em sexo soubesse melhor como lidar com este problema banal, talvez me maravilhasse com uma técnica apuradíssima e uma reveladora omnisciência do meu caminho para o orgasmo, a pila dele seria maior que a minha? finalmente imaginava um verdadeiro threesome, em que participaria por inteiro, com a substancial Bli a suplicar ser devorada e usada e suada pelos dois. queria beijá-la à frente dele, queria que ele a beijasse, como a beijava contra-senso há bocado na sala. receei que a espera lhes tivesse refreado o ímpeto e estivessem a dormir, teria que os despertar outra vez, sentia-me capaz disso. a sala estava às escuras, vinha apenas um som maquinal de um corredor, um som bastante claro, segui-o e acabei à porta de um quarto com a porta mal encostada. não entrei, lá dentro vi os dois corpos à luz da lua de Lisboa, num movimento continuo, ela estava por cima, perfeita, ondulante, carnal, em vias de descontrolo, ele estava por baixo, algo atlético, com a cara que eu gostaria de fazer durante o sexo, muito cinematográfica. as mãos firmes na anca dela marcavam a cadência, mas permitiam veleidades. a anca dela obedecia, as mãos no peito dele com uma minúcia espásmica, de vez em quando arranhavam-lhe o corpo e aceleravam-lhe o movimento quando a timidez lhe parecia ignóbil face àquele gozo. fiquei ali a observar, estático, desprezado, excitado além do ponto que a minha pele parecia aguentar. o Pedro viu-me, fitou-me uns segundos e ignorou-me, a Bli veio-se, na perdição e no choro próprios de alguém que acaba de descobrir a vida, eu fui-me, para casa, a pé, sem a certeza de qual deles me estava a dobrar a alma de ciúme e euforia.