o milagre da multiplicação

chega a época de pôr em perspectiva algumas matérias que me desanimam no resto do ano, e regra geral, o desânimo mantém-se. mas a pressão de uma sociedade alienada com as festividades obriga-me a dizer que são matérias sem importância vital, pior era se estivesse morto. sim, isso é inegável, além de idiota.

este ano vi-me imbuído do espírito do Natal Passado. chegou hoje quando acordei, com a memória dada como morta de um episódio da minha 3ª classe, quando a professora se dirige a nós em tom natalício e sugere que tenhamos uma hora do recreio mais alargada, até que os pais nos viessem buscar. para tal teríamos apenas, cada um de nós, que inventar um problema matemático para um colega rifado resolver. à medida que fôssemos resolvendo poderíamos ir saindo. esta foi a primeira professora com quem fantasiei sexualmente. não por este episódio. bom, achei que merecia menção.

na 3ª classe a dificuldade de um problema matemático é risível, pelo menos da perspectiva de alguém com um cérebro completo, a mim calhou-me uma redução de metros para centímetros ou de maçãs para laranjas, não consigo precisar, mas a besta calculista e mesquinha que há em mim redigiu para um colega aleatório uma multiplicação de 3 coeficientes na casa dos milhões. era fácil, mas trabalhoso para um miúdo de 7 anos acabado de aprender a multiplicar. calhou ao Pedro.

eu lembro-me de entregar o meu exercício das laranjas, passar pela carteira dele, vê-lo ainda na primeira linha e ter sentido a felicidade que só uma criança consegue sentir por uma filha-da-putice bem calculada. ao sair da sala já estava com alguma pena dele. no recreio nem eu nem ninguém se lembrava que o Pedro existia.

foi certamente o recreio mais longo do meu ensino primário, foi muito divertido, havia um lanchinho para todos, fizemos montes de coisas que os miúdos da 3ª classe fazem nos recreios, e rimos muito, mas o Pedro não. o Pedro ficou 3/4 do recreio de Natal a tentar resolver o meu problema. quando saiu da sala, já metade das crianças tinha ido embora com os pais. saiu triste e foi sentar-se sozinho junto a um muro grande e feio. na verdade nem me lembro dele ter saído da sala. na verdade inventei o nome Pedro, porque nem me lembro do nome do rapaz, mas achei que era desumano evocá-lo nesta história deprimente sem sequer o conseguir identificar. Pedro, ou lá como é que tu te chamas: se és meu amigo no facebook, desculpa-me. do fundo do meu coração. desejo-te um bom Natal junto das pessoas e/ou dos animais de quem mais gostas.