coabita-se

Todas as noites a Soraia ia ver o telefone e tinha uma mensagem do homem que andava a foder.
Era uma sequência complicada, tinham acabado de se despedir no hotel, ele estava em casa em 15 minutos, ela demorava meia hora e durante a viagem, nada, por vezes ficava no carro à espera da mensagem dele, e nada, tirava o som do telefone e enfiava-o no fundo da mala antes de subir as escadas, não fosse a luz do visor desmascará-la em frente ao marido, a luz do visor que teimosamente acendia quando recebia uma mensagem, "tens que mudar isso nas opções de notificações", dizia-lhe o Telmo, o seu tech savior de trazer pelo escritório, que engoliu com batatas a história dos sms de publicidade da Telepizza de madrugada que estremeciam o seu sono de borboleta. Na verdade andava a foder com tal brutalidade que chegava à cama e caía inanimada até ao dia seguinte, nada a acordaria, ainda que a Telepizza e o Holmes Place enviassem de facto mensagens de madrugada.

Escolhia cuidadosamente a mala de manhã adicionando um critério à elegância: opacidade, se era dia de queca. Antes deste critério, chegou um dia a casa e deu de caras com o marido no corredor, telemóvel na mão, virou-se para a parede para pendurar a mala de pano translúcido enquanto enfiava nervosa o telefone dentro das cuecas, por baixo dos curtos calções brancos. Como sempre, foi nos instantes mais inoportunos em que entrava à porta que recebeu a mensagem, ficou com a passarinha a reluzir como o coração de jesus por baixo da túnica, o seu marido tinha acabado de lhe dizer "hhmlá".. desinteressado e voltava para a sala, mas ela transpirou com tinha transpirado meia hora antes nos braços do personal trainer, e entrou na casa de banho a tremer tanto que partiu um salto e teve que vomitar só um bocadinho.

Depois com as providências da mala opaca entrava com segurança em casa, depois directamente para a casa de banho, lavava-se outra vez, tinha sempre uma enorme vontade de fazer xixi, via a mensagem que consistia sempre numa variação de uma frase feita qualquer que lhe dava vergonha alheia. E vergonha própria por andar a foder aquele homem bimbo de pila demasiado gorda mas que sabia lambê-la como um cão baboso, como nenhum outro homem o tinha feito na vida, nem durante o grande bacanal que foi encontrar-se de repente solteira e linda aos 27 anos, depois de se separar do namorado fofinho que tinha desde os 18, e antes de casar com o Joca, esse calhau de granito que nunca quis saber do seu passado sexual, nem dos seus apetites, diga-se, mas que era de facto um homem adulto como ela precisava para se sentir mulher adulta.

No primeiro orgasmo que teve com o amante que parece um segurança pensou que não conseguiria conter os esfíncteres e que ia tudo correr muito mal para cima da cara dele, enquanto isso sentia soltarem-se-lhe do peito uns urros incontroláveis, depois a energia fugiu-lhe dos músculos de tal forma que quando ele lhe subiu para cima e a alargou com aquela espécie de pequeno extintor, não teve forças para lhe dizer que lhe doia um bocado e limitou-se a ser fodida dos dois lados durante 20 minutos que lhe pareceram 2 horas. Naquela primeira viagem de carro chorou o caminho todo com a estranha impressão de ter sido inapelavelmente violada por alguém que não conseguiria articular duas palavras para a seduzir a tomar um café. Mais tarde tomou-lhe o gosto, sentiu que o prazer compensava o mal de consciência, as posições eram sempre poucas, o que agradecia após tantos anos de miúdos eufóricos a testar a elasticidade da pila e da sua paciência, e além de poucas as posições  eram assumidas como uma marioneta, pelas mãos maciças do PT, o que a libertava para se concentrar na sensação porcalhona de ser empalada por um gorila. Foi com ele descobrindo o seu próprio corpo, mas não lhe atribuía grande mérito nos achados além do sexo oral, tudo o resto era fruto do ponto de maturidade da sua luxúria que nunca morreu mesmo após 10 anos de casada com um armário trancado à chave, nas palavras e nos actos sexuais.

Odiava-se contudo por se expôr a este homem por mera fragilidade emocional, odiava-se por trair a parte da família que não deixava de amar, a filha, odiava o marido por colocá-la naquela situação, por desprezá-la, por se comportar como se estivessem irremediavel e despresivelmente presos um ao outro por causa da miúda. Culpava-o pelo mal que sentia o seu adultério trazer à casa. Odiava o nome dele, hoje em dia preferiria tratá-lo pela ordem correcta dos nomes, Cajó, mas Cajó soava-lhe mais pateta do que patético, e não queria imprimir qualquer tom jovial à comunicação entre ambos. Todos os dias acordava pensando em separar-se, preferindo que fosse ele a fazê-lo ou a dar-lhe uma desculpa mais taxativa, indesculpável, que a sociedade não lhe permitisse continuar a fugir com o cu à balança, pegar na miúda e ir viver para perto dos pais.

O PT (chamemos-lhe Manelinho das Couves), o Manelinho das Couves era "bom de cama", péssimo para um diálogo, o que a embaraçava quando se lembrava dele no quotidiano, nomeadamente em frente à família. Soraia pediu-lhe para parar de enviar mensagens porque a colocava numa situação de terror constante em casa, terror de ser apanhada, mas na verdade foi porque tinha suores frios e náuseas quando as lia, estragava-lhe a boa sensação deixada pelo bom sexo, o cheiro dele indelével mesmo depois do duche já não era o cheiro do prazer, mas do bimbo de lá do ginásio que lhe pôs as patas em cima. Curiosamente achava-o bastante querido ou nunca teria baixado os corsários para a queca pirata, a conversa bimba ao vivo tolerava-se muito melhor, sobretudo depois de fazer exercício, com as defesas todas em baixo, mas a bimbalhice lida era como tentar escutar a letra de uma música da Rebeca, parecia a gozar, mas sabia-se que não era. Ele não entendeu, pensou que o clima de adultério e a inobservância das instruções dela ajudariam a mantê-la com o coração e o pito aos saltos, rebelde, e continuou a enviar mensagens, forçando a Soraia a desistir das quecas, e depois do ginásio. Mas já não era a mesma pessoa.

Surgira entretanto em cena um menu muito mais interessante, que a ajudou a ignorar as mensagens desesperadas do gorila, alguém do passado, e é bem sabido, as quecas que se falharam enquanto jovem têm o apelo da vingança de uma juventude perdida, do orgulho ferido, ou do prémio não reclamado quando reaparecem, mesmo mais velhos, mesmo mais desenganados com a vida, mesmo casados e com filhos, e até fisicamente alterados, a memória emotiva é extremamente forte. Ainda por cima, para mal dos pecados da Soraia, não havia quaisquer certezas na nova situação que se afigurava, não estava assegurada, e esse era o brilho no olho do peixe. Pedro "Preto", das noites infindáveis nas esplanadas sobrelotadas da adolescência e das tardes de praia no inverno a ver heats de bodyboard, padecia agora do mesmo mal que ela, o matrimónio. Tinha uma estranha capacidade de resistência ao charme internacionalmente famoso da Soraia, mas nunca permitia que lhe restassem dúvidas acerca da sua disponibilidade. Então... que caralho, faltava a prática, e isso estava a deixá-la ainda mais ansiosa do que estivera quando tinha 16. Não sabia o que tinha que fazer para despoletar o processo, nunca precisou de aprender isso, não se lembrava de um homem a deixar assim sem usar as mãos. Estava doida, sentia-se pronta a todo o momento, perdeu a vergonha de ser apanhada. Na brutalidade sexual com o Manelinho das Couves tinha-lhe faltado a componente da antecipação. Agora sim, sentia-se solteira dentro de uma relação de séculos, sentia-se feliz e capaz de trair sem remorso. Não via qualquer necessidade de se separar do Cajó, o colega de casa, o seu co-progenitor, o homem que merecia que não lhe pedissem o divórcio. Sem qualquer prova material que o justificasse, abraçava o adultério na divina graça do Senhor.