marcha lenta para um croissant futuro

subo a Rua Garrett, são 6 e tal da manhã. estamos naquela altura do ano em que às 6 e tal da manhã já não é de noite. aquela altura do ano que dura mais de metade do ano, e a Rua Garrett dura mais de metade do que resta da minha energia de reserva antes de chegar à Bijou do Calhariz que só abre às 7 para comer um croissant folhado com fiambre ou três. a Júlia sobe ao meu lado parando nas montras todas, não são montras de Natal porque nessa altura do ano às 6 e tal da manhã ainda é de noite. ela pára nas montras todas porque são janelas para a sua fuga. nas das lojas de roupa porque são uma janela para outro estilo de vida, nas das agências de viagem por razões óbvias, nas das pastelarias porque tem fome, e parando aí em vez de se apressar até à Bijou, alimenta a alma mais um bocadinho, energia para mais uns segundos, sonha com um mundo de duchesses, em vez de continuar e alimentar o estômago por inteiro com croissants folhados. também pára e deslumbra-se nos multibancos. "o dinheiro não trás felicidade, Júlia" pois não, somos tão felizes. e ela vê-se ali, num futuro criteriosamente construído desde a infância, nas montras de brinquedos.

são 6 e tal quase 7 e tenho que interromper a marcha lenta e penosa de cada vez que percebo que deixei alguém para trás, a cada 5 metros de fachada pombalina romantizada, romance aos molhos, e vejo-a absorta no seu exercício de expansão interior, da mente e da fantasia de vida, fantástica nesta luz leitosa da manhã em Lisboa baixa, mesmo com os olhos semicerrados do álcool barato e caro do Grémio Lisbonense em fim de ciclo, princípio de século. a luz do dia e do futuro faz-lhe bem, fica bonita e promissora.

- nunca te disse mas às vezes apetece-me partir-te a cabeça numa montra - ou entre montras, na parede. ela acorda, faz um esgar sorridente e andamos mais uns metros.
- temos dinheiro?
- temos pouco, queres levantar?

ora merda, não queria quebrar-lhe a fantasia do multibanco coitada, chegar a vias de facto é estragar o clima que cresceu entre eles, vai procurar esticar o momento, enfiar o cartão todo, muito devagar, procurar o ponto nanométrico em que a máquina se passa da cartola e lhe puxa o cartão à bruta, os dedos que o seguram são puxados a roçar a ranhura no último sopro de tesão desse amor maquinal. carrega na tecla 5 para um multibanco falante (ela adora fazer esse número de sonsa e submissa) que lhe diz "o seu saldo não lhe permite concluir a nossa relação". um gajo giro que passa nesse momento atrás de nós ri-se dela e com ela, e ela excita-se toda, a parafílica, reconheço-lhe os mamilos através da camisola leve, reconheço-lhe os lábios a avermelhar e o rabo a alçar, a convidar. fez de propósito, esta fantasia sexual de fazer figuras tristes dispensa-me, até me exclui fortemente, fico a vê-la dançar o tango obtuso com o transeunte de barbas que vai entrar na sua próxima masturbação, e continuo a perdê-la lentamente, todos os dias de manhã, em todas as montras. é o futuro perdido que a chama.

Presentation

In the global context of obsolete urban port renewal, it has been a tacit presumption, since the early pioneer North American operations, that the suddenly available large areas of privileged contact with the water were to constitute a benefit for an entire city's population. This laudable intention has the side effect, in certain planning approaches, of generally excluding the simple local integration which would specifically favor the neighboring populations, instead resulting in entirely new urban areas, autonomous in fruition and accessibilities.

Of course the two urban scales, the city and the neighborhood, are not incompatible. The urban interaction between waterfront public spaces and the surrounding districts could be accomplished through ordinary urban design strategies, reconciling urban fabrics and morphological elements of the two confining urban spaces. One can, for instance, understand the relation between the city of Lisbon and its river throughout the centuries by analyzing the city's urban structure. Its riverside area renewal could undergo the anchoring to historical urban systems and / or bring emphasis to specific site characteristics. Quite consensual, this has been addressed in several studies for Lisbon's waterfront.

However, a big part of the challenge of integrating waterfronts in a funded urban structure resides on the suppression of physical barriers. The pombaline plan for Cais do Sodré (an urban wharf area), regardless of the distant conjuncture, counts a good number of integration practices, including the suppression of urban hurdles. After all, foda-se, urban design is a timeless subject and its adaptation to current circumstances relies only on the pooling of interests.