tag:blogger.com,1999:blog-315648492024-03-13T15:46:57.024+00:00Vendo-meinteiro ou por peçasum parvo qualquerhttp://www.blogger.com/profile/06702601649040023387noreply@blogger.comBlogger73125tag:blogger.com,1999:blog-31564849.post-91625330206208636642015-12-18T08:32:00.000+00:002015-12-21T20:54:17.810+00:00Allegro BarbaroSinto algum desconforto ainda dentro do sonho por causa de uma erecção sem espaço para crescer contra o colchão, sem abrir os olhos viro-me para cima, aliviado e rapidamente contrariado por ouvir a porta do quarto do lado a abrir com esforço, passos rápidos de animal furtivo, abre-se a porta do nosso quarto e salta-me uma miúda de 3 anos para cima da cama como quem salta a vedação enorme de um espaço idílico que se assalta por prazer. Encolho a erecção dentro do corpo, a Bárbara abraça-se a mim a cheirar a champô, os caracóis loiros entram-me no meu nariz, preciso de coçar o nariz, ela abraça-me com demasiada força.<br />
<br />
- Bárbara, estás a magoar o pai<br />
- Quero cereais<br />
- Sim, a mãe já vai dar, eu vou tomar banho. <br />
<br />
A mãe dorme virada para o outro lado e finge que ainda não acordou.<br />
<br />
- Ainda não acordei Bárbara, espera um bocadinho<br />
- Mãe, quero cereais<br />
- Hoje tens mesmo que te despachar com as comidas que eu tenho uma reunião<br />
- A que horas?<br />
- Às 9.00<br />
- Podias ter-te levantado mais cedo!<br />
- Tens razão meu amor, mas não levantei.<br />
<br />
A mãe continua a queixar-se com observações que já não oiço, levanto-me, tiro a roupa de costas para a miúda, nem sei bem porquê, para não deixar imagens mal gravadas de infância cujos efeitos me são desconhecidos, não encontrei literatura acerca de pais que se despem com erecções à frente de filhas de 3 anos, vou para o banho e mijo para o ralo até a pila baixar lentamente como uma ponte abaixadiça.<br />
<br />
- Estão prontos ou quê?! Henrique, as tuas botas? vou sair e vais ficar aqui em casa <br />
- Não! estou a ir calçar! posso levar um filme para a escola?<br />
- Não<br />
- Porquê?<br />
- Não sei, mas não podes<br />
- Mas eu quero!<br />
- Mas não podes<br />
- Mas eu queria<br />
- Henrique, vamos embora, Bárbara, bora! o que é que estás a fazer? o que é isso que tens na boca?<br />
- É pasta de dentes, ela não bochechou<br />
- Bárbara, vai bochechar<br />
- Não!<br />
- Vai bochechar!<br />
- Não quero!<br />
- Bárbara, vão cair-te os dentes todos, despacha-te<br />
- Não!<br />
- Então olha, vais assim a espumar da boca<br />
- Não vou nada!<br />
- Mau! toca a andar, veste o casaco<br />
- Não visto!<br />
- Zé, a Carolina está a acordar, tenho que ir dar leite.<br />
<br />
Visto-lhe o casaco enquanto me manda pontapés, o Henrique choraminga pelo filme, epá, vai lá buscar a merda do filme, obviamente ele traz dois.<br />
<br />
- Só um filme<br />
- Só estes dois<br />
- Não, só um, senão não levas nenhum<br />
- Então este do Pirata Capitão e o Gato das Botas<br />
- Só um, já estou a perder a paciência<br />
- Não é isso! o gato das botas é o boneco, o filme do Pirata Capitão e o boneco do Gato das Botas<br />
- Traz essa merda, despacha-te, eu vou descendo com a mana.<br />
<br />
Pego no saco do ballet, desço as escadas, volto a casa porque era um saco do lixo, pego no saco do ballet, cá em baixo o Henrique chega com dois filmes na mão.<br />
<br />
- Afinal queria este dos Croods também, deixei o boneco.<br />
<br />
Nas escadas da creche encontra-me a mãe baby blogger, giraça, mãe de 4 ou 5, nunca me ligou um caralho, mas soube-se na escola que tivemos gémeos e não sei, deve ter uma tara por homens altamente férteis, se há coisa em que a experiência me versou foi na capacidade de reconhecer tesão por mim, coitada, esta despudorou-se toda, consigo cheirá-la, tesão pura e desaperfumada de uma mãe betinha rebelde.<br />
<br />
- Olá - sorriso aberto<br />
- Bom dia - faço o sorriso que consigo, manobro todas as energias para esta prioridade, não a mãe de 4 física, propriamente dita, mas a avaliação desta mãe de 4, valerá a pena o investimento futuro, que não hoje em stress de reunião de obra. A Bárbara abraça-se a mim quando tento sair da sala, como todos os dias.<br />
- Vá, vai brincar, dá-me um beijinho<br />
- Não..<br />
- Vá lá querida, o pai tem que ir.<br />
- Não quero...<br />
- Tem que ser Barbarini.<br />
A Andreia vem em meu auxílio como todos os dias - Anda Bárbara, vem ao meu colo, vamos ali ver a rua - Ela vai a custo como todos os dias, sem chorar, 10 segundos depois vejo-a através da porta de vidro sala a brincar com o puto Miguel ou a dar-lhe com um tacho na cabeça. O Henrique espera ao meu lado.<br />
- Bora miúdo?<br />
- Sim, está ali a Francisca<br />
- Qual é?<br />
- (suspira condescendente) é aquela ali de com totós<br />
- Vais lá dizer-lhe bom dia?<br />
- Não, nós não dizemos bom dia pai<br />
- Se calhar se tu lhe disseres ela não está à espera e começam a conversar<br />
- Está bem, mas eu não quero.<br />
- Ok, então dá um beijinho ao pai<br />
- Adeus pai.<br />
<br />
Estou já à porta da escola para assinar o livro de registos quando ele me volta a aparecer à perna<br />
- Que foi filho?<br />
- Esqueci-me de te dar um abraço.<br />
Um abraço com todas as forças que ele encontrou, sofrido, de quem leu Camus, de quem a única certeza que tem na vida é a de que precisa de mim, fisica e emocionalmente. Volta para dentro e eu fico um bocado deprimido por deixá-lo ali e não o levar comigo o dia todo a ver o mundo.<br />
<br />
- Então, não tinhas reunião às 9.00?<br />
- Tenho, mas já liguei a dizer que vou chegar atrasado, deram-me esta pasta gigante na escola com os trabalhos do ano passado, que aparentemente já lá estava há duas semanas à espera, a tua mãe tem cagado nela quando vai buscar os miúdos, e agora ia para o lixo - Pouso a pasta no primeiro móvel que encontro, de onde caem dezenas de elefantes pequenos recortados pelo Henrique.<br />
- Por falar nisso, ela não pode ir hoje.<br />
- Ok, eu vou.<br />
- Queres dar uma queca?<br />
- Hoje é que te lembras? Estou atrasadíssimo! - ela consegue cheirar a mãe de 4 através da minha postura corporal. Aproveito para tomar o pequeno almoço, tento aguentar-me quanto à queca, consigo porque ela perdeu o interesse assim que percebeu que eu ia ficar mais um bocado.<br />
<br />
Na autoestrada acordo a 140 na descida do Duarte Pachedo quando vejo as luzes vermelhas dos carros parados no viaduto e me lembro que vou a conduzir um pequeno autocarro cheio de cadeiras de crianças. No pára-arranca sinto-me várias vezes observado pelos carros do lado, resisto sempre, mas quando olho nunca está ninguém a olhar para mim. Oiço o jingle do fórum TSF para onde políticos não remunerados em início de carreira telefonam travestidos de velhinhas e reformados, mudo para a Radar. Liga-me o empreiteiro, o electricista está quase a ir-se embora, mas queria mesmo conseguir falar comigo hoje, se fosse possível. Calma, o pai está a chegar. Em Campo de Ourique dou 3 voltas ao quarteirão e estaciono em cima de uma tia magríssima que ia ao café.<br />
<br />
- Bom dia arquitecto - cumprimenta-me o Francisco à entrada do prédio - então, acordou tarde? Eheh, estava a brincar. Está toda a gente lá em cima à sua espera, quer dizer, estão todos a trabalhar, todos a trabalhar, há muita coisa para fazer. Isto está tudo sujo aqui na entrada, passe passe arquitecto, já disse ao Márcio para limpar esta merda mas os gajos estão sempre a sujar isto tudo outra vez.<br />
- Pois, os vizinhos queixam-se, já sabe<br />
- Pois é, mas o que quer, nós dizemos mas esta malta não têm cuidado nenhum, isto é pessoal das barracas.<br />
<br />
Chego à obra e cumprimento alegremente todos os serventes, como sugerem as frases profundas do facebook de respeito pelo inferior hierárquico escritas por empregados de mesa brasileiros, "tem a mão suja? e então? também eu, que sou arquitecto! 'cá um passou-bem! mas de facto tem a mão um bocado suja", em alguns meios de recrutamento isto resulta que em menos de nada estou a levar bocas de um pedreiro como se estivéssemos no meu bairro de infância e ele fosse um dos bullys mais velhos. Aí tenho que puxar dos galões e chutá-lo para o seu caixote e mando por água abaixo 3 meses de investimento na classe trolha da obra que nem eu percebi para que serviu.<br />
<br />
O electricista parece feliz por pôr-me a vista em cima.<br />
- Então arquitecto?<br />
- Tá aqui!!!<br />
- Ahahah<br />
- Ahahah<br />
- Eheheh - Toda a gente ri apenas por entender que se quebrou ali uma tensão que durava até eu ter aparecido, sem entender propriamente as razões por detrás da alegre chilrearia do electricista.<br />
- Estão aqui, schuko, RJ45, os comutadores do corredor, o inversor, os interruptores com sinalizaçao.<br />
- São para quê esses?<br />
- Para as ventaxs e um para a luz da escada, acende para saber que deixou ligado.<br />
- Isso é tudo EFAPEL? É uma granda merda esse material.<br />
- Eu sei, é por isso que eu só ponho disto, para o irritar.<br />
- Eheheh, mas agora a sério, isso é uma granda merda.<br />
- Ok, eu dou-lhe o telefone deles e você queixa-se directamente. E as lâmpadas para as sancas, sempre arranjou?<br />
- Arranjei leds.<br />
<br />
Oh cum filha da puta mais os leds, até os electricistas, os leds não iluminam um caralho "iluminam sim senhora, há leds e leds, isto hoje em dia há bons leds", há nada! há leds que iluminam metade, que custam o triplo do preço e consomem o mesmo, são uma granda merda, "ahah, isso é o que você conhece, eu coloco leds há muitos anos, a tecnologia já não é o que era dantes pá" oiça, eu trabalho há 15 anos com engenheiros electrotécnicos, não ando cá no Leroy Merlin a olhar para as prateleiras, fazem-me o cálculo luminotécnico para qualquer projecto, tenho menos 10 anos que você e você está a tentar a puxar a carta da tecnologia? "mas foi a cliente que pediu, ela esteve cá e disse mesmo que só queria leds", então a cliente que vá comprar leds para enfeitar a peidola e pô-la à janela no Natal, os leds não vão dar luz suficiente para as sancas das IS. Quero lâmpadas T5 de 24W nas sancas pequenas e de 49W na sanca grande. A próxima vez que tiver que falar deste assunto é para me rir na sua cara quando ela disser que você a convenceu a pôr a merda dos leds e ela ficou sem luz na casa de banho para pintar os lábios de roxo.<br />
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O Francisco aproveitou para ser sabujo - Eu já te tinha dito oh Carlos! não ouves um caralho, eu disse-te que o arquitecto de certeza que tinha feito estudos mirotécticos para ter escolhido essas lâmpadas.<br />
<br />
Estou mais duas horas a falar com o electricista, com o canalizador, essa classe humorista, com o empreiteiro, com o servente, com o homem dos gelados, com os caralhos da NOS que depois de impingir uma vistoria à cliente por 100 euros não foram capazes de avisar que precisavam de 4 tomadas extra no armário técnico, para fazer fusão a frio, e meteram o electricista outra vez contra mim. Ao meio dia começaram todos a dispersar para almoçar.<br />
- O arquitecto não quer vir connosco? Bora lá, mas não vamos ao deles, vamos ali a um porreirinho de um casal de Paredes de Coura, tem vinho verde, não é o arquitecto que é de lá de cima?<br />
- Não, é a Clara, fica para a próxima, já tenho um almoço. Obrigado na mesma Francisco.<br />
<br />
Não tinha, assim que saio ligo para o Xu que acabou de ser despedido do jornal, com honras de última página e com uma tonelada de prémios em ouro e um currículum em seda, já foi entretanto convidado para várias publicações, além das de Nova Iorque que levaram o seu próprio gestor de conta a denunciá-lo à judiciária pelas avultadas transferências mensais. Foi também convidado para dar aulas no Tibete e em Lanhelas, onde foi hoje a uma entrevista, não pode vir, mas combinamos já para a semana que vem, com os outros dois antigos combatentes.<br />
- Falas com eles?<br />
- Sü, sü, combinadíssimo, falo com eles no fim de semana<br />
- Ok, vemo-nos daqui a dois anos está visto, tenho aqui uma chamada, beijinhos.<br />
<br />
- Estou?<br />
- Olá!<br />
- Quem fala?!<br />
- Hm.. É da Autoridade Tributária, temos um problema na sua declaração de IRS do ano passado. <br />
- Hmm?!<br />
- É a Dalila.<br />
- Dalila?! Ahah, como é que arranjaste o meu número? Por esta é que eu não esperava.<br />
- Nem eu, estava a pegar no telefone para te ligar e a pensar na parvoíce que estava a fazer. Queres almoçar?<br />
- Quero, claro. Onde estás? Eu estou em Campo de Ourique.<br />
- Combinamos no Príncipe Real, trabalho aqui perto.<br />
<br />
Que stress, vou mesmo almoçar com a miúda, o que é que eu estou a fazer?! Ainda por cima é pouco vistosa, ao Príncipe Real, que idiota, alguém vai ver, vai comentar, que se foda, é só um almoço, não é bem só um almoço, claro que é, para ela é de certeza só um almoço, ok, para mim também.<br />
<br />
Como tenho tempo, entro no alfarrabista que tinha visto no primeiro dia de obra e que marquei na memória para me arrepender de nunca ter entrado. Lá dentro, à porta está Lisboa de Bráunio. A cores. Pergunto quanto vale, a senhora avalia-me e diz-me que é muito raro...<br />
- O original é, isto é uma cópia banalíssima. 5 euros?<br />
- Ahah, pelo menos 15 euros! Foi quanto me custou..<br />
- Então esqueça, foi enganada, isto compra-se na CML em melhor estado por 10 euros. Obrigado na mesma.<br />
- 8 euros, leve lá isso, vá.<br />
<br />
Sigo para o rendez-vouz com a gravura enrolada a rebolar no banco do lado, dou 20 voltas aos quarteirões e estaciono o carro num lugar para residentes deficientes, depois tiro o carro e dou mais 10 voltas e encontro um lugar perfeito na Rua do Século, mesmo no topo, nem vou ter que suar a subir a rua. Cheiro a gola, tiro chaves e fita métrica dos bolsos, guardo na consola central, uma pastilha para o hálito, é só um almoço meu, mas não vale a pena ir a cheirar a naufrago.<br />
<br />
- Olá! Desculpa, estavas à espera há muito tempo?<br />
- Acabei de chegar, mas devias ter chegado antes da miúda. Já estás a marcar pontos.<br />
- Ah estou? boa então. Onde queres ir?<br />
- Hambúrgueres? Há aqui mil casas de hambúrgueres, apetece-me comer com as mãos à tua frente para quebrar o gelo, senão vai ser demasiado formal, durante um tempo indeterminado.<br />
- Óptimo. Qual?<br />
- Qualquer uma, são todas iguais.<br />
<br />
A Dalila é demasiado bonita para isto, cara de miúdinha, maria rapaz, parece que não tem consciência da beleza que tem, ando com ela uns 300 metros na rua e conto 15 homens a comportar-se como macacos, um deles não se coíbe de lhe pedir lume em andamento como um puto da escola mesmo vendo-a acompanhada e de olhos fixos em mim a rir-se entusiasmada e a fazer-me uma tonelada de perguntas, dá-lhe lume mas não olha para a cara dele, só quando percebe que o seu olhar matador não terá resposta é que ele olha para mim, é a segunda vez que me tentam avaliar hoje. No restaurante o empregado já a conhece, ela trata-o com uma piadola, mas admite-me que não se lembra de o ter visto mais gordo.<br />
<br />
- Confundem-me com a Emma Stone e acham que já falaram comigo antes, e eu como tenho uma memória de peixe falo com toda a gente para não acharem que sou uma cabra arrogante.<br />
- História da minha vida, a mim também me confundem com a Emma Stone. Quem é a Emma Stone?<br />
- És muito mais giro que a Emma Stone. - Sorri envergonhada, olha-me nos olhos por um segundo à procura da minha reacção, que é apenas um sorriso e um abano de cabeça desaprovador, e envergonha-se ainda mais enquanto se ri, olha em volta pela primeira vez, vejo-a de lado. Fico desarmado, a conversa está demasiado fácil mas com uma miúda assim nunca nada é demasiado fácil, já conheço isto, posso perdê-la em minutos e nem sei se a quero. O que é que ela quer de mim?<br />
<br />
- Uma limonada.<br />
- E eu quero uma imperial.<br />
- Vais beber imperial? Então também quero uma em vez da limonada, se faz favor.<br />
- Então, conta-me lá, onde arranjaste o meu telefone?<br />
- Estamos no século XXI, homem. Não sei, achei que merecíamos um almoço, talvez me falte um amigo, pareces um tipo porreiro.<br />
- Mas não sou, sou um calculista de merda, e burro, sou tão burro que não consegui rejeitar o teu convite.<br />
- Pois és, pai de filhos (quantos?) e aqui a almoçar com uma mulher casada e momentaneamente perdidinha das ideias. Tsc tsc. Ahah, ouve, estou a brincar! Está descansado, não sou nenhuma maluquinha e não deixo nenhum de nós deitar tudo a perder.<br />
- Só vim porque és mãe de filhos, estás dentro do ecossistema, somos uma irmandade um bocado amorfa. Não tenho medo nenhum de ti. Mas se é um amigo que queres aviso-te já que não vou estar à altura, és demasiado gira. Com mais tempo daria para sermos só amigos, até eu fazer a merda do costume.<br />
- Eu quero exactamente o mesmo que tu, vamos evitar falar nisso e fazer o jogo dos adultos responsáveis o máximo de tempo que conseguirmos. O que fazes? Além de jogares futebol com o meu marido.<br />
- Além de ser pai de 4 crianças faço pouco, vivo de rendimentos, chulo o estado, sou do Benfica.<br />
- Pára, eu disse para parares de falar de coisas que me excitem!<br />
<br />
Passo o resto da tarde numa excitação febril, a minha tarde das 15 às 17, construiu-se uma coisa clara, sem controlo, correu demasiado bem, estabeleceu-se a linha vermelha, estabeleceu-se que a linha vermelha desaparece com uma escorregadela numa rampa de acessibilidades. Mas não quero que desapareça agora, é só jogo, é só um joguinho infantil, já o fiz tantas vezes. Estou só a dançar a nostalgia daquilo que não volto a ser, daquilo que não volto a ter. Quando faço merda foi um sonho, não aconteceu. Não me deixo curtir a bebedeira, não me deixo apaixonar, o meu amor pela Clara flutua entre o topo do paredão e a baixa-mar com caranguejos no lodo e pneus enterrados, para que serve isto então? Esta ansiedade da antecipação de uma ejaculação precoce?<br />
<br />
Na obra da Alameda está um homem sozinho com uma marreta a destruir paredes como um anormal.<br />
- Oh homem, olhe que isso são paredes portantes, ficamos aqui os dois soterrados.<br />
- Mas o Luís disse que era para partir esta parede aqui.<br />
- Para já você está a destruir duas paredes, depois a parede para partir é só este troço e é só depois de escorar isto tudo e fazer uma viga daqui para ali.<br />
- O Luís é que disse para partir esta parede aqui.<br />
- Hmm.. ok, mas pare lá de mandar o prédio abaixo e faça outra coisa qualquer enquanto eu ligo para ele.<br />
<br />
O homem foi beber uma cerveja de uma caixa que tinha ali na sala, quando acabei de falar com o Luís fui à procura dele e estava a mijar de porta aberta, virou-se, vi mais do que queria, foda-se, qual era a necessidade? Ficou a falar comigo enquanto apertava a braguilha com as duas mãos gigantescas, na minha cabeça ecoavam as palavras da Clara acerca dos homens de mãos grandes "melhor barómetro para a pila, Zé, não falha", e eu acabava de o confirmar ali à força, como o Alex DeLarge com palitos nos olhos, e tinha que comunicar-lhe ordens importantes mas não conseguia parar de me enojar com o tamanho da pila do homem, que este homem de pila desmesurada era capaz de cavar a sua própria sepultura com um camartelo numa parede portante e levar com 3 andares pela consciência abaixo "Trabalhador morre soterrado enquanto demolia paredes com a pila". Olhe, vou andando, o Luís depois fala consigo, tenha cuidado aí com o martelo.</div>
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<br /></div>
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Antes de ir para casa tenho vários telefonemas para fazer, fico uma hora no carro a pensar na minha vida, vejo as velhotas no café da Alameda, nunca há velhotes, só velhotas, onde estão eles? O que lhes aconteceu que morreram mais cedo que elas? Doenças venéreas? Coração? Foram elas que os mataram? De propósito ou por inevitabilidade evolucionista?</div>
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<br /></div>
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Vou buscar os miúdos à creche, abraçam-me os dois como se tivesse passado um mês.<br />
- Colo!<br />
- Não consigo levar os dois.<br />
- Leva só a mana pai, ela ainda é pequenina.<br />
<br />
A educadora do Henrique diz-me que ele fez um desenho espectacular. Vou à parede dos desenhos, procuro o nome dele e está lá, o hospital, eu e a mãe com os braços enrolados um no outro, ele e a Bárbara às nossas cavalitas, e as gémeas às cavalitas deles, um parque de estacionamento subterrâneo, o nosso carro-autocarro, o sol com raios que ocupam a folha inteira e o nome dele escrito em cirílico. O desenho não é mau tecnicamente, já fez melhores, mas bom mesmo é o estudo da sua própria felicidade fascinada que o miúdo conseguiu deixar ali preto no branco, naquele momento de ir buscar as irmãs em que as expressões dele até em mim ficaram gravadas.<br />
<br />
Subo a rua com os dois pela mão, já não aguento com a Bárbara.<br />
<br />
- Cocó.<br />
- Cocó mana, não pises.<br />
- Cuidado Bárbara, não estás a ouvir o mano?<br />
- É cocó?<br />
- Sim.<br />
- Não se faz cocó na rua.<br />
- Foi um cão, esperamos nós.<br />
- Temos que dizer ao cão que não se faz.<br />
- Temos é que dizer ao dono para vir limpar isto com a língua.<br />
- O quê pai? Limpar cocó com a língua?!<br />
- Não Henrique, estou a brincar, esquece.<br />
- Eheheh, a mana vai limpar o cocó com a língua.<br />
- Não vou nada!<br />
- Vais vais, tu fazes cocó nas cuecas.<br />
- Meninos, mais nível.<br />
- Vais limpar o cocó com a língua.<br />
- Não vou nada! Aaahrrgg!<br />
<br />
Em casa a escatologia continua, a Clara pergunta-me que conversa é aquela, enquanto passeia pela casa de mamas de fora com uma bomba de leite agarrada, digo-lhe que não sei do que falam.<br />
- O que é isso?<br />
- É uma gravura que comprei, a primeira imagem da cidade de Lisboa, séc. XVI, baratíssima.<br />
- Onde é que compraste isso?<br />
- Num alfarrabista em Campo de Ourique.<br />
- Onde foste almoçar?<br />
- O quê? Porquê isso agora?<br />
- Hmmm.. resposta errada.<br />
- Fui almoçar com o pessoal da obra, a um restaurante de Paredes de Coura, bem bom.<br />
- Não foste almoçar ao Principe Real?<br />
- Hã?? Que raio de pergunta é essa?<br />
- Diz lá Zé.<br />
- Clara, não te respondo sem me explicares-me essa pergunta, acabo de chegar a casa com os miúdos, nem lhes dizes olá e abres a inquisição espanhola para cima de mim, que merda! Estás sempre a desconfiar de mim! Não posso falar com ninguém, não posso conhecer ninguém sem me acusares de estar a querer trair-te. Nem um sorriso, nem uma palavra recebo de ti em meses que não seja para me cobrares alguma coisa. Que sufoco!<br />
- Tenho razões para isso, não tenho? Não foste almoçar com a Luísa? Essa gravura não é da loja dela?<br />
- Não! Ahah, que patetice! Joaninha! Não vejo a Luísa há séculos, olha desde aquela história toda. Foi mesmo em Campo de Ourique querida...<br />
- Hmm.. Desculpa lá, mas onde fica esse alfarrabista em Campo de Ourique?<br />
- Não sei o nome da rua, é numa paralela à rua da obra, à Tomás da Anunciação.<br />
- Sim, ou paralela ou perpendicular, certo? Oh Zé, sei perfeitamente quando estás a mentir.<br />
- Não estou! Baby, não estou mesmo! Oh meu amor, vá lá, não faças isto, não falámos o dia todo, chego a casa cheio de saudades tuas! Vou lá contigo amanhã à senhora para ela te confirmar. Querida, anda cá, eu abraço-te. Passei o dia meio deprimido, preciso de te sentir um bocado.</div>
- Estou muita sozinha... aqui em casa o dia todo com elas, é muita difícil, acorda uma, vou dar leite, depois a outra já está a chorar, ponho a primeira no berço, vou fazer o leite da outra que já se está a passar, lavar biberões, esterilizar, tirar leite, mal tenho tempo para me arranjar, para comer, depois dar-lhes banho, depois a Joana começa a chorar cheia de cólicas, estou farta, preciso de mais ajuda. Depois tu ficas todo chateado porque não temos sexo há meses, ficas que eu sei, não falas nisso mas andas todo infeliz, isso pesa ainda mais sobre mim! Não aguento.<br />
- Oh querida, tens razão, mas eu ajudo, eu tenho tentado fazer tudo com os outros dois, eu tenho que trabalhar mas sabes que eu quero que tu sejas feliz. Eu hoje dou leite às miúdas, e trato dos outros, não te preocupes, só te peço algum apoio, mas vou fazer o máximo possível.<br />
- Não é preciso, trata só dos outros. Estava só a desabafar.<br />
- Não! Esquece isso, eu trato de tudo!<br />
<br />
Passo o resto da noite numa euforia familiar por descompressão dos suores frios de há bocado, do Rés Vés Campo de Ourique, esta mania dela de fazer perguntas sem mostrar primeiro o que lhe deu a mesa tira-me anos de vida. Os miúdos lutam, a Bárbara não come, o banho é um massacre, mas hoje estou descomprimido, estou exausto mas aliviado, só eu sei como já extravasei raivas com os meus filhos apenas comparáveis às raivas de trânsito, depois arrependo-me, por vezes demasiado tarde para os encontrar ainda acordados e pedir-lhes desculpa, mas hoje não, hoje aguento tudo, e quando aguento tudo vejo-lhes a alegria de estar ali na nossa casa, a alegria de terem uma família funcional, o Henrique não pára de me pedir para brincar com ele, a Bárbara não pára de fazer merda, mexe em tudo o que não deve, mas sorri para mim como uma pateta, entorna um copo de água no sofá, mas pede-me desculpa com uns olhos estudadíssimos, não dá para me chatear. Ficam os dois em cima de mim enquanto dou leite à Carolina, falamos os 3 com ela, o Henrique conta-lhe a história d'O Lobo não morde! "Hey, mana! Não adormeças!" Peço-lhes para arrumar a sala que vamos deitar, arrumam é o caralho, um filho é o pesadelo de um obsessivo compulsivo, 4 filhos estão muito para além da compreensão de um solteiro tenrinho. A bancada do lavatório fica cheia de pasta de dentes porque mandei-os para a casa de banho sozinhos antes de conseguir terminar de arrumar a sala sozinho. Deito-os, 5 minutos na cama de cada um deles, dão-me um abraço surrealmente denso, a Bárbara tem tanto de besta como de framboesa, vêm-me as lágrimas aos olhos quando ela esmaga a cara sorridente contra a minha na maior demonstração de amor que conhece, o Henrique em surdina pergunta-me com 5 anos porque é que existimos... Foda-se, não sei querido, mas gosto tanto de ti. Mal o consigo largar.<br />
<br />
A Clara está no quarto a dar leite à Joana, vai dormir depois, eu despeço-me e vou para a sala. Sento-me no sofá, vejo o telefone e tenho um SMS: "O resto do dia correu-me tão mal, fiquei completamente desconcentrada. Cá em casa jantámos à luz do meu sentimento de culpa por males inevitáveis. Porque é inevitável." Eu sei.<br />
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<iframe allowfullscreen="" frameborder="0" height="25" src="https://www.youtube.com/embed/HfRS21ZfPGI?autohide=0;rel=0;controls=0;fs=0;theme=light;modestbranding=1;showinfo=0" width="500"></iframe>Zéhttp://www.blogger.com/profile/03871920755849759365noreply@blogger.com20tag:blogger.com,1999:blog-31564849.post-50695555733864612142015-09-21T18:35:00.000+01:002015-09-21T22:08:24.306+01:00agostinhostenho uma conversa cínica com o meu sogro acerca do D. Sebastião, digo-lhe que há uma teoria de que apareceu preso em Veneza por pressão castelhana, logo após se acercar à cidade vindo de alguma cruzada intercalar, cheio de marcas de cimitarras, identificado através de sinais no corpo por alguma embaixada portuguesa ao local e libertado, e preso novamente em Itália nas nocturnas pesadíssimas de Florença, com absinto nas veias e duas senhoras não identificadas mais um moço de estábulo da Villa Capra que viajava consigo, absortos nos prazeres da sua androginia. digo-lhe que foi depois novamente reconhecido pelos duques de Medina Sidónia, recebeu Breves Pontifícios de 3 papas consecutivos mas que mesmo assim mercenários castelhanos o teriam conseguido agrilhoar à revelia da lei e assassinar, tendo sido descoberto séculos mais tarde um túmulo perfeitamente identificado no Convento dos Agostinhos de Limoges. Foi um esforço grande lembrar-me de todos os nomes, de todas as curvas históricas que localizavam a acção, dos títulos documentais, Breve Pontifício é um paquiderme de uma designação para introduzir numa conversa regada a vinho verde, Breves Pontifícios, com a língua a sibilar no céu da boca em demasia, com amigos diria "o papel", mas não com o meu sogro, esse Mattoso da raia minhota, expondo infantilmente o pretensiosismo da minha argumentação. que figura idiota.<br />
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a Clara tira-me o copo e vai bebendo pequenos goles de periquito, o Menanços solta-a, solta-lhe a roupa ligeiramente e as palavras porcas, até na presença do pai. a mãe da Clara ri-se muito das palavras porcas da Clara. o Menanços solta-a também a ela, goza comigo como se fosse minha própria mulher. fico desconfortavelmente excitado com a excitação que a mãe da Clara emprega nos diálogos comigo, ainda mais quando bebe uns copos e se alia à filha na galhofa alcoólica.<br />
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o meu sogro já não me serve vinho. também não faço cerimónia, tiro a garrafa da frente do seu prato, sirvo-me e não sirvo mais ninguém, tranquilo, sem pudor. as refeições acabam, ficamos todos à conversa, sigo-lhe o olhar de cada vez que volto a servir-me de vinho. nesta altura pergunto-lhe se é servido, diz-me sempre que não, assegurando-me que o seu olhar é apenas de desprezo pela quantidade de vinho que bebo. as sobremesas no norte são com vinho verde, a minha boca aqui é cosmopolita, nela cruzam-se os sabores mais inconjecturáveis, escabeche de jaquinzinhos, chouriças de arroz e sangue, pudim de coco, broa de Avintes, partes íntimas da Clara, solha, verde tinto, telhas de amêndoa.<br />
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bullshit, responde-me ele calmamente, apareceram 5 pretendentes ao trono, 5 ou 6 impostores que juravam ser o D. Sebastião, todos eles foram mortos pelo sacrilégio e esse foi morto pelas mesmas razões, porque não passava de mais uma farsa. nunca ouviu falar nele, mas não tem dúvidas. respondo-lhe que não sei, não vivi nesses séculos, mas que é apenas uma teoria. teorias da treta, responde-me. calo-me remetido à minha irritação cutânea. volto à carga concluindo que também gostava de ter a sua idade e ter vivido acontecimentos destes para saber do que falo, que muito aprendo com ele. sorri enervadamente e volta a servir-me da garrafa que viu acabar há minutos no meu copo, espreme a garrafa de vidro, cai uma última gota para o meu copo, pousa a garrafa e olha para mim com um sorriso vitorioso de ancião sarcástico. a gota no fundo do meu copo vazio. abro outra José?<br />
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as mulheres riem, da conversa secreta que tinham ainda há segundos e da qual me chegavam sussuros sórdidos. a Clara ri-se como quando fala da minha intimidade, riem cada vez mais, pergunto-lhes o que se passa, já não se controlam, segredos de mãe e filha, acerca dos pais e dos filhos. os nossos filhos e netos estão a ver merda na televisão em silêncio na sala, talvez notícias de um massacre na Nigéria. os mosquitos do rio entram quando o pai da Clara abre a porta da cozinha a 480 graus para ir ver se chove a meio de Agosto, sabendo perfeitamente dos hematomas com que eu fico quando sou picado por aqueles pterodáctilos de Caminha, baterias de insectos acotovelam-se para entrar dentro de casa, picando-me apenas a mim e ao meu filho mais velho. Está-se cagando, o meu sogro, diz que também era picado na década de 20 sei lá de que século e hoje em dia não lhe fazem mal, que é bom que o miúdo seja picado agora para ficar vacinado, como as boas gentes do Minho. sou frequentemente colocado fora da linhagem desta família com comentários ácidos deste calibre.<br />
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o verão está no pico aqui em cima, o calor e a chuva fazem-nos alternar entre a praia de rio e os jogos de Risco com os namorados das primas universitárias. são gente descomplexada, não entendem muito de estratégia militar nem cognitiva, pelo que mesmo querendo sair do jogo para ir ler o "Heróis em Pantufas" não consigo perder, nem mesmo imitando-lhes a táctica de colocar a carne toda no assador e desafiar a lógica dos jogos de azar e a própria física atirando os dados até perder a dignidade, ganham-me num jogo de perder, não consigo sair da mesa e deixá-los a falar dos seus carros.<br />
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D. Sebastião, há estudos e autores que... depois da aliança com o sultão pretendente ao trono Saadita e alguns mercenários cruzados mais interessados em indulgências papais e violações em massa de sultanas do que em Cristo, investiu tudo contra aquilo que na prática era o império Otomano, como faca quente em betão curado. correu mal, como até ele previa. as tropas estavam cansadas da viagem e foi-lhes concedida na noite anterior à batalha uma prova de vinhos à moda quinhentista, estavam na sua maioria de ressaca de vinho mau no sol do deserto, perante um exército 5 vezes superior, que defendia a sua terra. retirou-se da batalha olhando-a antes de cruzar o Atlas, com graciosidade de um Durão Barroso, e contava voltar caramelizado a tempo do V Império cujo mito acabou apenas por adensar.<br />
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retirou-se logo no início com um conjunto de jesuítas pertencentes ao terço central da estrutura hipodâmica em que se dividia o exército português, o terço dos que não estavam ali a fazer nada de tacticamente relevante, além de clérigos havia mulheres de conforto em número maior que os próprios militares, estas mulheres, na maioria portuguesas das terras acima de Santarém, ficaram por aquelas bandas no fim da batalha, sobretudo por falta de boleia para cima, com pouquíssimas baixas, e contribuíram para a miscigenação dos países do norte de África, que ainda hoje são depreciativamente chamados de Galegos pelos povos da África subsariana. já os religiosos eram enviados pelo Cardeal D. Henrique e estavam a par da fraqueza do Rei adolescente pela luxúria e a glória fácil, estavam ali para ajudá-lo a ele e não a humanidade, enquanto isso lhes permitisse trocá-lo no trono pel'O Casto, mas por evidências da designação, este não deixou descendência e os reis espanhóis trouxeram o seu próprio tribunal do santo ofício. enterrou-se em Alcazar um corpo, sim, mas foi o de um turista inglês algo fútil que comandava um pelotão de italianos recrutados originalmente para atacar a Irlanda, curiosamente também era hermafrodita, o que confundiu a identificação e facilitou o embuste da morte do Rei. demasiado patético para sobreviver, Stukley foi morto por uma bala de canhão nas pernas quando tentava ainda hastear uma bandeira arco-íris ad-hoc que lhe fora descrita por um camponês alemão nas suas itinerâncias continentais. D. Sebastião tentou perder num jogo de ganhar, e perdeu-o, mas acabou em Itália na intermitência entre a prisão e a boémia de sarjeta, a tentar que acreditassem que era rei, bêbado decerto, enquanto o seu corpo jazia em Marrocos em duas valas distintas separadas de 25 metros.<br />
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por vezes no cimo do baluarte da Restauração num fim de dia dourado com a Clara e os miúdos, olho na direcção da foz, do Camarido, e do amanhã, e digo-lhes, é dali que ele virá, o nevoeiro, para foder-nos mais um dia de praia.Zéhttp://www.blogger.com/profile/03871920755849759365noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-31564849.post-88756097568475731262015-06-25T21:39:00.002+01:002015-07-03T18:46:11.963+01:00dias de festa<p>alguém sem filhos que passasse as ombreiras da porta pombalina de numa festa de fim de ano numa creche lisboeta ficava desde logo desmotivado pelo próprio mote, as próprias crianças, pazadas delas espalhadas por todo o lado gritando de braços no ar como gansos num galinheiro misto, não há copos de álcool, não há gente solteira, ou não é fácil de identificar, não há conversas fora da esfera da parentalidade aventureira, seria difícil explicar-lhe porque alguém havia de entrar aqui mesmo tendo filhos, e passar 2-3 horas de sorriso aberto na cara ao longo de várias performances teatrais mediocremente amadoras dos próprios filhos que não parecem ser fadados para nada do que lhes vai acontecendo, passar 4-5 horas com cara de carneiro ao longo de uma missa campal celebrada pelo prior de Santa Maria de Belém, que canta, e que convida a mãe de alguém para ler um salmo, aterrorizando todos os pais incautos que não sabem que aquilo foi preparado e se sentem emocionalmente transportados para uma aula de físico-química durante uma chamada ao quadro, e ao longo de um arraial de sardinhas que todos trocaríamos por um arraial de porrada desde que estivesse grelhado em condições e houvesse uns jarrinhos de branco ou até de verde tinto e não fosse tudo regado a Jói maracujá.<br />
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eu que trago filhos agarrados às pernas dos calções e às vértebras do pescoço também não entendo o sorriso de tanta mulher que já foi bonita imediatamente antes de se esvair em crianças pelas pernas abaixo porque "todo o esperma é sagrado", e deixar acumular leite em pó no diâmetro superior dos braços e na peidola, o sorriso de tanta mulher exausta neste caos de filhos dos outros a correr com copos de sumo na mão e na roupa e sandes de Panrico a escorrer nos cantos da boca como se fossem os sonhos dos pais mastigados e cuspidos, entre palavras de negação e de desconsideração pelo esforço da comunidade em preparar-lhes um ambiente saudável e aquele repasto. mas não acho difícil forçar o hábito de redireccionar o estado de alma logo após o primeiro quarto de hora ao sol, aí já desfiz o sorriso amarelo, já não me ralo com as gotas de mar salgado que me escorrem pela cara limpando-as tranquilamente às mangas da t-shirt de sovaco alçado na direcção da cara da mãe do meu lado direito que se abana com o programa das festas e os versos católicos, que também ela sua como uma mulher a sério, não penso duas vezes antes de me levantar a meio da procissão de animaizinhos vestidos como se fossem crianças mascaradas de animais, e ir procurar uma sombra para perto da zona das comidas que ainda ninguém inaugurou, onde já outros pais se acotovelam em conversa de circunstância e de descompressão e roubam croquetes colocando-os de uma só vez na boca virados para a parede.<br />
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já todos reparámos na longa percentagem de rego exposto no cimo das calças de todas as mães que se sentam em cadeiras de crianças, está calor e as camisas esvoaçantes e curtas terminam a meio das costas lançando um rio de lágrimas daí até terminar no fio dental amarelo ou na cueca de renda preta que salta das calças compradas de propósito para acomodar uma tranca a caminho dos 40, e aquilo já não excita nenhum dos pais, estão de telemóvel na mão e pescoço torcido como adolescentes, os que conseguem não fumar, porque desde que se passou pela primeira vez no ano lectivo corrente as ditas ombreiras das ditas portas a testosterona refreou-se a um ponto confortável para não mais perder esse reflexo pavloviano, tolera-se como Cristo um ano inteiro de chapadas de melões maternais saídos dos decotes largos que nenhuma mulher se esforça por amestrar quando se baixa para tratar de uma criança. aquilo não é corpo, é a maternidade extrema, não tem um laivo de doçura sexual porque elas não estão ali pessoas, é o ser carnal tornado veículo de emergência, ministério da providência e da guerra em defesa do território pró-vida e dos pequenos porquinhos seus filhos.<br />
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é spam, mete nojo, mamas, mamas, mamas, regos e cuecas de sair à noite em corpos de governantas semi-novas, um homem converte-se a projectos de vida da catequese alheia e lentamente anula-se como predador sexual, vê um mamilo espreitar de um sutiã roxo e pensa nos filhos a alimentar-se, vê um fim de costas aberto e a penugem ascendente de um pescoço descoberto e lembra-se de sacos de supermercado a subir as escadas em equipas de dois, vê uns lábios carnudos e ouve a voz constante de 10 anos fazer observações agravadas sobre problemas crónicos, até que um dia, numa festa de escola, em que distraído a olhar um belo par de mamadeiras pendente de um corpo dobrado, uma cabeça levanta e sorri-nos e diz tão bem do nosso filho mais velho, porque a filha dela é apaixonada por ele e ele é tão esperto e tão bonito, como o pai, ahah, estou a brincar, não estou nada, esta mãe não me mete nojo nenhum, foda-se é bonita e está grávida a dar com um pau, e então enquanto ambos lavamos as cuecas borradas dos nossos filhos no lavatório da escola, sorrimos e trocamos piadas e confidências pouco abonatórias para fazer o outro gargalhar e ressurge o instinto obcecado de conduzir conversas no limite do humor de engate, que desarma e planta cirurgicamente ideias e imagens na cabeça guiado apenas pelo radar único das expressões faciais de encanto, encantar uma mãe grávida. enquanto todos os pais e mães trocam conversas e de parceiro, e os umbongos sobem à cabeça no sol de Junho, todos temos orgulho nas crianças que são nossas e nas que não são porque de qualquer forma não temos que as aturar, e todos admiramos impunemente a nossa mulher distraída ao longe a comer um arroz doce julgando-se abrigada do nosso olhar crítico como nós do dela, comendo-a nós a elas com os olhos, e uma parafilia renasce dentro de nós homens pais, todos, com grávidas nuas e mamilos enormes, e ancas abertas, e vestidos sem função com carnes nuas que espreitam em festas de crianças e vamos para casa ao fim de um dia de festa, a correr com a nossa mulher grávida de gémeos e com os dois miúdos no mesmo braço másculo, mal esperando por chegar a casa e contar a conversa que tivemos com a mãe da Maria Jaquina e do Manel Patrício, alavancar a nossa fantasia com outras pessoas do nosso círculo de festas de crianças e apelar ao ciúme saudável, e ela acha um piadão e ri-se de gargalhada, e que o marido dela também é um pão, que ela o comia com batatinhas e lambia o prato todinho, e que até trocou umas palavras giras com ele, e a gente roça-se na barriga de grávida da nossa mulher e sente-se pequeno porque não a consegue agarrar toda, e os nossos filhos são tão lindos! e estão ali na sala a auto-educar-se com o Canal Panda e o Canal Porco, e a gente beija-se esquecido eu de como se beija uma mulher grávida, e desajeitado intromete-se um pau duríssimo escalando do topo dos calções ao umbigo como um marsupial adolescente, capaz engravidar um batalhão de freiras das Salésias, e vamos fazer trigémeos, anda meu amor, e o vestido de verão largo tenta cair pela minha mão esquerda porque a direita está a avaliar a renda por dentro, e ela diz que não lhe apetece, porque está deveras grávida, e que eu já sei como a minha pila pronta lhe deixa a libido dorida, e que tem que pensar na roupa dos miúdos para o mês que se avizinha, que talvez amanhã, que talvez para o ano.</p>Zéhttp://www.blogger.com/profile/03871920755849759365noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-31564849.post-20548592005692715902015-05-28T02:32:00.000+01:002015-05-28T02:32:56.462+01:00coabita-seTodas as noites a Soraia ia ver o telefone e tinha uma mensagem do homem que andava a foder. <br />Era uma sequência complicada, tinham acabado de se despedir no hotel, ele estava em casa em 15 minutos, ela demorava meia hora e durante a viagem, nada, por vezes ficava no carro à espera da mensagem dele, e nada, tirava o som do telefone e enfiava-o no fundo da mala antes de subir as escadas, não fosse a luz do visor desmascará-la em frente ao marido, a luz do visor que teimosamente acendia quando recebia uma mensagem, "tens que mudar isso nas opções de notificações", dizia-lhe o Telmo, o seu tech savior de trazer pelo escritório, que engoliu com batatas a história dos sms de publicidade da Telepizza de madrugada que estremeciam o seu sono de borboleta. Na verdade andava a foder com tal brutalidade que chegava à cama e caía inanimada até ao dia seguinte, nada a acordaria, ainda que a Telepizza e o Holmes Place enviassem de facto mensagens de madrugada.<br />
<br />Escolhia cuidadosamente a mala de manhã adicionando um critério à elegância: opacidade, se era dia de queca. Antes deste critério, chegou um dia a casa e deu de caras com o marido no corredor, telemóvel na mão, virou-se para a parede para pendurar a mala de pano translúcido enquanto enfiava nervosa o telefone dentro das cuecas, por baixo dos curtos calções brancos. Como sempre, foi nos instantes mais inoportunos em que entrava à porta que recebeu a mensagem, ficou com a passarinha a reluzir como o coração de jesus por baixo da túnica, o seu marido tinha acabado de lhe dizer "hhmlá".. desinteressado e voltava para a sala, mas ela transpirou com tinha transpirado meia hora antes nos braços do personal trainer, e entrou na casa de banho a tremer tanto que partiu um salto e teve que vomitar só um bocadinho.<br />
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Depois com as providências da mala opaca entrava com segurança em casa, depois directamente para a casa de banho, lavava-se outra vez, tinha sempre uma enorme vontade de fazer xixi, via a mensagem que consistia sempre numa variação de uma frase feita qualquer que lhe dava vergonha alheia. E vergonha própria por andar a foder aquele homem bimbo de pila demasiado gorda mas que sabia lambê-la como um cão baboso, como nenhum outro homem o tinha feito na vida, nem durante o grande bacanal que foi encontrar-se de repente solteira e linda aos 27 anos, depois de se separar do namorado fofinho que tinha desde os 18, e antes de casar com o Joca, esse calhau de granito que nunca quis saber do seu passado sexual, nem dos seus apetites, diga-se, mas que era de facto um homem adulto como ela precisava para se sentir mulher adulta.<br /><br />No primeiro orgasmo que teve com o amante que parece um segurança pensou que não conseguiria conter os esfíncteres e que ia tudo correr muito mal para cima da cara dele, enquanto isso sentia soltarem-se-lhe do peito uns urros incontroláveis, depois a energia fugiu-lhe dos músculos de tal forma que quando ele lhe subiu para cima e a alargou com aquela espécie de pequeno extintor, não teve forças para lhe dizer que lhe doia um bocado e limitou-se a ser fodida dos dois lados durante 20 minutos que lhe pareceram 2 horas. Naquela primeira viagem de carro chorou o caminho todo com a estranha impressão de ter sido inapelavelmente violada por alguém que não conseguiria articular duas palavras para a seduzir a tomar um café. Mais tarde tomou-lhe o gosto, sentiu que o prazer compensava o mal de consciência, as posições eram sempre poucas, o que agradecia após tantos anos de miúdos eufóricos a testar a elasticidade da pila e da sua paciência, e além de poucas as posições eram assumidas como uma marioneta, pelas mãos maciças do PT, o que a libertava para se concentrar na sensação porcalhona de ser empalada por um gorila. Foi com ele descobrindo o seu próprio corpo, mas não lhe atribuía grande mérito nos achados além do sexo oral, tudo o resto era fruto do ponto de maturidade da sua luxúria que nunca morreu mesmo após 10 anos de casada com um armário trancado à chave, nas palavras e nos actos sexuais.<br />
<br />Odiava-se contudo por se expôr a este homem por mera fragilidade emocional, odiava-se por trair a parte da família que não deixava de amar, a filha, odiava o marido por colocá-la naquela situação, por desprezá-la, por se comportar como se estivessem irremediavel e despresivelmente presos um ao outro por causa da miúda. Culpava-o pelo mal que sentia o seu adultério trazer à casa. Odiava o nome dele, hoje em dia preferiria tratá-lo pela ordem correcta dos nomes, Cajó, mas Cajó soava-lhe mais pateta do que patético, e não queria imprimir qualquer tom jovial à comunicação entre ambos. Todos os dias acordava pensando em separar-se, preferindo que fosse ele a fazê-lo ou a dar-lhe uma desculpa mais taxativa, indesculpável, que a sociedade não lhe permitisse continuar a fugir com o cu à balança, pegar na miúda e ir viver para perto dos pais.<br />
<br />O PT (chamemos-lhe Manelinho das Couves), o Manelinho das Couves era "bom de cama", péssimo para um diálogo, o que a embaraçava quando se lembrava dele no quotidiano, nomeadamente em frente à família. Soraia pediu-lhe para parar de enviar mensagens porque a colocava numa situação de terror constante em casa, terror de ser apanhada, mas na verdade foi porque tinha suores frios e náuseas quando as lia, estragava-lhe a boa sensação deixada pelo bom sexo, o cheiro dele indelével mesmo depois do duche já não era o cheiro do prazer, mas do bimbo de lá do ginásio que lhe pôs as patas em cima. Curiosamente achava-o bastante querido ou nunca teria baixado os corsários para a queca pirata, a conversa bimba ao vivo tolerava-se muito melhor, sobretudo depois de fazer exercício, com as defesas todas em baixo, mas a bimbalhice lida era como tentar escutar a letra de uma música da Rebeca, parecia a gozar, mas sabia-se que não era. Ele não entendeu, pensou que o clima de adultério e a inobservância das instruções dela ajudariam a mantê-la com o coração e o pito aos saltos, rebelde, e continuou a enviar mensagens, forçando a Soraia a desistir das quecas, e depois do ginásio. Mas já não era a mesma pessoa.<br />
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Surgira entretanto em cena um menu muito mais interessante, que a ajudou a ignorar as mensagens desesperadas do gorila, alguém do passado, e é bem sabido, as quecas que se falharam enquanto jovem têm o apelo da vingança de uma juventude perdida, do orgulho ferido, ou do prémio não reclamado quando reaparecem, mesmo mais velhos, mesmo mais desenganados com a vida, mesmo casados e com filhos, e até fisicamente alterados, a memória emotiva é extremamente forte. Ainda por cima, para mal dos pecados da Soraia, não havia quaisquer certezas na nova situação que se afigurava, não estava assegurada, e esse era o brilho no olho do peixe. Pedro "Preto", das noites infindáveis nas esplanadas sobrelotadas da adolescência e das tardes de praia no inverno a ver heats de bodyboard, padecia agora do mesmo mal que ela, o matrimónio. Tinha uma estranha capacidade de resistência ao charme internacionalmente famoso da Soraia, mas nunca permitia que lhe restassem dúvidas acerca da sua disponibilidade. Então... que caralho, faltava a prática, e isso estava a deixá-la ainda mais ansiosa do que estivera quando tinha 16. Não sabia o que tinha que fazer para despoletar o processo, nunca precisou de aprender isso, não se lembrava de um homem a deixar assim sem usar as mãos. Estava doida, sentia-se pronta a todo o momento, perdeu a vergonha de ser apanhada. Na brutalidade sexual com o Manelinho das Couves tinha-lhe faltado a componente da antecipação. Agora sim, sentia-se solteira dentro de uma relação de séculos, sentia-se feliz e capaz de trair sem remorso. Não via qualquer necessidade de se separar do Cajó, o colega de casa, o seu co-progenitor, o homem que merecia que não lhe pedissem o divórcio. Sem qualquer prova material que o justificasse, abraçava o adultério na divina graça do Senhor.Zéhttp://www.blogger.com/profile/03871920755849759365noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-31564849.post-51956823025634713462015-03-27T10:58:00.000+00:002015-03-27T11:12:48.774+00:00as pequenas mortesa Júlia fechava o bar e ficávamos todos lá dentro, muito bêbados, enquanto ela contava o dinheiro da caixa. a confiança entre o grupo era de tal forma, confiança cega de pessoas da noite que acham que encontraram as almas gémeas no fundo de copos de wishkey e cerveja, que por vezes as contas não batiam certas e todos queriam contar o dinheiro, e ela deixava. o primeiro que contasse mais dinheiro do que era suposto haver, fechavam-se as contas, e prosseguia-se noite fora a tirar imperiais, a fazer tostas mistas, linhas de coca, teorias da conspiração e da relação conjugal, etc.
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por volta desta hora (três, quatro), com a porta do bar fechada, todos os casais se desfaziam e acabávamos todos em conversas privadas com a namorada do próximo, geralmente de entrosamento facilitado. e a piada era essa, não haver pinga de adultério ali, apesar de todas as bocas trocadas em conferência aberta escorregarem para o facilitismo da piada swing. disse-me o Pedro certa vez enquanto eu fazia uma massagem nos pés da Sofia para ir com ele à casa de banho, se a minha pila não fosse muito maior que a dele, que tinha o seu aval para levar a Sofia a dar uma volta. era uma piada, disse-o e repetiu noutras ocasiões para toda a gente se rir, mas em privado diria a mesma coisa, sobretudo porque ele queria comer a Júlia desde que eu me lembro.
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havia um entendimento tácito de que tínhamos que ter cuidado, alguns do grupo eram mais constantes, eu e a Júlia, o Pedro e a Sofia, o Manuel e a Rita, se estávamos só nós as conversas eram mais ordinárias mas com o day after mais presente. mas se por acaso havia alguém solteiro, se valesse a pena e era raro deixar alguém lá ficar que não valesse a pena, era todo um bando de papagaios para um estendal curtinho. foi numa dessas ocasiões que conhecemos a Jessica, uma loira de cabelo solto, surpreendentemente inteligente e de ironia fina (finíssima pá), de sorriso aberto e gargalhada genuína. era aspirante a actriz, na época da goldrush televisiva.
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por sorte minha, a Júlia era afoita e viciada em fazer toda a gente gostar dela, cedo descobriram afinidades femininas e passavam noites a fim a gozar com os homens em geral, comigo em particular. a Jessica engraçava comigo também, notava-se na forma como me picava com desgarradas libertinas acerca da minha fraca virilidade, acompanhadas de sorrisos, que interpretava como "quero-te comer enquanto a tua namorada observa".<br />
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uma famigerada noite que começou com o aniversário de alguém e que trouxe muita gente nova ao fecho privado do bar, a Jessica foi elevada a habitué por contraste, passou para trás do balcão, ajudou nos shots e imperiais e embebedou-se terrivelmente com a Júlia, a ponto de o Pedro me vir buscar à mesa quando eu conversava com duas dinamarquesas não me lembro em que língua, para ir ver o que se estava a passar: Júlia e Jéssica aos melos na cozinha. Pedro pôs-me a mão no ombro e disse-me sentidamente "cabrão".
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saímos da cozinha desorientados, tirei um cigarro, naquela altura fumava quando não sabia o que fazer, e o Pedro perguntou-me se não queria antes ir com ele à casa de banho dar uma linha. fomos à casa de banho mas não dei linha nenhuma, não queria gerir aquilo com a impetuosidade da coca. "leva-me contigo" disse-me o Pedro "podes foder a Sofia sempre que quiseres, ou melhor sempre que ela quiser", mais um golpe de barro à parede do nosso amigo nocturno que tranquilamente me veria em cima da namorada, mesmo que não pudesse comer a Júlia, desde que o mundo pudesse ser lindo como sempre foi, e ele pudesse acreditar que seríamos sempre amigos, e o cor de rosa fosse a cor do negócio dos bares. eu também queria acreditar que seríamos sempre amigos, mas geralmente não conseguia encarar aquelas pessoas à luz do dia, o que dificulta uma amizade ortodoxa.<br />
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saímos da casa de banho e já só o núcleo duro restava, Jessica e Júlia tinham saído do recontro da cozinha, e agora mais calmas com a língua, mas mais agarradas ao rabo uma da outra e em performance teatral para os nossos amigos, começaram a planear matar-me. morte por sexo foi a escolha óbvia, mas antes Lux, uma decisão que eu não entendia, porquê Lux?, vamos só perder tempo, a noite está decidida, quero morrer depressa.<br />
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Pedro, Sofia, Rita e Manuel, enterneciam-se com o nosso three-way porvir, eles mais que elas, sugeriu-se um bacanal mas Júlia e Jessica não estavam para me partilhar com homens. notei alguma satisfação entre eles que eu não fosse já para casa com elas, adiando a certeza dessa inveja que sentiam. íamos ao Lux então, últimos xixis, e pela primeira vez pude perguntar à Júlia sem palavras se aquilo era mesmo para ir para frente. "acho que sim" disse-me, "sabia que ias adorar". estávamos os dois agarrados aos beijos quando a Jessica se aproximou, agarrámo-nos os 3 e beijámo-nos os 3, com os holofotes acesos sobre o meu beijo com a Jessica. só o Pedro viu e agarrou-nos também, a velha piada do empata-fodas, resulta sempre.<br />
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com a confusão de fechar o bar, com Pedro e Manuel ansiosos como miúdos para me fazer perguntas, dar sugestões, fazerem-se convidados, as miúdas foram todas juntas de táxi antes de nós, e eu só pensava que ainda me ia fugir tudo das mãos, bastava que embebidos em álcool como todos estávamos alguém perdesse tempo desnecessário a falar com um amigo chato, a discutir com um taxista, à espera na fila do multibanco, para o clima e os caminhos se descruzarem ou as linhas do destino sexual, pelo contrário, se emaranharem por completo e eu acabar no Lux a conversar com um indiano que vive em Chicago e que está cá a fazer um doutoramento numa cena desinteressante ligada à criação de perus.<br />
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à porta contudo, o Miguel cumprimentou-nos espirituoso "boa noite, as suas duas esposas já entraram" sorriu, e rimos todos muito, porque era o Miguel que nos dirigia a palavra, eu ri mais que os outros por confirmar que estava tudo sobre carris. entrámos, era daquelas noites em que parecia que havia ecstasy no ar condicionado. logo no bengaleiro encontrei a Mia, óptima, uma ex-relação mal terminada, a conversa correu lindamente para tantos anos de frieza protocolar. estava divertida, disse que eu estava giro, acariciou-me o braço de alto a baixo, perguntou se ainda estava com a Júlia, quando o confirmei fez um ar desiludido de sorriso pornográfico, pronto, estava completamente bêbada, mas bêbada conta. a minha hiperconfiança acumulada até aí facilitou-me a despedida. enquanto o Manuel encontrou a Rita, o Pedro e eu fomos procurar as dissidentes, primeiro no andar de baixo, no estado em que estavam era de prever que estivessem a dançar nesta selva. não estavam. encontrámos dois amigos do Pedro, um deles tinha visto as miúdas no andar de cima e perguntava-lhe quem eram as duas amigas da Sofia, estava doido e o Pedro disse-lhe "têm namorado". subimos, pelo caminho encontrei um camelo, pelo caminho encontrei um camelo, pelo caminho encontrei, pelo caminho encontrei, depois três gays nas escadas pararam-me, olhos muito abertos "ai filha!" perguntaram o que usava para ter aquele bronze, "melanina", um deles não riu. eu era o rei, furava pela multidão com olhos postos em mim, daquelas noites em que Deus me pintou de dourado e tenho a certeza que vou acabar na cama, eventualmente sozinho.<br />
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o Pedro queria ir outra vez dar na coca, esperei por ele à porta da casa de banho, tenho ideia que a minha vida nocturna foi muito passada à porta de casas de banho. apareceu a Marta que recolhia copos, fez a festa da nossa relação nunca consumada "Zé!" abraçou-me com o braço que não tinha bandeja, e os seus beijos lambidos soaram-me melhor que nas outras vezes, "a Júlia está ali com a Jessica, ao pé da varanda, estava a dizer-me que estava só à tua espera para irem embora". óptimo! havia uma máquina de preservativos nova na entrada da casa de banho, coisa em que nunca antes tinha reparado, nem voltei a ver ali depois. interpretei aquilo como um sinal, optei por abastecer-me, em casa não havia nenhum dentro do prazo, só uns apertadíssimos que me deram na rua, certamente sobras do mercado asiático ou modelos para distribuir nas escolas primárias, a Jessica podia não achar piada à minha facilidade em ignorar regras básicas de sobrevivência. que digo? a Júlia é que podia não achar piada. havia 3 tipos de preservativos em duas quantidades, escolhi uma caixa de 3 preservativos de sabor a mentol, porque pensei bêbado que o mentol era melhor para desenjoar do álcool e porque éramos 3. foi um raciocínio infeliz, fruto da pressão das circunstâncias.<br />
<br />
o Pedro saiu da casa de banho, encontrámos imediatamente a Sofia "Zé, a Jessica está um bocado mal" o quê? não quis entender à primeira, falávamos aos ouvidos uns dos outros por causa da música para demolir edifícios, quando percebi não quis acreditar que ela estivesse assim tão mal, mas chegámos perto da varanda e Jessica tinha a testa pousada na mesa, já tinha ido vomitar várias vezes e não queria que lhe tocassem. era a primeira grande bebedeira da sua vida, dizia ocasionalmente. Júlia amparava-a e olhava para mim "olha menino, kapputt!", estava mais preocupada que desiludida. "água" disse eu ao ouvido da Jessica "bebe água, muita água, isso vai passar" num esforço patético para endireitar a minha vida.<br />
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a Jessica veio dormir a nossa casa, completamente derrotada, deitámo-la no sofá. Júlia deixou-me assistir enquanto a despia e a Jessica murmurava "perdoem-me! que vergonha! podem fazer de mim o que quiserem desde que não me abanem muito", eu fui buscar um cobertor para se tapar e um balde que coloquei aos pés do sofá "Jessy, está aqui se te sentires mal". agradeceu-me imenso.Zéhttp://www.blogger.com/profile/03871920755849759365noreply@blogger.com17tag:blogger.com,1999:blog-31564849.post-20054398943974394262014-11-03T15:58:00.000+00:002014-11-03T16:02:36.365+00:002007, hoje- quando é o nosso aniversário?<br />
<br />
Júlia mexe a colher no café procurando disfarçar o interesse da pergunta, o sorriso admite-o.<br />
- sei lá. diz-me tu.<br />
- dia dos namorados, 14 de Fevereiro?<br />
- que patetice, esse foi o dia em que saíste de casa da Sofia, fomos só tomar café.<br />
- eu sei, mas então? em que dia foi? foi no sábado seguinte, dia 17? é o sexo que marca o início da relação?<br />
- sim, e depois andaste na cama com 50 mulheres até ao Natal. iniciaste 50 relações diferentes.<br />
- foram só 30. e tu, estiveste com quantos homens?<br />
- nenhum.<br />
- mentirosa. estiveste pelo menos com aquele Rogério da pila grande.<br />
- que ridículo. não estive nada com ele, só fomos tomar café umas vezes apesar dele ter tentado reatar coisas antigas. e fui tomar café porque tu andavas a dar-me para trás e fazias-me sentir uma merda. ele apanhava-me no facebook e andava ali a insistir até eu aceitar. sentia-me com baixa auto-estima, precisava de me sentir desejada. não gosto nada de me lembrar disso, de me ter exposto a ele nessa altura.<br />
- porquê?<br />
- porquê o quê?<br />
- porque é que não gostas de te teres exposto, se foste mesmo só tomar café não entendo em que foi que te expuseste, se já tinhas estado com ele na cama antes e ele voltou a querer estar contigo até é bom sinal. geralmente depois do sexo os homens perdem a ansiedade, se realmente só estiverem interessados em levar-te para a cama.<br />
- pois, se calhar foi por isso que perdeste o interesse em mim depois de 17 de Fevereiro.<br />
- não perdi nada. não estou aqui a tomar o pequeno almoço, 8 anos depois?<br />
- fiz um esforço épico para te conquistar durante esse ano.<br />
- e passaste os 7 anos seguintes a descansar sobre os louros.<br />
- vamos discutir?<br />
- não, estou a brincar. 17 de Fevereiro é uma data estúpida, eu ainda não tinha ultrapassado a Sofia, por isso é que não quis agarrar-me a ti, sabes isso.<br />
- mas também não me soltavas.<br />
- isso é bom sinal, já te disse. e também já te disse que ainda aqui estou.<br />
- então e quando é o nosso aniversário? 26 de Dezembro?<br />
- acho que isso também é desprezar todo esse ano, ainda fizemos boas memórias.<br />
- entre essas memórias contam-se as 70 mulheres com quem estiveste.<br />
- foram só três ou quatro, ou 5. e são boas memórias para mim, sim, mas tu tens o teu próprio percurso gravado na minha cabeça.<br />
- oh, que orgulho. tens pistas de corrida gravadas na cabeça e eu fui a mais rápida a cruzar a meta.<br />
- mais rápida não, és uma corredora de fundo. foste a mais resistente.<br />
- essa merda soa pessimamente.<br />
- pois soa, mas o que quero dizer é que foi a ti que eu escolhi para chegar ao fim.<br />
- ainda estamos longe do fim, não te entusiasmes.<br />
<br />
Júlia mexe a colher na chávena vazia tentando apanhar a espuma que resta do café, procura disfarçar o orgulho em puxar incessantemente o tapete da sua felicidade ao pai dos seus filhos.<br />
- o dia do meu aniversário foi um dia bom, depois dos santos fomos para tua casa e quando acordámos deste-me um cabaz de brinquedos e rifas de vales personalizados de massagens e jantares que nunca cumpriste.<br />
- nesse dia desapareceste a meio da tua festa com uma miúda qualquer e apareceste horas depois com cara de ter tido sexo, para ir dormir quentinho a minha casa.<br />
- tu tens memórias péssimas de mim. só ficaste comigo porque fui difícil de agarrar? eu tenho boas memórias tuas.<br />
- pois tens, eu só proporciono boas memórias. a todos os homens.<br />
- sabes aquela minha amiga que teve uma paixão na adolescência por um gajo popular lá da escola dela, uma paixão que durou anos e cuja memória se manteve pela maioridade, alimentada pelos fugazes contactos que ela conseguiu forçar nesses anos... e aos 30 anos ele reapareceu... gordo, meio careca, ligeiramente alcoólico, ligeiramente desempregado, inteiramente idiota, pretensioso e falhado, e muito mais disponível para ela, como seria de esperar, e ela vive com ele há 3 anos de martírio não declarado e impaciente?<br />
- sei.<br />
- podias ter-me interrompido. bom, achas que da perspectiva dela ele é a mesma pessoa? claro que não. achas que a memória que ela tem do tempo em que o amava ao longe se impõe como a figura da pessoa com quem vive agora? achas que ela sente a obrigação de aproveitar esta dádiva de Deus que foi o regresso de quem a fez sofrer durante tanto tempo por desinteresse? que ela ama o mito que criou numa idade em que a memória é gravada em fogo, e não o homem por trás do mito? é que por vezes sinto-me um gajo gordo, careca, falhado, sombra do que fui ou do que projectaste em mim, de quem tu só retiras a memória do que te custou adquirir, e que simplesmente não queres passar novamente com outra pessoa por tudo o que passaste para chegar a mim. como se tu não quisesses perder a relação, o estatuto, a memória, e não a pessoa.<br />
- acho que és parvo. a minha relação contigo não tem nada a ver com essa. a tua amiga gosta do namorado, seja porque razão for, mesmo que esteja iludida acerca dele. eu tenho raiva de ti, muita, por várias razões. mas és meu, amo-te.<br />
- ahahah, até foste buscar essa palavra maldita! parece que estou a assistir uma telenovela portuguesa, nem te sai bem dos lábios essa merda.<br />
- ahahah, quando eu a digo tu gozas comigo, vês? é por isso que eu não digo estas coisas.<br />
- foi querido. até o facto de teres admitido que tens raiva de mim. adoro-te, deixa-me manter na memória institucional a nossa relação inteira: 10 de Janeiro, quando dançámos kizomba nos teus anos. <br />
- que parvoíce, ainda vivias com a Sofia.<br />
- eu sei, mas foi a dançar abraçado a ti, juro, que decidi que queria ter filhos contigo.<br />
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Júlia perde momentaneamente a noção da coordenação motora e agarra com os dedos todos a colher suja de café, deixando-se invadir pela nostalgia, rara em si, mas violenta e feliz quando envolve os actos de amor na origem dos miúdos.<br />
- que estupidez. vou tomar banho.Zéhttp://www.blogger.com/profile/03871920755849759365noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-31564849.post-31844368713390947942014-10-26T12:44:00.000+00:002014-10-26T12:49:17.225+00:00Perpétua- pronto, eu vou para a sala agora, está bem? dorme, dá-me um beijinho.<br />
- pai.<br />
- diz.<br />
- o avô da Sara morreu.<br />
- ... foda-se.<br />
- foi para o céu, e não volta nunca nunca nunca nunca mais.<br />
- foi? pois. já devia ser muito velhinho.<br />
- pois era, e ele magoou-se num pé e depois morreu. agora ele é uma estrela.<br />
- uma estrela. claro, é uma estrela.<br />
- quando eu morrer vou ser uma estrela?<br />
- ah, não penses agora nisso, ainda faltam muitos anos.<br />
- faltam muitos anos?<br />
- sim.<br />
- quantos?<br />
- muitos.<br />
- quando eu for muito velhinho?<br />
- sim.<br />
- quantos anos tinha o avô da sara?<br />
- não sei, tinha mais que muitos.<br />
- quantos anos tens tu?<br />
- 37.<br />
- eu também vou ter 37 anos?<br />
- sim.<br />
- quantos anos tem o avô Pedro?<br />
- 70.<br />
- o avô Pedro é muito velhinho.<br />
- nada disso, está agora a sair da puberdade.<br />
- mas ele disse que era.<br />
- ele estava a torturar-te psicologicamente.<br />
- quando eu tiver 37 anos quantos anos tu vais ter?<br />
- 70.<br />
- como o avô Pedro. e quando eu tiver 70 anos quantos anos vais ter?<br />
- 115.<br />
- e quando eu tiver 115 anos quantos tu vais ter?<br />
- 164.<br />
- e quando eu tiver 164 anos quantos anos tu vais ter?<br />
- vou ter muitos, falta muito tempo Henrique, não penses nisso.<br />
- e quando eu tiver 164 anos o avô Pedro vai morrer?<br />
- filho, ainda faltam muitos anos, não penses nisso.<br />
- eu não quero que tu morras.<br />
- Henrique, eu nunca vou morrer.Zéhttp://www.blogger.com/profile/03871920755849759365noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-31564849.post-32842963500035128012014-08-19T17:00:00.000+01:002014-08-19T17:00:45.814+01:00Faixa de MöbiusA luz do sol entra por qualquer buraco, tem calor próprio, mesmo que concentrado numa porra de 5 cm quadrados. Se toca numa têmpora, sobretudo numa têmpora transpirada de álcool em excesso e pressionada por dentro pela consequente bomba cefálica que só por si impediria a merecida inconsciência por mais que 4 horas seguidas, proporciona um acordar lento e penoso. Adão esqueceu-se de fechar o estore. O quarto a nascente, adivinhe-se, nasceu virado para o sol, que não perdoa uma fífia para brilhar de manhã aqui dentro. Adão não nasceu neste quarto, mas doeu-lhe menos o nascimento que o acordar todos os dias.<br /><br />Hálito de lamber corrimões, língua de vaca fumada, olhos de recém nascido, e torcicolo, todos companheiros de lençol molhado. A Eva já saiu de casa, fugiu do toque dele, levanta-se sempre mais cedo, sobretudo quando Adão se mija na cama.<br /><br />Cigarro à boca, um resto de cerveja num copo na cozinha (tinha um bocado de cinza, mas só eu é que vi), senta-se na sanita a fumar e a cagar depois de ter vagueado à procura de não sei bem o quê pela casa alva. Duche com ele. Meia hora. De água a ferver, a lavar os pecados e os testículos.<br /><br />A casa de banho é um salão, diz-se que foi uma biblioteca medieval, ao sair do banho Adão pára em frente ao espelho e observa a barba, tem um dia, mas é mal semeada porque Deus odeia-o. Máquina de barbear, não arrisca a lâmina, isto implica 5o'clock shadow logo de manhã. Looking sharp!<br /><br />Ligou para o escritório.<br />- Adão, conta.<br />- Miguel, vou chegar um bocado atrasado. A Eva saiu de casa e deixou-me aqui trancado, estou há uma hora à procura da chave, mas ela deve ter levado e não atende o telefone.<br />- Ok Adão. Até já. Olha.<br />- Diz.<br />- Bebe água. E vai comer qualquer coisa antes de vires que estás com uma voz de quem acabou de comer um cagalhão.<br />- Foda-se..??<br /><br />Miguel já tinha desligado o telefone. Como ousa?! Como ousa Miguel sugerir que Adão estava de ressaca? Que lhe estava a dar uma desculpa? Como ousa Miguel pensar? Adão perde-se logo de manhã na raiva que sente de o mundo ter dificuldades em adaptar-se a si, mas hoje menos obsessivamente, que a dor de cabeça lateja forte. "Um palhaço este Miguel" pensou, "está a ver se me fode, que cena feia, tss" abana a cabeça em desaprovação profunda, de desilusão paternal. "Qualquer dia fodo-o".<br /><br />Ainda nu procura vestígios da noite passada no telemóvel. Dois telefonemas para a Margarida, zero minutos (não atendeu? ainda bem), outros dois para o Bernardo, um para a Sara, 14 minutos e 23 segundos. Foda-se, não. O horror instala-se quase ao mesmo tempo que a cobardia e decide esquecer que viu este registo. Não decide, esquece-se simplesmente enquanto pensa em masturbar-se antes de ir trabalhar. "Cabrão do Miguel, estás a dar-me baile, vais ficar à espera até me apetecer". Até lhe apetecer. A fazer o que lhe apetecer. Tem resultado bem este subterfúgio da culpa. "Vou fazer o que me apetecer, toda a gente à espera que eu me comporte como querem, a mim não me apetece, sou dono de mim. Tenho direito de fazer o que me apetece. Apetece-me gastar dinheiro, apetece-me foder, apetece-me beber, apetece-me mentir. Foda-se apetece-me! Caralho, não mandam em mim. Estou farto de obedecer." Na verdade foi uma vida inteira a desobedecer, a fazer o que lhe apetece, nem a anulação do superego é nova, mas a relatividade oscila na medida do desejo.<br /><br />- Bernardo, então? Tudo fino?<br />- Adão, estás melhor?<br />- Melhor? Sim, estou óptimo. Porque é que não havia de estar bom? Foda-se..<br />- Por nada... Estás a sair de casa?<br />- Não, achas? Por acaso tive que vir agora a casa buscar uma coisa. E nada, apeteceu-me ligar.<br />- Ok, está tudo bem?<br />- Sim. Olha, nós ontem falámos, não foi?<br />- Sim...<br />- Eu sei que falámos, mas já não me lembro bem, tinhas-me perguntado qualquer coisa..? que eu fiquei de ver?<br />- Não, não perguntei nada.<br />- Hmmm.. ok, fiquei com essa impressão.<br />- Olha, tenho que trabalhar agora, ligo-te mais logo.<br />- Mas estava tudo fixe? Ficaste chateado com alguma coisa?<br />- Só com o facto de me teres acordado a mim e à Madalena às 5 da manhã.<br />- Foda-se já não posso ligar a um amigo quando me apetece? Só não percebi que era tão tarde, desculpa lá olha...<br />- Na boa. Caga nisso.<br />- Mas correu tudo bem, a conversa?<br />- Sim Adão, correu tudo bem. Estavas com os copos, mas dentro disso correu como previsto.<br />- Pois, estava um bocado. Foda-se não me lembro de muita coisa. Mas liguei à Sara, uns 15 minutos de conversa.<br />- Não sei o que lhe possas ter dito em 15 minutos no estado em que estavas, não queria estar no teu lugar.<br />- Bem caga, não quero pensar mais nisso, caguei na miúda.<br />- Acho bem. Olha, tenho mesmo que ir trabalhar, falamos logo.<br />- Sempre a despachar-me, caralho.<br />- Vá, abracinhos.<br /><br />Em frente ao espelho do corredor vê o seu corpo semi-musculado de frente, não se vira de perfil, não fez natação em pequeno, é estreito, da espessura de uma pessoa doente. Vê melhor a cara. Rugas. Cabelos brancos. A campainha. A campainha? Vai à porta todo nu, espreita e não vê ninguém, levanta o auscultador e não ouve ninguém. "Qué esta merda? Falta de respeito a tocar a esta hora para casa das pessoas e depois não dizem nada, provavelmente é o cabrão do carteiro, que falta de civismo, tsc tsc".<br /><br />No café, sempre ao balcão, engole meio folhado de salsicha de uma dentada e bebe metade da meia de leite, nunca gostou de meia de leite, ao sair chamam-no para pagar a despesa, esqueceu-se outra vez, o empregado sorri. Novamente no balcão o telefone toca.<br /><br />- Estou?<br />- Adão!<br />- Quem fala?<br />- Rodrigo. Estás bonzinho?<br />- Olha o abertura! Está tudo bem, e tu? Porreirinho?<br /><br />Rodrigo, uma das velhas ligações ao bairro da sua adolescência e ao rugby, tem uma proposta de jantar irrecusável, o novo restaurante de um amigo comum na Bica, degustação e bebidas à discrição, as meninas Saldanha, a Xuxu (a Xuxu!) e a prima (não sei o nome dela mas também é prima do Rodrigo e da Madalena do Bernardo), a Mafalda Viana e umas amigas assistentes de bordo, provavelmente um grupo que incluía a Mariana Sousa Macedo. Irrecusável. Aceita, com uma reserva suave, tinha até às oito da noite para chatear-se com a Eva. O dia já começava a parecer mais bonito, quase não lhe doía a cabeça, saiu do café com uma imperial na mão (afinal era praticamente meio-dia).<br /><br />O dia no escritório passa rápido, entre fricções forjadas com o Miguel, que condescende superiormente numa arte da fuga desenvolvida ao longo de 10 anos de convivência funesta. Miguel gostava de espicaçar e depois dar o lombo. Ao fim do dia, depois de toda a gente sair, já conseguiu que Adão estivesse suficientemente à vontadinha para entrar na sua sala com uma garrafa de Johnnie Walker.<br /><br />- Vai um copinho? Binsky?<br />- Ahahah!<br />- Ahahah, bora lá pá, já bazou toda a gente.<br />- Siga, vou lavar copos do almoço.<br />- Temos que trazer uns copos decentes para o escritório - Adão puxava duas cadeiras para perto da janela, uma vista deslumbrante sobre o rio e a praça D Luís I, onde já os romanos "fundeavam".<br />- Qual é a ocasião? Tens festa hoje?<br />- Olha-me este, sempre a julgar que sabe ler as intenções dos outros! Tenho pá, por acaso até tenho. A inauguração do restaurante de um grande amigo meu. Queres vir? Posso levar um amigo.<br />- Sou teu amigo? Então quero.<br /><br />Bebem apenas dois copos no escritório mas conversam por três ou quatro. Adão tem indubitavelmente um carisma social que prende pessoas a uma teia de fascínio e preocupação como a um companheiro de guerra num posto avançado. "Falta-te? Eu arranjo-te!", "Sofres? Eu sofro contigo!". É fraternal e chega a compensar os momentos maus. Miguel sabe-o de longa data, já conhece as desilusões subsequentes, e deixa-se levar na mesma. Afinal é com Adão que tem as melhores histórias de copos, e as piores histórias de confiança traída. Falam da vida de Miguel em Londres, dos grupos de portugueses emigrantes na cidade, Adão diz que conhece perfeitamente Londres, e conhece perfeitamente os grupos de emigrantes porque uma grande amiga sua mora lá, aliás, dois grandes amigos seus, porque o melhor amigo dela também é um grande amigo dele, conhece perfeitamente Londres e o melhor amigo da sua grande amiga. Miguel não os conhece. Ou melhor conhece Londres apenas. Adão fala de Piccadilly, e da Tower Bridge, e de quando foi à Tate, onde viu o Banksy. Estava lá, o Banksy, a ver uma exposição e Adão reconheceu-o e foi lá falar-lhe, pagou-lhe um copo. Miguel ignora o momento confrangedor, pergunta-lhe se viu Brick Lane e Adão faz uma cara não treinada, Miguel corrige, "o mercado de Brick Lane", e Adão lembra-se em silêncio que Eva lhe falou em ver mercados e ele preferiu ir beber pints num pub incógnito enquanto Eva se divertia femininamente a ver "mercados" tsc. Diz que, ah sim, conhece perfeitamente Brick Lane e até pormenoriza o ambiente de feira. Miguel gosta da conversa porque fintando pela eloquência fantochada de Adão ele até tem piada. Apesar de se rodear de pessoas que começaram a cultivar os interesses e o futuro na adolescência quando ele andava interessado em ser adoptado pelos betos de Cascais e em ser convidado para as festas em casa do tio Patinhas, quando não está a tentar fazer uma demonstração de cultura plagiada dos melhores amigos escolhidos a dedo, até tem conversa de homem e um raciocínio bastante ágil, podia ser um stand up comedian com um laivo dramático. Aliás foi essa versatilidade que lhe permitiu agregar gregos e troianos no mesmo pote de amizades, aquele que gostava de ser o melhor amigo de toda a gente se ao menos conseguisse controlar o ódio que sente por quem se atravessa no seu fantasioso percurso de locomotiva rumo ao estrelato.<br /><br />Quando a conversa entra na fase boa falam da vida, das relações, Adão abre o jogo da fragilidade conjugal, de como a dependência que os homens têm das mulheres os torna piores companheiros, quase se escrevia um blog com tanto experimentalismo pessoal, mas depois entram pelas miúdas do seu passado, e acabam a comentar uma ex-colega de universidade em comum, a Sara Albuquerque.<br /><br />- Que coincidência do carapau! A Sara Albuquerque??<br />- Foi da minha turma, mas quem é que não conhece a Sara Albuquerque?<br />- Que mamões, meu deus, sempre a apontar o caminho.<br />- São o Norte e o Norte magnético.<br />- Ahah!<br /><br />São quase nove horas, Adão esqueceu-se de se chatear com a Eva, que também não ligou, dir-lhe-á então a verdade quando chegar a casa, assim chateia-se depois do facto consumado e nem precisa mentir. Descem lentamente a escada, numa altura em que o álcool e o burburinho surdo da rua são o composto anestésico da antecipação, da excitação processional de um evento nocturno cheio de gatas. A rua fervilha de grupos entre os 20 e os 30 anos de onde só o género feminino sobressai a Adão, miúdas de calções acima das nádegas, vestidos leves e curtos, peitos de franga generosos que preenchem facilmente decotes largos. Miguel já sente a mesma emoção adolescente de Adão, embora com mais vergonha da sua própria libido proto-alcoólica e mais contido nas observações.<br /><br />- Isto está a puta da loucura!<br />- Mulheres boas comendo meloas!<br /><br />Param à porta do restaurante "A Peixeirada do Bairro" e Adão começa o folclore dos abracinhos e das gargalhadas de longo curso pelas muitas pessoas à porta de aperitivo na mão. "Grande Adão, nunca falhas. A Mariana Macedo não veio, caríssimo" diz-lhe o Rodrigo logo de chapa "Voou para um daqueles países com ébola, está de quarentena em Tróia". Adão procura disfarçar a primeira desilusão com uma irritação dissimulada "Ah sim? Que bom para ela" e passa às apresentações "Este é o Miguel, um grande amigo meu". Olá, olá, Rodrigo, Margarida, um beijinho, Miguel, olá, olé, Tomás, Mariana Pires de Lima, Barbosa de Mello, José Coutinho, Caetana Veloso, um beijinho, um olá, um copo para a mão trazido por Adão que num salto rouba dois aperitivos com uma azeitona cada e em menos de nada bebe o seu sem distinguir o tipo de álcool, come a azeitona e cospe o caroço para a mão procurando logo onde o deixar, voltou para a bandeja do empregado.<br /><br />Depois das apresentações e dos sorrisos automatizados de boas vindas indiferentes Adão apresenta Miguel já no interior ao dono no restaurante, com quem não tem grande confiança, "Este é um grande amigo meu" e o dono do restaurante cumprimenta-os activamente pergunta se estão a gostar de tudo e volta freneticamente ao trabalho de gerir os empregados com um chicote de cinismo empreendedor. Miguel e Adão formam instintivamente o seu mini baluarte perto da saída das bandejas de canapés e cálices tintos. Retomam a conversa no ponto onde ficou, mulheres giras, agora ilustrada pela alta densidade de bons espécimes da alta sociedade que enchem o espaço e a rua. Saindo-se da hora dos mosquitos acelera-se pelo período do jantar, já toda a gente navega em copos de gin e whiskey, um grupo de betos rurais pede aguardente e imitam uma pega de caras com um dos menos peludos do grupo, há alguma fricção entre machos invisível a Miguel mas que Adão aproveita como pretexto para se agruparem a duas miúdas que parecem do seu campeonato.<br /><br />- Não tarda nada temos tourada aqui dentro.<br />- Estás a convidar-nos para sair daqui? Bora!<br />- Ahahah - Adão surpreende-se com o sucesso rápido, excitadíssimo ri mais alto que todos e começa o festival de chistes geniais que não tento reproduzir porque não tenho metade da sua piada. Todos lhe admiram o brilho repentino. Miguel não está convencido com elas, são velhas, diz-lhe, para cima de 40 anos. Adão bebe álcool com a certeza de um profissional mas o mundo passa a parecer-lhe demasiado perfeito, excepto quando lhe parece uma merda de futuro negro. A miúda em quem Adão firmou os ferros é a mais gira, a mais afoita, mas também a mais velha. Tem 45 anos, a miúda, e uma filha adolescente que o faria ponderar a pedofilia, tem botas de pele de cobra, aceita engates dos anos 80, enfim, no meio do paraíso terreno em que se transformou este dia e esta noite, esta mulher é como um São Pedro com saudades dos prazeres da carne. Miguel afasta-se e leva com ele o par que lhe calhou, por cavalheirismo apenas, e ela percebe-o. Adão desaparece à porta com a mulher que parece sua tia.<br /><br />O local começa a fechar as portas e transforma-se num bar de engate em estância balnear, Miguel subtilmente ostracizado à chegada, acaba por fazer amizade com a dita mulher amiga e com uma das irmãs Saldanha, óptima, moreno-loira de olhos verdes-azuis-acastanhados, e que se mostra um bilhete convidativo para qualquer lado que não para casa sozinho. Não consegue desfazer-se da velha de 37 anos.<br /><br />- 37 anos, só? Pensei que fosses mais velha.<br />- Que idiota - diz a companheira de noite cuja amizade se tornou elástica, relatado apenas neste tom dir-se-ia que ela lhe ia despejar um copo na cara, mas estão os dois em esticada brincadeira de bêbados de surpreendente familiaridade, Inês Saldanha de 29 anos ri-se entusiasmada pelo abuso Miguelista, quase excitada por reconhecer ali a matéria arrogante de quem faz amigos entre os rústicos, mas não, nem Miguel teve essa intenção, nem iam ficar sós, que uma velha de 37 anos tem o seu orgulho de empata fodas. Eventualmente um Pereira Coutinho Ricciardi de Castro Laboreiro mete conversa com Inês e leva-a ao Lux.<br />- Querem vir? - diz ainda Inês enquanto o rapaz tira a chave do Jaguar que tresanda a Banco Mau.<br />- Obrigado, mas combinei com o porteiro nunca mais aparecer à frente dele na vida - apenas a mulher de 37 anos se ri, Inês esboça um sorriso confundido e o rapaz loiro de barba forte ignora-o profundamente.<br /><br />Adão não sabe onde está, sai da porta de um prédio velho e acende um cigarro ao contrário. Depois acende outro cigarro ao contrário. Por fim acende um cigarro do lado certo, olha em redor e parece-lhe distinguir a Rua da Escola Politécnica à esquerda, mas era a Conde Redondo. Ainda recente flutuam imagens de luzes baixas, lençóis de seda, lábios borrados, o toque felpudo da base exagerada e de um rabo quase bonito mas flácido, e a preocupação constante por não fazer barulho para não acordar alguém que dormia no quarto ao lado. Uma erecção pouco consistente por consequência e tudo e ainda do vinho, que a dona da casa se esforçou por reafirmar num broche desastrado que envolvia incisivos. "Táxi!" não parou. Desce a rua a pé, passa pelas mulheres barbudas, olha duas vezes para um transexual bonito e luta com a sua consciência. Mais abaixo pedem-lhe lume e ele reage aos berros. Noutra rua a subir passa um carro cheio de gente e música e gritam-lhe algo imperceptível, ele já não tem forças nem criatividade para criar a má índole de quem lhe gritou obscenidades, resmunga entredentes contra os filhos da puta em geral.<br /><br />São 4 e tal, o álcool não passa, o que se passou há 5 minutos parece-lhe desconexo com o que se passa agora, tudo são memórias soltas, as pedras da calçada ainda ali eram oblíquas, fachada, passeio, estrada, jardim, as imagens rodam e não se colam no mesmo plano, não é fácil entender o caminho, o som está em mono, o ruído de fundo está marado, está cansado, está tão cansado. Deita-se num banco à sombra de um abutre num candeeiro.<br /><br />- Barnaaardo...<br />- Tou, então meu, o que é que se passa?<br />- Estás bonzinho?<br />- Puto, vai-te foder, estás-me a ligar a esta hora? Passa-se alguma coisa que mereça que me acordes a esta hora?<br />- Estou a ligar ao meu amigo. Não posso? Gosto tanto de ti puto.<br />- Olha, vou desligar.<br />- Espera aí, estou na merda.<br />- Então Adão? O que se passa contigo caralho?<br />- No passa nada, qué no passa nada, eheheh...<br />- Adão, foda-se, porque é que me ligaste? Estás na merda porquê?<br />- Porque eu sou uma merda, o teu amigo é uma merda de um gajo. Fiz merda. Outra vez, fiz merda outra vez. Enrolei-me com uma miúda, muita gira, mas mais velha. Estou deprimido. Linda, morena de olhos verdes, epá, chuac! Daqui! Ias-te passar. Uma beca flácida. Estou todo fodido, estou aqui num jardim, acho que é o Jardim Constantino (não era, obviamente, já estava no Príncipe Real) bem giro. Adoro a Eva, a Eva é a mulher da minha vida. Ela é fodida, trata-me abaixo de cão, mesmo tipo, abaixo de cão. Sabes como é um cão? É abaixo disso. Que puta!<br />- Ouve, vai dormir. Amanhã falamos melhor, pode ser? A Madalena já se está a passar. Já tive que me levantar da cama para falar contigo. Prometes-me que te metes num táxi para casa? Estou?<br /><br />Adão deixa cair o telefone, salta a bateria e Bernardo aproveita para tirar o som ao seu, a custo conforta-se fingidamente no facto de Adão ser protegido por Baco, desde sempre, o sono e a paciência não o deixam preocupar-se mais.<br />
<br />
Fica sentado no banco de jardim sem segurar bem o pescoço a olhar para o ecrã aceso do telemóvel. O momento chave da depressão alcoólica, que anda sempre a rondar o suicídio social. Adão é uma pessoa igual a toda a gente. Queria ser melhor do que é na prática. Choca-se com as suas próprias atitudes, corrige-se por períodos curtos e volta a cair nas suas próprias armadilhas. Casa, escritório, Eva, putas, vinho maduro, mãe, grandes amigos com vida própria. Sem os outros é o quê? Criou o quê? Onde está aquilo que perseguiu? Bom, perseguiu o quê? Quem lhe ensinou o que havia de ler, de ver e de ouvir? Quem fez dele aquilo que ele é? Na verdade foi criado por uma amálgama de coincidências educativas, como toda a gente. Vendo bem resultou melhor que muitos, vestiu a camisola do empreendedorismo sem escrúpulos e isso deu-lhe uma vida mais ou menos estável. Isso é que importa, para tem horror à sua própria morte e apenas gere o presente: a sobrevivência.<br />
<br />
O telefonema seguinte vai para a Sara Albuquerque. Uma viagem inconcebível de 15 minutos pelo egoísmo insocial de Adão, pelo seu profundo Id filtrado a peneira larga que fixou uma obsessão apaixonada na ex-namorada de um ex-grande amigo. A Sara é uma miúda amplamente pretendida, e a compleição física extraordinária é apenas um bónus inacreditável, é alguém que se pretende logo à partida para ter filhos e criar raízes em qualquer lugar que ela decida, caso se consiga sobreviver ao seu temível sarcasmo de mulher feliz e de bem com os outros. Até terminar a relação com aquele cujo nome não será mais lembrado apenas tinha socializado com Adão por intermédio do namorado, depois disso foi alvo constante das suas emboscadas patéticas forjadas nos meandros das partilhas públicas do Facebook e no átrio do Holmes Place de Alvalade, para onde Adão tinha que ir de transportes públicos baldando-se do escritório antes do fim do dia. O seu amigo naturalmente deixou de o ser quando se soube disto. É impossível adivinhar o que é dito por um bêbado irrazoável a uma rapariga que mal conhece, tão experiente quanto assustada às 5 da manhã de um dia de semana, mas o telefonema durou 14 minutos e 23 segundos, e não há quem assegure que a Sara não vive já com outro namorado, que não é outro tipo do Direito, ou um porteiro de discoteca, ou um dealer da Bela Vista. Não há quem assegure que foi com ela que ele falou.<br /><br />Acorda num táxi, com um homem a puxá-lo para fora do carro "Está entregue chefe", não se lembra de pagar a corrida, porque o taxista encostou o carro quando ele adormeceu e tomou a iniciativa de lhe vasculhar a carteira. Reconhece a porta de casa a 20 metros. Novamente afluem memórias recentes de um porteiro obtuso, de uma fila numa casa de banho de mulheres, "Que idiota!" alguém desse grupo lhe dizia, imagens de notas e mais notas a sair do multibanco e da carteira, imagens suas a dançar sozinho numa pequena clareira de gente bêbada, talvez menos que ele. Cruza-se até à porta de casa com pessoas do seu quotidiano sem as ver, deita-se na cama de Eva que tem as costas bronzeadas e cuecas brancas, tenta encostar o carro à praça, mas ela levanta-se de forma automática num salto e vagueia pela casa atordoada, volta ao quarto e Adão adormeceu, vê-lhe mensagens e chamadas no telefone sem grande emoção, vai beber água, toma banho, lava bem a cara, lava bem os dentes branquíssimos, bem demais, vai à net ver casas para alugar sem grande intenção de o fazer.<br />
<br />- Estou?<br />- Bom dia.<br />- Olá. Madrugaste - bocejo - Ele já chegou?<br />- Sim. Chegou há 15 minutos. Caiu na cama.<br />- Estás bem?<br />- ...<br />- Eva?<br />- Não sei. Quero estar contigo.<br />- Queres passar aqui? Já tomaste o pequeno almoço?<br />- Não é de comida que preciso. Passo aí.<br /><br />Na rua o sol das 8 já aquece demasiado, Eva sentia um frio nocturno entranhado na pele desde ontem ou desde o Inverno e o calor sabe-lhe a protecção paternal, protecção que Adão lhe dava ontem e há milhares de anos, e que crescentemente se inverteu até se tornar no peso da responsabilidade de cuidar de um homem preso na adolescência que destrói tudo em que toca, e o amor se transformar em dependência do ódio. Hoje será outro dia, eventualmente.<br />Zéhttp://www.blogger.com/profile/03871920755849759365noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-31564849.post-38386823481416975682014-05-05T22:35:00.001+01:002015-03-27T16:03:23.132+00:00<iframe allowfullscreen="" frameborder="0" height="25" src="https://www.youtube.com/embed/L3iwJKjw2iI?autohide=0;fs=0;theme=light;modestbranding=1;showinfo=0" width="500"></iframe>Zéhttp://www.blogger.com/profile/03871920755849759365noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-31564849.post-12852104543683535922014-04-23T11:06:00.000+01:002014-04-23T11:06:08.984+01:00New York, I love you but you're bringing me downtenho saudades tuas.<br />
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hhmm... então está bem.<br />
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não, tenho mesmo. está a nevar aqui, e lembrei-me que nunca tinhas visto neve. eu também não tinha, agora vejo todos os dias, já estou farto.<br />
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pois, aconteceu-te o mesmo comigo. vias-me todos os dias.<br />
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não sejas parvo, não foi nada disso. estou a dizer-te que tenho saudades tuas. tenho pena que não nos vejamos há tanto tempo.<br />
<br />
foi uma escolha tua. não estás a culpar o destino pois não? essa desculpa dos maus navegadores. e muito menos deves estar a culpar-me a mim, espero.<br />
<br />
não foi escolha nenhuma, não estou a culpar ninguém, o mundo avança e as coisas passam-se como se passam. nunca foi uma decisão, tomei várias mas esta não. não sejas agressivo.<br />
<br />
foi uma negligência? avisei-te muitas vezes. desapareceste. foste desaparecendo. foi como o fim de tantas relações amorosas, para uma das pessoas é a morte, para a outra é uma necessidade incontornável.<br />
<br />
não desapareci, estive sempre aqui, ó egocêntrico. eu sou o personagem principal da minha história, não é? afastámo-nos, só isso. vidas diferentes, foste pai, eu mudei de emprego, novos colegas, nova turma. os meus horários também nunca foram fáceis. mas nunca deixei de aparecer, foi um esforço que nunca desisti de fazer.<br />
<br />
estás a brincar comigo rapaz. fui pai por duas vezes, tiveste oportunidades a dobrar para aparecer, permites-me dizer que tinhas o dobro da obrigação de aparecer? simplesmente não estavas interessado nas criancinhas dos outros, dos teus amigos. lembro-me de teres recusado um convite com um "desculpa, tenho que trabalhar, e agora este ano que vem vai ser complicado, vou ter imenso trabalho". este ano que vem?! quem é que diz uma merda destas? o ano que vem não posso combinar mais nada.. é como que uma vacina para convites indesejados, a partir daí escusas-te a dar mais desculpas. não soube como reagir, apetecia-me rir e chorar ao mesmo tempo, falhaste aniversários meus e dos meus filhos, dos nossos amigos. mas para as festas dos teus colegas e para ir ver todos os jogos do Albarraque FC continuaste a ter tempo. bardamerda pá. deixaste completamente de aparecer. não leves a mal, já não estou chateado, a marca que as relações deixam esbate-se bem com o tempo. mas parece-me estranha essa conversa de quem acorda agora de uma bebedeira destruidora.<br />
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meu, estás enganado, tive realmente muito trabalho, não saí assim tantas vezes com colegas meus e os jogos do Estoril foi porque era convidado por um gajo que me arranjava trabalho. nunca deixei completamente de aparecer, estás a ser injusto e infantil. a relação com a Sara, essa sim, foi açambarcadora e destruidora. já não estamos juntos, nunca te cheguei a explicar e agora já não vale a pena. acabou essa fase da nossa vida, já raramente nos falamos. ela esteve cá há duas semanas, mas enfim, foi mesmo a última vez.<br />
<br />
"a relação com a Sara", quem é a Sara caralho? sei lá que relação tiveste com essa pessoa? quero que ela vá ter meninos pela barriga das pernas. achas normal os teus melhores amigos, os teus amigos de infância, eu! não saberem se tens ou não uma namorada? ou melhor, onde vives sequer? achas normal eu ter vergonha de te perguntar alguma coisa acerca da tua vida com medo de ouvir sempre a mesma resposta "meh, uma merda como sempre" e recusares-te a entrar em mais pormenores? achas normal passares a vida a justificar uma gaja que te impediu de te dares comigo? quero mesmo que ela se foda, toda. não por ter alguma raiva dela, é mesmo só porque não a conheço de todo. tenho raiva de ti por achares isso normal, e por tomares a iniciativa de te afastares de mim para que de alguma forma seja compreensível eu não a conhecer. "ai minha nossa senhora, mas tu não compreendes mesmo, a nossa relação sofre de problemas irresolúveis, dificílimos de explicar a elementos externos, quando tiveres idade explico-te tudo", meu amigo, tu julgas que a tua relação é especial, vocês são pessoas especiais, com problemas especiais, problemas que torceriam as correntes da filosofia moderna e fariam ruir pela base as principais escolas de psicologia familiar da Estremadura. meu amigo, tu tens ou tiveste ou o caralho, uma relação banal, com problemas banais, aborrecidamente banais. quem tem problemas graves são vocês, isoladamente. tu, mais concretamente, por seres cego e não largares logo essa egoísta de merda que te fazia mal.<br />
<br />
não é assim. estás a falar do que não sabes. não admito que desrespeites a minha vida ou as pessoas que fizeram parte dela. até a ti estás a desrespeitar-te, por achares que eu seria capaz de tirar importância à nossa amizade de 30 anos em prol de uma pessoa nova. não, há vários problemas que não envolvem a Sara, eu explico-te alguns. um aspecto importante foi tu teres-te metido com a última miúda que eu trouxe para o grupo. ainda me hás-de explicar essa história. eu não vejo as relações como tu. para ti tudo o que mexe é comestível. não tens respeito pelos teus amigos se isso implicar enrolares-te uma miúda. muito menos tens respeito pelas tuas amigas. isso foi o climax de um percurso nosso, tirou-me a vontade de te apresentar muita gente, gente que fui conhecendo e que passaram a fazer parte da minha vida também.<br />
<br />
a Catarina?! isso foi há 15 anos! e eu passei semanas a forçar um romance entre ti e a tua própria amiga! fritei a cabeça a pensar que havia alguma coisa entre vocês e tu não aceitavas, tu sempre fizeste um ar enojado, de alguém a quem acabavam de impingir a própria irmã. um dia estávamos todos na esplanada e ela começou a mexer-me com os pés por baixo da mesa, e pronto, percebi tudo e desisti de vocês, foi isso que se passou. eu não fiz nada por isso. agora dizes-me que ficaste com ciúmes? se simplesmente não querias foder nem sair de cima podias ter-me explicado esse conceito marado, eu aceitava, em vez de teres negado algum tipo de atracção por ela.<br />
<br />
estás a ver? és um ordinário. e um puto. sim, era só minha amiga e sim, fiquei com ciúmes. senti-me um idiota, traído pelos dois, na ignorância. não precisavas de ir lá marcar o teu território de neandertal excitado. a partir do momento em que te enrolas com uma miúda ela deixa de poder pertencer ao teu grupo de amigos de todos os dias, porque tu andas todos os dias pronto para engatar. e ela era minha amiga, eu tive que deixar de me dar com ela. mas há mais. fartei-me da tua condescendência, dos teus conselhos matrimoniais para quem anda no engate. eu não sou como tu. não quero coleccionar cromos de mulheres. queria só uma mulher e era a Sara. e fartei-me que me dissesses para a esquecer, para me proteger, quando querias era proteger a tua própria posição em relação a mim. desculpa, eu nunca senti especificamente isto, mas é mais ou menos óbvio.<br />
<br />
não, tu não querias era ter a voz de alguém a dizer-te que estavas a proceder mal.<br />
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não foi nada disso.<br />
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foi.<br />
<br />
não foi.<br />
<br />
foi. e deixa-me dizer-te mais uma coisa...<br />
<br />
desculpa ter-te chamado ordinário.<br />
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deixa-me dizer-te mais uma coisa: a tua persistência em rebaixar-te para perseguir uma miúda que não queria saber de ti, teve de facto o efeito que querias, ela aceitou-te, mas aceitou-te com essa imagem de um pedinte, fragilizado, um cãozinho disposto a ficar sentadinho no passeio à espera dela, de um biscoito. isso nunca podia resultar. sobretudo contigo, que és orgulhoso à brava, menos com mulheres que achas lindas. aí ligas o idiota.<br />
<br />
estás a irritar-me, vê lá se te controlas, tu não a conheces e...<br />
<br />
pois não, nunca nos apresentaste pá..<br />
<br />
... tu não a conheces, nem ela nem eu pensamos nas relações como uma guerra e com jogos e culpas, como tu pensas as tuas, em que o rancor é o mote para a criação de laços. tu não consegues ser melhor pessoa por causa desse rancor acumulado em cada relação, não consegues dar parte fraca. os laços criam-se de outra forma, sem mágoas ou preconceitos acerca das intenções do outro, essa raiva que tu guardas amputa-te...<br />
<br />
"amputa-te"? ahah que belo tempo verbal.<br />
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... sim, amputa-te, castra-te a capacidade de resolver os problemas recorrentes nas tuas relações. são sempre iguais, já viste? fartas-te sempre das tuas relações da mesma maneira, depois de anos de andarem à chapada.<br />
<br />
há chapadas e chapadas, devias experimentar, há quem goste. por acaso a Sara não tem ar disso.<br />
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foda-se és 8 ou 80. passas da maior agressividade pubertária, ofendendo e magoando como só tu sabes, para uma palhaçada absurda e fugitiva. criticas-me e pões-me a justificar e a pensar naquilo que sou e no que faço, numa autopunição, mas uma crítica que te é dirigida só merece o teu desprezo e o teu gozo juvenil, mesmo vinda de um amigo. já me lembro porque me afastei de ti.<br />
<br />
agora estás a ser mau. não assumas que te afastaste de mim conscientemente, sobretudo não assumas que o fizeste porque eu sou má pessoa. sabes que isso me dói. estou a falar a sério.<br />
<br />
és péssima pessoa, mas eu já sabia disso desde a 3a classe.<br />
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eu sei que sou... mas pelo menos nunca te mandei um murro.<br />
<br />
tinha que vir isso, não é?<br />
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é. isso e a vez que larguei toda a gente na minha festa de aniversário nos santos e fui contigo às cavalitas de Alfama ao Marquês porque estavas a ter um ataque de asma.<br />
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ah! o que é que isso tem a ver? pois foi. e nessa altura eu estava gordo. e bêbado.<br />
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e já não estás? bêbado.<br />
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bêbado pois... gordo és tu. e burro.<br />
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"ai gordo és tu"...<br />
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gordo e burro que nem uma porta.<br />
<br />
...<br />
<br />
...<br />
<br />
o que estás a fazer agora? estava a tentar imaginar.<br />
<br />
estou em casa. fui buscar o jantar ali abaixo a um paquistanês, há aqui lojas sem um único gajo que fale inglês. está um frio de rachar narizes, neva a.. cântaros... agora estou à janela a ver a neve, a fumar um cigarro, e a pensar pegar no telefone para te ligar, saber de ti.<br />
<br />
não faças isso... não era capaz de te dizer estas coisas todas. ia fazer uma festa, perguntar-te como está a correr tudo, quando vens a Portugal, dizer que tenho que ir aí visitar-te, sabendo-se perfeitamente que nunca iria, aliás nem te especificava se levava ou não a família, e tu não perguntavas. tenho demasiadas saudades para ouvir a tua voz e desatar a desancar-te. até porque as tuas respostas não seriam estas, és mais imprevisível do que eu me consigo lembrar. e à noite na cama já eu estaria a imaginar o que te diria da próxima vez que ligasses. ficamos antes assim.Zéhttp://www.blogger.com/profile/03871920755849759365noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-31564849.post-51624383098543202122014-04-01T02:32:00.000+01:002014-04-01T02:36:27.718+01:00ainda me hás-de explicar essa histórianão foi nada de especial. um dia estávamos todos na esplanada da praia e ela tirou os chinelos e meteu os pés em cima dos meus. por baixo da mesa, nenhum de vocês percebeu. e pronto, percebi ou convenci-me que não ardia mesmo nada entre vocês os dois.<br />
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mas foi só isso a vossa relação? pés em cima dos teus na esplanada?<br />
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hã? tás-totó? achas que sim?<br />
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ah.. ok. mas estávamos sempre todos juntos, então?<br />
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então nada. fomos combinando. passava às vezes em casa dela à noite depois de me despedir de vocês, às vezes íamos só tomar um copo. à vossa frente eram os preliminares, em toques fortuitos planeados e indirectas privadas, até foi engraçado. isto durou no máximo uns 15 dias, depois ela começou a querer casar e eu saltei do barco. foi aí que ela te contou.<br />
<br />
és mesmo um cabrão. mas ela não tinha um namorado? uma vez apresentou-me um gajo, eu costumava vê-lo à espera dela à porta do IADE, sempre de fato, andava num Saab descapotável?<br />
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não, isso era um gajo que andava a pairar. uma vez estávamos a combinar por mensagem, era tardíssimo, ela disse que não estava em casa mas que estava a chegar, para eu ir lá ter. cheguei, esperei uns 10 minutos, e estava encostado ao carro, aquele meu AX de 100 contos, a fumar um cigarro quando ela chegou de Saab, despediu-se do rapaz com dois beijos e veio ter comigo. estava longe, não percebi quem ele era, mas reparei que ficou a vê-la caminhar até mim e dar-me um grande beijo na boca. entretanto arrancou. quando lhe perguntei quem era o gajo, ela explicou-me que era um amigo, e que naquela noite tinha sido muito querido, levou-a a jantar a Sintra, e depois a um bar cromíssimo e que gastou uns 60 contos com ela naquela noite, ficou emocionada, mas era só amigo.<br />
<br />
foda-se!<br />
<br />
pois, coitado. 60 contos era quanto eu ganhava por mês na altura. eu costumava levá-la às rulotes do elefante azul, lembras-te? no Catalazete?<br />
<br />
ahahZéhttp://www.blogger.com/profile/03871920755849759365noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-31564849.post-43961364019778831812014-03-05T22:37:00.000+00:002015-03-27T16:08:31.580+00:00<iframe allowfullscreen="" frameborder="0" height="25" src="https://www.youtube.com/embed/vYIAvZ2Gggg?autohide=0;fs=0;theme=light;modestbranding=1;showinfo=0" width="500"></iframe>Zéhttp://www.blogger.com/profile/03871920755849759365noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-31564849.post-42491161327750188412014-02-03T19:02:00.001+00:002014-02-04T10:03:30.722+00:00período azul23:25<br />
Elô. Estás boa? Quero tomar um café contigo. Diz-me quando, senão decido eu. Bjs. Zé da janela de sacada.<br />
<br />
23:35<br />
Wow.. Que moral :) assustas-me um bocado... Mas gostei. Amanhã ao fim da tarde? Na Brasileira?<br />
<br />
23:38<br />
Brasileira do Chiado? Convém perguntar, há uma em Coimbra. Podemos encontrar-nos à porta para depois ir a outro sítio, que a Brasileira é uma péssima ideia.<br />
<br />
23:41<br />
Não estás em Coimbra?? Lol! Pensei que andavas por aqui, e daí estares a convidar. Nesse caso como é que fazemos?<br />
<br />
23:43<br />
tiririririri................... tiririririri...<br />
- ahah estou? isto são horas para ligar para as pessoas?<br />
- estou, então? já voltaste para Coimbra? foste hoje?<br />
- não pá, estava a brincar contigo! qual Coimbra? estás a confundir-me com outra, não tenho nada a ver com Coimbra.<br />
- oh, que estupidez, estragaste-me o estilo, obrigaste-me a ligar-te.<br />
- sim, engate por mensagem tem imenso estilo.<br />
- pareceu-me estar a funcionar.<br />
- foi só um espasmo, já estou em mim. diz lá como é? o que é que tu queres de mim? quem é que conheces de Coimbra?<br />
- não conheço ninguém. quero ver-te à luz do dia, e tu também queres ver-me, esse espasmo denunciou-te. ontem deu para perceber que eras uma rapariga diurna e com coisas para me dizer.<br />
- ahahah, bem, com essa insolência, acho que já te disse tudo o que tinha a dizer.<br />
- já?<br />
- já.<br />
- hhhmmm..<br />
- hhmmm... ahaha<br />
- anda lá, ontem tive que passar noutra festa, que estava uma merda, barzinho cliché no Cais do Sodré, e estive o tempo todo arrependido de te ter deixado sem te conhecer melhor. juro-te. estive quase para voltar a casa da Luísa, mas não ias lá estar e iam ficar todos a perceber a minha desilusão.<br />
- não engataste mais rapariga nenhuma na outra festa, não foi? e agora queres resgatar a que desperdiçaste, pois pois...<br />
- oh, não digas isso, foi essa a ideia com que ficaste de mim?<br />
- estás todo ao ataque. como queres que eu reaja?<br />
- quero que reajas bem, tenho boas intenções. era a festa do meu primo, tive mesmo que lá passar... além disso a nossa conversa não foi nada de engate, estivemos o tempo quase todo a falar de ti. quando muito TU tentaste engatar-me. e conseguiste..<br />
- ahah, agora sim, conversa de engate. bom, estás a ser injusto contigo próprio. correu-te bem ontem, interessaste-me com tua divagação sobre "o período azul do Eça" ahah. e eu nem estava muito virada para intelectuais de almanaque. depois meteste a pata na poça pedindo-me o telefone quando saíste a correr. por falar nisso, como é que conseguiste o meu número verdadeiro?<br />
- pedi à Luísa. ela deve-me uma mulher da minha vida. vá lá, quero mesmo combinar alguma coisa contigo.<br />
- alguma coisa? está bem. pensei que era só café. "alguma coisa" já me parece mais interessante.<br />
- óptimo. amanhã às 17.30 perto da Brasileira. não combines nada para jantar, pode ser que caias nas minhas graças e te leve a um sítio fino, ali para o Martim Moniz, Intendente... fronteiriço. parece-te bem?<br />
- se TU caíres nas minhas boas graças, parece-me bem. caso contrário volto para casa e vou jantar com o meu namorado.<br />
- o quê? ahah. combinadíssimo! estás a falar a sério? espera, não respondas. está combinado, não quero saber mais.<br />
- ok. vamos seguir por esta estrada de terra batida.<br />
- claro que vamos, sem mapa. até amanhã!<br />
- beijo.Zéhttp://www.blogger.com/profile/03871920755849759365noreply@blogger.com7tag:blogger.com,1999:blog-31564849.post-73590466973048228362013-12-19T22:20:00.001+00:002013-12-19T23:34:07.158+00:00marcha lenta para um croissant futurosubo a Rua Garrett, são 6 e tal da manhã. estamos naquela altura do ano em que às 6 e tal da manhã já não é de noite. aquela altura do ano que dura mais de metade do ano, e a Rua Garrett dura mais de metade do que resta da minha energia de reserva antes de chegar à Bijou do Calhariz que só abre às 7 para comer um croissant folhado com fiambre ou três. a Júlia sobe ao meu lado parando nas montras todas, não são montras de Natal porque nessa altura do ano às 6 e tal da manhã ainda é de noite. ela pára nas montras todas porque são janelas para a sua fuga. nas das lojas de roupa porque são uma janela para outro estilo de vida, nas das agências de viagem por razões óbvias, nas das pastelarias porque tem fome, e parando aí em vez de se apressar até à Bijou, alimenta a alma mais um bocadinho, energia para mais uns segundos, sonha com um mundo de duchesses, em vez de continuar e alimentar o estômago por inteiro com croissants folhados. também pára e deslumbra-se nos multibancos. "o dinheiro não trás felicidade, Júlia" pois não, somos tão felizes. e ela vê-se ali, num futuro criteriosamente construído desde a infância, nas montras de brinquedos.<br />
<br />
são 6 e tal quase 7 e tenho que interromper a marcha lenta e penosa de cada vez que percebo que deixei alguém para trás, a cada 5 metros de fachada pombalina romantizada, romance aos molhos, e vejo-a absorta no seu exercício de expansão interior, da mente e da fantasia de vida, fantástica nesta luz leitosa da manhã em Lisboa baixa, mesmo com os olhos semicerrados do álcool barato e caro do Grémio Lisbonense em fim de ciclo, princípio de século. a luz do dia e do futuro faz-lhe bem, fica bonita e promissora.<br />
<br />
- nunca te disse mas às vezes apetece-me partir-te a cabeça numa montra - ou entre montras, na parede. ela acorda, faz um esgar sorridente e andamos mais uns metros.<br />
- temos dinheiro?<br />
- temos pouco, queres levantar?<br />
<br />
ora merda, não queria quebrar-lhe a fantasia do multibanco coitada, chegar a vias de facto é estragar o clima que cresceu entre eles, vai procurar esticar o momento, enfiar o cartão todo, muito devagar, procurar o ponto nanométrico em que a máquina se passa da cartola e lhe puxa o cartão à bruta, os dedos que o seguram são puxados a roçar a ranhura no último sopro de tesão desse amor maquinal. carrega na tecla 5 para um multibanco falante (ela adora fazer esse número de sonsa e submissa) que lhe diz "o seu saldo não lhe permite concluir a nossa relação". um gajo giro que passa nesse momento atrás de nós ri-se dela e com ela, e ela excita-se toda, a parafílica, reconheço-lhe os mamilos através da camisola leve, reconheço-lhe os lábios a avermelhar e o rabo a alçar, a convidar. fez de propósito, esta fantasia sexual de fazer figuras tristes dispensa-me, até me exclui fortemente, fico a vê-la dançar o tango obtuso com o transeunte de barbas que vai entrar na sua próxima masturbação, e continuo a perdê-la lentamente, todos os dias de manhã, em todas as montras. é o futuro perdido que a chama.Zéhttp://www.blogger.com/profile/03871920755849759365noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-31564849.post-87899600130229758552013-12-04T17:31:00.000+00:002013-12-04T20:59:22.674+00:00PresentationIn the global context of obsolete urban port renewal, it has been a tacit presumption, since the early pioneer North American operations, that the suddenly available large areas of privileged contact with the water were to constitute a benefit for an entire city's population. This laudable intention has the side effect, in certain planning approaches, of generally excluding the simple local integration which would specifically favor the neighboring populations, instead resulting in entirely new urban areas, autonomous in fruition and accessibilities.<br />
<br />
Of course the two urban scales, the city and the neighborhood, are not incompatible. The urban interaction between waterfront public spaces and the surrounding districts could be accomplished through ordinary urban design strategies, reconciling urban fabrics and morphological elements of the two confining urban spaces. One can, for instance, understand the relation between the city of Lisbon and its river throughout the centuries by analyzing the city's urban structure. Its riverside area renewal could undergo the anchoring to historical urban systems and / or bring emphasis to specific site characteristics. Quite consensual, this has been addressed in several studies for Lisbon's waterfront.<br />
<br />
However, a big part of the challenge of integrating waterfronts in a funded urban structure resides on the suppression of physical barriers. The <i>pombaline</i> plan for Cais do Sodré (an urban wharf area), regardless of the distant conjuncture, counts a good number of integration practices, including the suppression of urban hurdles. After all, foda-se, urban design is a timeless subject and its adaptation to current circumstances relies only on the pooling of interests.Zéhttp://www.blogger.com/profile/03871920755849759365noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-31564849.post-26825498360226144592013-11-03T00:19:00.003+00:002013-11-03T00:19:57.142+00:00<iframe allowfullscreen="" frameborder="0" height="25" id="ytplayer" src="https://www.youtube.com/embed/yvgHZ2SGej8?fs=0&modestbranding=1&autohide=2" type="text/html" width="500"></iframe>Zéhttp://www.blogger.com/profile/03871920755849759365noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-31564849.post-35002680731327931942013-08-04T13:02:00.000+01:002013-08-04T15:02:52.888+01:00o sonho sul-americanoo Chico entrou em cena. fui eu que o chamei após vasculhar uma biblioteca digital esquizofrénica deixada ingenuamente ao lado da mesa das bebidas. ouve-se ao fundo uma alcateia de flautas e coros impolutos, o Chico, um pouco usado, move-se no seu tom de pecador arrependido que não parte um prato, mas se o ouvirmos com atenção, está a partir o serviço inteiro, chato. não estão a ouvi-lo, evidentemente, pérolas a porcos pá.<br />
<br />
eu estava há pouco a servir-me de um Madeira quando o Baduel se aproximou rindo alarvemente e mo tirou da mão. meteu a mão por cima do meu ombro e disse "obrigadinho, ehehehe" ehehe... "eheheheh, tu és um gajo do caralho pá, julgas que eu não te topo, andas aqui nestas festas, sempre na refunda e tudo acontece como tu decides, em silêncio, és rato!"<br />
<br />
o Baduel por esta altura já chega às festas bêbado, faz-me esta misturada de ofensas e elogios, eu condescendo com um sorriso enquanto me sirvo noutro copo.<br />
<br />
"então, sempre vais para o Brasil, Baduel?" ele baixou o tom alarve para o tom de quem está envolvido em negócios de foyer de centro de congressos "vou pá, está tudo a correr nesse sentido, estamos a tentar resolver algumas incompatibilidades com o meu passaporte, é capaz de ser preciso fazer uns pagamentos a uns duendezinhos, sabes como é este país miserável" sei, claro. "mas queria ver se daqui a dois meses o mais tardar ia lá pousar, já tenho andado em contactos com pessoal amigo que está lá, aquilo é bom, está a crescer! e depois pronto, as brasileiras têm uma moral sexual diferente... ahahah!"<br />
<br />
olhei a cor do Justino's, não é claramente a minha bebida, até pode ser uma zurrapa inqualificável que eu bebo com o mesma alegria ignorante. o Baduel emborcou o seu de penalti, também não deve ser a bebida dele.<br />
<br />
"e tu? já sei que foste pai, isso é que é coragem" esperei calado a sua próxima frase acerca de si próprio "a Rita também começou a falar em bebés e eu tive que dar-lhe guia de marcha, que para mim bebés ainda são muito bonitos no colo dos outros eheh! também já estava um bocado farto da relação, a Rita é muito querida mas não era mulher que conseguisse agarrar este bebé".<br />
<br />
o Baduel foi expulso da vida da Rita Janeiro há um ano, e se casado fazia vida de solteiro, solteiro andou a arrastar-se em choros convulsivos e cenas de pancadaria nas noites fundas do eixo comemorativo 24 de Julho - Cais do Sodré, não queria, não entendia as razões dela, não era suposto haver vida sem a Rita, sem a Rita lá em casa à espera quietinha. meses disto, de cada vez que se perguntava pelo Baduel alguém dizia "fritou". foi-se perdendo o interesse por ele, pensando que como uma inevitabilidade um dia iria tratar-se, e chegaria aos ouvidos de todos que tinha voltado do inferno. na verdade nunca chegou, toda a gente lhe cola a sua história confrangedora de quem foi destruído por um acontecimento banal, por outro ser humano sem intenção, e continua hoje a pintar-se como se as pessoas não falassem, não pensassem, não tivessem olhos. como se aquilo que lhe sai taxativamente da boca fosse o suficiente para impedir a formulação da opinião outros. há pessoas que vivem essa fantasia imbecil. pelo menos voltou a aparecer em eventos sociais, já ninguém lhe fala no tema, mas parece que continua tudo ali a boiar. a Rita se bem percebi renasceu. cruzei-me com ela ocasionalmente, sorria, voltou a sair de casa, a conhecer pretendentes com projectos de vida, emigrou para o Brasil com um gajo qualquer. oh wait...<br />
<br />
pois. nada que o exagero da libido e da euforia não mascare.<br />
"agora tenho que ir ali conhecer aquelas meninas Coachella ao pé da palmeira, que aqueles calçõezinhos fazem-me comichão ao whiskey" isso não era whiskey caralho "já dizia o meu avô, perna fina foda grossa!" vai Baduel, vai com Deus cara.Zéhttp://www.blogger.com/profile/03871920755849759365noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-31564849.post-69459889845209034732013-06-25T10:36:00.000+01:002013-06-25T10:57:50.145+01:00do latim 'carne vale'- estes hambúrgueres estão bons!<br />
- estão, não estão?<br />
- fizeste como?<br />
- só têm sal.<br />
- só sal?<br />
<br />
ela respondeu-me com o silêncio. tinha um sorriso lascivo, lambuzava-se com a carne alta e mal passada. a acompanhar comíamos um arroz thai dos dela (meio queimado) inundado dos sucos da carne, e um escabeche de pimento vermelho assado. o meu puto de 2 anos enchia a boca de pedaços da carne tostada que eu próprio lhe cortei previamente, gordura escorria-lhe pelos dedos das mãos, garfo e colher já derrotados ao lado do prato, delirava. "os habugas 'tão bons mamã", dizia o papagaiozinho.<br />
<br />
- desculpa, mas há qualquer coisa nestes hambúrgueres, na carne?<br />
<br />
sorriu sem me olhar.<br />
- é carne alentejana.<br />
- ..? "Carne Alentejana"?<br />
- sim.<br />
- do teu ex?<br />
- sim.<br />
<br />
finalmente o sorriso aberto e vitorioso, o segredo perverso atirado à minha cara encharcado em sangue da carne cozinhada. decidiu experimentar a qualidade do produto do homem, ao fim de anos de comentários pontiagudos acerca do seu sucesso, do seu empreendedorismo. e eu? porque é que eu estava a alimentar a qualidade de vida daquele animal, deixando-o alimentar-me a mim?<br />
<br />
- isso é assim?<br />
- é.<br />
- e estás a dar carne dele ao nosso filho?<br />
- não é boa?<br />
<br />
em tempos a minha mãe contou-me que fez uns bifes de carne de cavalo para o meu pai, a quem só a ideia dava vómitos (carne de cavalo esteve na moda durante cerca de 15 dias na década de 80). ele, não percebendo, não reclamou, alambazou-se e não direi que felicitou a minha mãe porque não era esse o seu modus operandi, digamos assim. há qualquer coisa de conspirativo, de perfídia, em cozinhar para um homem algo que ele objectaria se soubesse no que consistia. o casamento dota silenciosamente as cozinhas de um princípio de confiança cega, pode conquistar-se o outro pelo estômago e também se pode matá-lo. eu experienciei pelo estômago a deslealdade, a traição, a fraude, a dor! na forma de hambúrguer.Zéhttp://www.blogger.com/profile/03871920755849759365noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-31564849.post-15743248053874937992013-05-21T01:53:00.000+01:002013-05-21T01:53:54.967+01:00a serotonina ou o raio que o parta na depressão pós climáctica- dizeis-me pois que após o coito te odeias..<br />- não direi propriamente que me odeio, mas certamente odeio as minhas decisões, nomeadamente ter praticado o coito contigo.<br />- que desagradável, apenas comigo isso acontece milord?<br />- não, certamente que não. acontece-me com qualquer espécime com quem o pratique. inclusivamente comigo próprio. parece-me uma possidónia perda de tempo.<br />- dirás então que é uma decisão errada, o sexo?<br />- não posso dizê-lo antes de o praticar, já que antes do orgasmo não formulo este raciocínio de todo. pelo contrário apenas sinto que preciso de vir-me para o mundo ficar equilibrado. só nos 5 minutos seguintes a total independência do indivíduo me é clara como água gaseificada (provavelmente por isso lhe chamam período refractário). depois volta tudo ao normal, a carência, a subordinação, a objectivação, as mamas.<br />- as mamas voltam ao normal?<br />- enfim, a maioria delas.Zéhttp://www.blogger.com/profile/03871920755849759365noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-31564849.post-82985483060325135392013-05-16T23:50:00.001+01:002013-05-16T23:50:49.565+01:00<iframe allowfullscreen="" frameborder="0" height="25" id="ytplayer" src="https://www.youtube.com/embed/vrkzP5PKSZc?fs=0&modestbranding=1&autohide=2" type="text/html" width="500"></iframe>Zéhttp://www.blogger.com/profile/03871920755849759365noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-31564849.post-29102293442942748512013-02-15T00:03:00.000+00:002013-02-15T00:08:38.908+00:00média europeia- mamas?<br />
- sim, tamo.<br />
<br />
levantei-me e saltei na cama em demonstração de vitória, todo nu, a pila a abanar. ela ria-se, tentava agarrar-me a pila e chamava-me puto, mas acabou por se levantar também e saltar comigo, perdida de riso, as mamas a saltar com ela, nua e sem vergonha. agarrou-me e tentou fixar-me, beijou-me, mordia-me os lábios e fazia barulhos salivados.<br />
<br />
- não te vás embora..<br />
- tenho que ir.<br />
- fica cá hoje.<br />
- não posso.<br />
- fica.<br />
- não.<br />
<br />
a televisão e o candeeiro iluminavam a sala ao lado. o quarto onde estávamos era iluminado pelo candeeiro de rua. a sala era do tamanho do meu quarto de criança e o quarto era do tamanho de uma casa de banho normal. o candeeiro parecia uma lanterna e a televisão parecia um telemóvel. tudo era à escala dela. menos eu.<br />
<br />
- és tão grande.<br />
- não sou nada, estou na média europeia.<br />
- então eu é que sou pequena. às vezes sinto-me uma criança ao pé de ti.<br />
- não digas isso que me excitas! - agarrei-a, virei-a de costas e simulei uma canzana de pé contra a parede.<br />
- ahahah, que porco! larga-me, tarado!<br />
<br />
a luta simulada dela pela liberdade era-me desconfortável, dava-me a impressão de perda de tempo. era a prazo, o relógio não parava. o prazo deprimia-me, o rabo dela excitava-me, tão bom. sou tão incapaz. não controlo o meu próprio corpo. deitei-a, deitei-me em cima dela. mas ela estava sem cara de sexo, com cara de caso. saí e deitei-me de lado a mexer-lhe nas costas. esperei que ela falasse.<br />
<br />
- quando é que te vais embora?<br />
- agora.<br />
- não... quando é que vais para lá?<br />
- ah... na 4a. não esta, na outra.<br />
- quem é que me vai proteger?<br />
- não sei... a polícia de choque... ou o teu namorado...<br />
<br />
o silêncio cobriu o quarto como a morte de um caso e de um país. ela infeliz, eu culpado. envergonhado por abandonar tudo e por não ter resposta para nada, estar a deixar-me levar por decisões de outro tempo e estado de espírito. ela sabia que era inevitável. eu sabia que era mais grave que isso, que era apenas uma fuga disfarçada de resolução. podia decidir ficar e lutar por alguma coisa, decidir-me pelo que lutar, decidir-me. o silêncio, foda-se! a televisão cheia de cor, a casa dos segredos, a vanessa e o nuno comiam-se. o cu da petra mostrava-se, tão bom. distraí-me sem som.<br />
<br />
- posso ir contigo?<br />
- podes! claro, já te disse que sim.<br />
- claro que não posso. a minha mãe, o joão. não posso.<br />
- o joão? não o largavas para vir comigo?<br />
<br />
o silêncio e a expressão irritada por ter que ouvir perguntas parvas. levantei-me para me vestir, não porque achasse que ela devesse largá-lo, mas para tentar andar mais depressa que o silêncio dela e mostrar que não esperava resposta. obviamente funcionou ao contrário.<br />
<br />
- não fiques chateado.<br />
- não fico chateado, honestamente. tenho é que ir embora.<br />
- vá lá, eu amo-te, tu sabes isso! não me peças provas de amor!<br />
- eu sei - abracei-a com as calças ainda a meio das pernas, como um pinguim. o toque na pele dela corrigia-me os preconceitos de verbalização das coisas certas - eu também te amo, não preciso que largues ninguém. não temos 20 anos.<br />
- fica cá hoje - os olhos aguaram.<br />
- não posso.<br />
- fica...<br />
<br />
quando voltar já isto desmoronou tudo.Zéhttp://www.blogger.com/profile/03871920755849759365noreply@blogger.com17tag:blogger.com,1999:blog-31564849.post-57588065502397133622012-12-11T15:04:00.000+00:002015-07-03T17:47:02.660+01:00a dúvida- olá!<br />
<p>- oi, então? - Júlio pousou as chaves na mesa da entrada, tirou o sobretudo ensopado, os sapatos alguidar - bela merda... - disse de braços abertos olhando para as calças que colavam às pernas, depois esfregou o cabelo vigorosamente para enaltecer a molha, como um cão de água sacudindo-se. olhou para ela e sorriu-se, passou-lhe a mão na cabeça como a uma criança, e deixou-a no meio do caminho, fã abismada.<br /></p>
- não é melhor tirares as calças também?<br />
<br />
não lhe respondeu. fechou-se no quarto uns minutos e voltou já com umas calças secas e uma camisola de lã escura que lhe completava o círculo aberto das suíças. sentou-se no sofá em frente ao telejornal e soltou um longo suspiro de pessoa importante. olhou para ela, forçou o sorriso, depois sorriu sozinho por ter forçado o sorriso. Sofia seguia-lhe os movimentos como um perdigueiro. não estava bem. ela, isto é. não estava bem há muito tempo, mas um não estar bem que se aproximou sem
se assumir, como as depressões pesadas. teve início quando ele deixou
de se queixar de tudo e se tornou num marido não exemplar mas de bom
humor, definitivamente um bom humor cínico, que mudara o ponto de
equilíbrio das coisas todas. <br />
<br />
numa festa conversavam separadamente. ela cão pastor, ele jacarandá. ela observava-o ao longe em conversa animada com uma gaja de saia por quem os homens ajavardavam em conivência de género mas baixavam a bola presencialmente, fera. o interlocutor de Sofia, um rapaz de óculos extremamente cultos, já tinha percebido que estava a falar sozinho, mas continuava a sorrir socializante, como lera num livro. Sofia fartou-se.<br />
- vou buscar mais uma marguerita, queres alguma coisa?<br />
- ah nããão, hehe, obrigado, já bebi duas - dizia enquanto se calava.<br />
<br />
este amputado social fazia-a lembrar os tempos de universidade, os primeiros jantares de turma. já no segundo ano o Júlio que veio de bicicleta para um jantar, deixou-as a todas arqueadas e sem guarda. tinha estilo o cabrão, bem vestido, cachecol de meados do século, sentado no seu brooks, honey. no restaurante fez logo à porta amizade com o pintarolas que angariava clientes e que lhe guardou solícito a bicicleta durante o jantar. Júlio tinha o dom social da palavra e do protagonismo. agora Sofia vivia entre a nostalgia da admiração pueril que sentira por este bon vivant intelectual que demorou a domar, com um estilo de vida a que não voltava por orgulho (women can't go back in lifestyle), e o sentimento de possuir a pessoa que vive consigo e que foi revelando imperfeições recorrentes e incorrigíveis. "já não o amo, não consigo" não encontrava forças para reinventar a sua perspectiva do homem que tinha. não, nem entendia porque tinha que o fazer. esse processo não a excitava. a razão da relação eram agora os pequenos nadas circunstanciais. na verdade os sentimentos recentes eram ciúme puro, sem qualquer sentimento nobre associado, ciúmes da independência do outro. mas cresceram ao ponto paradoxal de não entender o patamar anterior, o da libertação quase consumada. como se as antigas paralelas pudessem simultaneamente divergir e convergir ao mesmo tempo.<br />
<br />
- já conhecias aquela miúda?<br />
- quem, a Bárbara? sim, é uma amiga do Estêvão.<br />
- ah conhecias? há muito tempo?<br />
- sim, antes de estar contigo.<br />
- conheceste quando estavas solteiro?<br />
- hmm sim.. por acaso sim.<br />
- e tiveste alguma coisa com ela?<br />
- não.<br />
nunca diria que sim. mas dizendo que não, lançava na mesa a alta probabilidade de estar apenas a tentar esconder uma proximidade adquirida e nesse caso uma intenção futura.<br />
- estás a pensar ter?<br />
- epá, olha, ainda há rolo de carne de ontem? estou com fome.<br />
desprezada depois de dar parte fraca bateu com a porta, ele ignorou também isso. era óbvio que a vida agora era cínica.<br />
<br />
se dele deixara de haver intransigências
diárias, as poucas que havia eram agora levadas até ao fim, diplomáticas,
indiferentes ao choro dela a que acudia esporadicamente enfastiado, como aos filhos em
idade de ouvir nãos. passou também ele a ignorar perguntas descabidas,
deixou de responder que não, não seria assim, mesmo quando não seria.
deixava-a na dúvida quando ao resultado da sondagem que acabara de acontecer. dúbio, sempre. para a Sofia a verdade tem que ser aquilo que ela
conhece. o controlo
dos acontecimentos é determinante para a paz de espírito. que é como
quem diz, o controlo das pessoas.<br />
<br />
- estás chateado comigo?<br />
-
eu? tenho lá razões para isso minha querida? - não tirava os olhos do
forno, lá dentro a carne assava a 220 graus, cá fora petiscava-se
insegurança com endívias, um canapé que não ficou admirável - estou a brincar oh baby! não estou
nada chateado, porque dizes isso?<br />
- por nada, estou a precisar de um
abraço - e roubou-lhe um abraço forte, encostando-se de braços ao
peito contra o peito dele. o abraço foi paternal mas curto. Sofia viu-o voltar distante para o seu forno, deixou-o a custo na cozinha. um nó no peito disse-lhe "está tudo bem agora, podes ir". foi descansada. voltou a aparecer à porta:<br />
<br />
- hã?<br />
- hmm?<br />
- disseste alguma coisa?<br />
- não.Zéhttp://www.blogger.com/profile/03871920755849759365noreply@blogger.com13tag:blogger.com,1999:blog-31564849.post-10030716821699251882012-09-25T18:48:00.000+01:002012-09-26T00:02:52.058+01:00amigos outra vezporque é que fizeste isto? pensei.<br />
<br />
- porque é que fizeste isto? - perguntou-me ela.<br />
- hhmm? isto o quê?<br />
- porque é que fizemos isto, não tínhamos necessidade. estava tudo bem entre nós, demorou a chegarmos até onde estávamos e agora merda. acho que não devíamos ter feito isto. parece que só descansaste quando me saltaste para cima outra vez.<br />
- bem, já estamos outra vez a discutir na cama, não tinhas saudades?<br />
<br />
não sei se não devíamos ter feito aquilo. qual é o problema? não vejo qualquer problema. só não sei porque o fiz. intriga-me. demorou de facto a chegar ali, ao ponto zero do amor, ao ponto máximo da amizade (estou a pensar bem?), mas depois de tudo novamente a zeros parecia-me que havia um vazio para preencher (e ui se havia!). aqueles momentos antecedentes foram a minha tábula rasa, adoro, os jogos todos toda outra vez. porque não? se és minha amiga, o que há a perder? sexo sem responsabilidade, livre, disponível! a última vez que tivemos sexo éramos marido e mulher, empregado e patrão, vizinhos, compatriotas, colegas de turno, companheiros de cela. agora somos amigos, foda-se, que tesão.<br />
<br />
- não te queria perder Zé. e agora, merda!<br />
- mas porque é que me vais perder? estou aqui!<br />
- não devíamos mesmo ter feito isto. estragámos tudo. não consigo ser tua amiga assim.Zéhttp://www.blogger.com/profile/03871920755849759365noreply@blogger.com10tag:blogger.com,1999:blog-31564849.post-88812137607950741142012-08-16T12:53:00.002+01:002012-09-14T02:21:27.331+01:00<iframe id="ytplayer" type="text/html" width="500" height="25"
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frameborder="0" allowfullscreen></iframe>Zéhttp://www.blogger.com/profile/03871920755849759365noreply@blogger.com7tag:blogger.com,1999:blog-31564849.post-42573109204282839752012-07-30T19:06:00.000+01:002012-07-31T11:07:12.018+01:00perder Judashouve agora algum tempo e conjuntura para pensar num amigo perdido, conjuntura formada pelas férias e por um vazio profundo de determinados interesses e opiniões comuns, que ele preenchia sem esforço, e que eu desconsiderava sem consciência, pensando que este tipo de relações era inevitável, que acabávamos por nos fazer rodear de pessoas que nos faziam sentir assim, que era isso a que chamávamos amigos. mas não, os amigos são outra coisa, possivelmente mas não necessariamente coincidente.<br />
<br />
tenho pensado, porque me é querido e custoso, no anormal caso de um gajo culto, competente, giro, genial, jovial, justo, o Judas, que vive sozinho, despojado de mulheres e amigos. vive, não habita, vive sozinho, não por opção consciente mas por ser um filho da puta, sem maldade intrínseca, mas o mais puro filho da puta, se é que existe alguma universalidade nesse conceito. na verdade não vive despojado de mulheres. na verdade, as mulheres são a única coisa que lhe resta. e são muitas. são centenas, talvez milhares, se manteve o ritmo desde a última vez que fomos amigos. mas nenhuma é a sua mulher.<br />
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o Judas perdeu-se depois de uma experiência falhada em viver com a nossa amiga Madalena, seu amor platónico nos anos universitários, depois de explodir entre eles uma paixão assolapada de que me envergonha falar, porque sinto que dei por ela demasiado tarde e que fui empata-fodas durante demasiado tempo. aliás, desconfio que nem cheguei bem a ser empata-fodas, o que me parece pior, porque foi na mais completa ignorância que o não fui.<br />
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enfim, acabaram mal. nenhum deles queria perder o outro, mas nenhum quis permitir que fosse o outro a pôr um ponto final naquele martírio matrimónio. ficaram os dois na merda e orgulhavam-se imenso de terem sido eles (cada um deles, isoladamente) a decidir o fim da relação. discutiram bastante em público nos anos seguintes, até que deixaram de se comunicar a não ser para enviar mensagens anuais de parabéns. hoje já até dos ânus um do outro se esqueceram.<br />
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soube também demasiado tarde a história dele com amigos e mulheres. um grande amigo seu que conheci bêbado, foi um monte de merda, perseguiu sem piedade uma ex-namorada do Judas, ainda fresquinha, por uma antiga paixão clandestina inexplicável (que lhe toldava o raciocínio e a moral, o que é comum). esta ex-namorada, abandonada de surpresa, sedenta de vingar-se do Judas com sangue, entregou-se como virgem devota ao amigo que antes desprezava, entregou o inentregável, filmou e enviou-lhe por email. este episódio ficou forçosamente gravado na memória e na personalidade do Judas, que me confessou ter ficado viciado no vídeo, tendo ritualizado durante aproximadamente dois anos uma visualização diária antes de se deitar, a maioria das vezes com um copo de whisky numa mão e a outra dentro das cuecas, apesar de com o amigo ter cortado relações e os 4 pneus, estes também de forma ritualizada.<br />
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a este episódio colou-se a apaixonada relação com a Madalena e o novelesco fim da relação com a Madalena, nunca mais conseguiu ter uma relação que lhe interessasse. teve várias, todas coxas à partida, todas impossíveis, experimentou tudo o que pudesse soar a imoralidade, adultério, clientes, chefes, triângulos amorosos, primas, praticamente experimentou a pedofilia. quando os amigos ultrapassavam o choque ou o choque deixava de ser o tema nuclear, perdia o interesse, rompia tudo, partia para a próxima barbaridade. confrontei-o com esse fascínio, com essa procura pelo impossível e o bárbaro, e disse que achava que esse conceito era galopante e que tendia para o abismo, mas não me lembro da resposta dele porque infelizmente estava completamente bêbado. resta-me no telemóvel uma estranha gravação em vídeo dessa conversa, debaixo de música dos santos populares, já na parte em que ele diz que está na hora de ir para casa. a única memória material que tenho da sua voz.<br />
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fui uma vez de férias com ele, sem destino traçado, apenas uma direcção genérica e o prazo francamente elástico que o emprego precário permite. era o início do verão, o sal e a confiança queimavam a pele de tal forma que apenas tínhamos que entrar no spot da moda para garantir indígenas deslumbradas e imprevisíveis ofertas de bebidas saloias de sílabas básicas. imprevisíveis porque estávamos concentrados em conversar e antes que reparássemos na fauna local, já estávamos na base da cadeia alimentar, precisamente porque estávamos indiferentes ao ecossistema. éramos verdadeiramente interessados em estar um com o outro, o pretexto da viagem servia para compensar os meses que passávamos sem nos falar em exclusivo. as horas de conversa que necessitam duas pessoas viciadas no argumento um do outro e que se gostam e que se entendem, são sempre insuficientes quando no fim do dia e da noite há casas diferentes onde regressar.<br />
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no regresso a Lisboa e a casa ele começou a andar com a minha ex-namorada.<br />
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perdoei-o, era este o poder argumentativo do Judas, depois de discussões intermináveis e de algum tempo de nojo. fizemos até uns programas a 4, e quando tudo estava bem, quando lhes abençoei a relação (e aqui admito o meu demérito, deve ser irritante receber a bênção paternalista do ex-namorado), ele terminou-a. já não chocava, já não interessava, decidiu vingar-se do meu paternalismo com esta humilhação da minha memória viva, ver a Sofia enxovalhada e a chorar por ele. um cabrão. ainda assim voltámos a ser amigos.<br />
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o culminar conhecido das suas experiências, do seu controverso conceito de amor, foi logo de seguida, viver com a mulher do seu melhor amigo do atelier, ao lado de quem trabalhava diariamente no Carrilho, com quem fazia directas, com quem bebia copos e festejava entregas bem sucedidas e primeiros prémios em concursos internacionais, de quem ouviu as mágoas em álcool e lágrimas quando a mulher pediu o divórcio ao fim de uma semana sem vir dormir a casa, por estar apaixonada por um desconhecido. viveu com ela o tempo suficiente para todos os amigos saberem disto, e os cornos do ignóbil ex-marido e amigo terem adquirido proporção mitológica. eu via este encornado como uma daquelas pessoas que têm um papel colado nas costas onde se lê "dá-me um chuto no cu", tinha uma pena profunda dele e ao mesmo tempo irritava-me tamanha cegueira e euforia bipolar pós divórcio, ele, bêbado, abraçado a um Judas desconfortavelmente sóbrio, a confessar-me "este gajo aqui é um senhor, um amigo, um arquitecto!". depois o Judas fartou-se da farsa e encornou-a, deixou-a em lágrimas e álcool.<br />
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tenho pensado então. creio que o vício de iniciar amores clandestinos o ajuda nas decisões de abandonar relações que ainda vão no adro. inicia-as sempre com grandes projecções de futuro, em que ele próprio não acredita. acabou por assumir o seu gosto por esses momentos de planeamento do presente disfarçados de projectos de vida. esse vício ajuda-o também a relativizar a moral, e ajuda-o a encontrar e esgrimir com confiança argumentos para explicar traições injustificáveis, mas essa confiança é a fórmula do seu sucesso argumentativo, não o raciocínio subjacente. é a confiança fraternal com que nos diz "eu sei, eu sei, tens toda a razão, é uma filha da putice, no teu lugar eu estaria todo fodido. mas tens que compreender que" tenho que compreender que ele não está no meu lugar.<br />
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é desse argumento que tenho saudades, dessa frontalidade desarmante, sem a boçalidade do bimbo que se arroga frontal, diz o que lhe apetece e assim justifica a bestialidade. não, é antes uma franqueza não ofensiva, não maldosa, não julgadora, de quem está ali para ouvir o seu próprio sacramento e perdoar-se perante nós. é inexplicável, mas eu admirava esse dom.<br />
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há cerca de dois anos decidiu afastar-se de mim definitivamente, num dos picos da nossa relação feita de reatamentos e tempos de luto. vínhamos num crescendo de auto-suficiência (a dois), o que para os homens não é como com as mulheres, necessitar apenas de um amigo para relatar todos os problemas do dia-a-dia. não é normal, é claustrofóbico. talvez eu próprio me tivesse tornado numa âncora emocional para ele, e ele tivesse procedido como normalmente, seguindo para a próxima. a quebra foi rápida, o quotidiano ajudou e deixou finalmente de me atender quando lhe disse que ia ser pai de uma menina, a Madalena, como a mãe.Zéhttp://www.blogger.com/profile/03871920755849759365noreply@blogger.com9