alguém sem filhos que passasse as ombreiras da porta pombalina de numa festa de fim de ano numa creche lisboeta ficava desde logo desmotivado pelo próprio mote, as próprias crianças, pazadas delas espalhadas por todo o lado gritando de braços no ar como gansos num galinheiro misto, não há copos de álcool, não há gente solteira, ou não é fácil de identificar, não há conversas fora da esfera da parentalidade aventureira, seria difícil explicar-lhe porque alguém havia de entrar aqui mesmo tendo filhos, e passar 2-3 horas de sorriso aberto na cara ao longo de várias performances teatrais mediocremente amadoras dos próprios filhos que não parecem ser fadados para nada do que lhes vai acontecendo, passar 4-5 horas com cara de carneiro ao longo de uma missa campal celebrada pelo prior de Santa Maria de Belém, que canta, e que convida a mãe de alguém para ler um salmo, aterrorizando todos os pais incautos que não sabem que aquilo foi preparado e se sentem emocionalmente transportados para uma aula de físico-química durante uma chamada ao quadro, e ao longo de um arraial de sardinhas que todos trocaríamos por um arraial de porrada desde que estivesse grelhado em condições e houvesse uns jarrinhos de branco ou até de verde tinto e não fosse tudo regado a Jói maracujá.
eu que trago filhos agarrados às pernas dos calções e às vértebras do pescoço também não entendo o sorriso de tanta mulher que já foi bonita imediatamente antes de se esvair em crianças pelas pernas abaixo porque "todo o esperma é sagrado", e deixar acumular leite em pó no diâmetro superior dos braços e na peidola, o sorriso de tanta mulher exausta neste caos de filhos dos outros a correr com copos de sumo na mão e na roupa e sandes de Panrico a escorrer nos cantos da boca como se fossem os sonhos dos pais mastigados e cuspidos, entre palavras de negação e de desconsideração pelo esforço da comunidade em preparar-lhes um ambiente saudável e aquele repasto. mas não acho difícil forçar o hábito de redireccionar o estado de alma logo após o primeiro quarto de hora ao sol, aí já desfiz o sorriso amarelo, já não me ralo com as gotas de mar salgado que me escorrem pela cara limpando-as tranquilamente às mangas da t-shirt de sovaco alçado na direcção da cara da mãe do meu lado direito que se abana com o programa das festas e os versos católicos, que também ela sua como uma mulher a sério, não penso duas vezes antes de me levantar a meio da procissão de animaizinhos vestidos como se fossem crianças mascaradas de animais, e ir procurar uma sombra para perto da zona das comidas que ainda ninguém inaugurou, onde já outros pais se acotovelam em conversa de circunstância e de descompressão e roubam croquetes colocando-os de uma só vez na boca virados para a parede.
já todos reparámos na longa percentagem de rego exposto no cimo das calças de todas as mães que se sentam em cadeiras de crianças, está calor e as camisas esvoaçantes e curtas terminam a meio das costas lançando um rio de lágrimas daí até terminar no fio dental amarelo ou na cueca de renda preta que salta das calças compradas de propósito para acomodar uma tranca a caminho dos 40, e aquilo já não excita nenhum dos pais, estão de telemóvel na mão e pescoço torcido como adolescentes, os que conseguem não fumar, porque desde que se passou pela primeira vez no ano lectivo corrente as ditas ombreiras das ditas portas a testosterona refreou-se a um ponto confortável para não mais perder esse reflexo pavloviano, tolera-se como Cristo um ano inteiro de chapadas de melões maternais saídos dos decotes largos que nenhuma mulher se esforça por amestrar quando se baixa para tratar de uma criança. aquilo não é corpo, é a maternidade extrema, não tem um laivo de doçura sexual porque elas não estão ali pessoas, é o ser carnal tornado veículo de emergência, ministério da providência e da guerra em defesa do território pró-vida e dos pequenos porquinhos seus filhos.
é spam, mete nojo, mamas, mamas, mamas, regos e cuecas de sair à noite em corpos de governantas semi-novas, um homem converte-se a projectos de vida da catequese alheia e lentamente anula-se como predador sexual, vê um mamilo espreitar de um sutiã roxo e pensa nos filhos a alimentar-se, vê um fim de costas aberto e a penugem ascendente de um pescoço descoberto e lembra-se de sacos de supermercado a subir as escadas em equipas de dois, vê uns lábios carnudos e ouve a voz constante de 10 anos fazer observações agravadas sobre problemas crónicos, até que um dia, numa festa de escola, em que distraído a olhar um belo par de mamadeiras pendente de um corpo dobrado, uma cabeça levanta e sorri-nos e diz tão bem do nosso filho mais velho, porque a filha dela é apaixonada por ele e ele é tão esperto e tão bonito, como o pai, ahah, estou a brincar, não estou nada, esta mãe não me mete nojo nenhum, foda-se é bonita e está grávida a dar com um pau, e então enquanto ambos lavamos as cuecas borradas dos nossos filhos no lavatório da escola, sorrimos e trocamos piadas e confidências pouco abonatórias para fazer o outro gargalhar e ressurge o instinto obcecado de conduzir conversas no limite do humor de engate, que desarma e planta cirurgicamente ideias e imagens na cabeça guiado apenas pelo radar único das expressões faciais de encanto, encantar uma mãe grávida. enquanto todos os pais e mães trocam conversas e de parceiro, e os umbongos sobem à cabeça no sol de Junho, todos temos orgulho nas crianças que são nossas e nas que não são porque de qualquer forma não temos que as aturar, e todos admiramos impunemente a nossa mulher distraída ao longe a comer um arroz doce julgando-se abrigada do nosso olhar crítico como nós do dela, comendo-a nós a elas com os olhos, e uma parafilia renasce dentro de nós homens pais, todos, com grávidas nuas e mamilos enormes, e ancas abertas, e vestidos sem função com carnes nuas que espreitam em festas de crianças e vamos para casa ao fim de um dia de festa, a correr com a nossa mulher grávida de gémeos e com os dois miúdos no mesmo braço másculo, mal esperando por chegar a casa e contar a conversa que tivemos com a mãe da Maria Jaquina e do Manel Patrício, alavancar a nossa fantasia com outras pessoas do nosso círculo de festas de crianças e apelar ao ciúme saudável, e ela acha um piadão e ri-se de gargalhada, e que o marido dela também é um pão, que ela o comia com batatinhas e lambia o prato todinho, e que até trocou umas palavras giras com ele, e a gente roça-se na barriga de grávida da nossa mulher e sente-se pequeno porque não a consegue agarrar toda, e os nossos filhos são tão lindos! e estão ali na sala a auto-educar-se com o Canal Panda e o Canal Porco, e a gente beija-se esquecido eu de como se beija uma mulher grávida, e desajeitado intromete-se um pau duríssimo escalando do topo dos calções ao umbigo como um marsupial adolescente, capaz engravidar um batalhão de freiras das Salésias, e vamos fazer trigémeos, anda meu amor, e o vestido de verão largo tenta cair pela minha mão esquerda porque a direita está a avaliar a renda por dentro, e ela diz que não lhe apetece, porque está deveras grávida, e que eu já sei como a minha pila pronta lhe deixa a libido dorida, e que tem que pensar na roupa dos miúdos para o mês que se avizinha, que talvez amanhã, que talvez para o ano.
dias de festa
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1 comentário:
Bukowski!!
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