o Chico entrou em cena. fui eu que o chamei após vasculhar uma biblioteca digital esquizofrénica deixada ingenuamente ao lado da mesa das bebidas. ouve-se ao fundo uma alcateia de flautas e coros impolutos, o Chico, um pouco usado, move-se no seu tom de pecador arrependido que não parte um prato, mas se o ouvirmos com atenção, está a partir o serviço inteiro, chato. não estão a ouvi-lo, evidentemente, pérolas a porcos pá.
eu estava há pouco a servir-me de um Madeira quando o Baduel se aproximou rindo alarvemente e mo tirou da mão. meteu a mão por cima do meu ombro e disse "obrigadinho, ehehehe" ehehe... "eheheheh, tu és um gajo do caralho pá, julgas que eu não te topo, andas aqui nestas festas, sempre na refunda e tudo acontece como tu decides, em silêncio, és rato!"
o Baduel por esta altura já chega às festas bêbado, faz-me esta misturada de ofensas e elogios, eu condescendo com um sorriso enquanto me sirvo noutro copo.
"então, sempre vais para o Brasil, Baduel?" ele baixou o tom alarve para o tom de quem está envolvido em negócios de foyer de centro de congressos "vou pá, está tudo a correr nesse sentido, estamos a tentar resolver algumas incompatibilidades com o meu passaporte, é capaz de ser preciso fazer uns pagamentos a uns duendezinhos, sabes como é este país miserável" sei, claro. "mas queria ver se daqui a dois meses o mais tardar ia lá pousar, já tenho andado em contactos com pessoal amigo que está lá, aquilo é bom, está a crescer! e depois pronto, as brasileiras têm uma moral sexual diferente... ahahah!"
olhei a cor do Justino's, não é claramente a minha bebida, até pode ser uma zurrapa inqualificável que eu bebo com o mesma alegria ignorante. o Baduel emborcou o seu de penalti, também não deve ser a bebida dele.
"e tu? já sei que foste pai, isso é que é coragem" esperei calado a sua próxima frase acerca de si próprio "a Rita também começou a falar em bebés e eu tive que dar-lhe guia de marcha, que para mim bebés ainda são muito bonitos no colo dos outros eheh! também já estava um bocado farto da relação, a Rita é muito querida mas não era mulher que conseguisse agarrar este bebé".
o Baduel foi expulso da vida da Rita Janeiro há um ano, e se casado fazia vida de solteiro, solteiro andou a arrastar-se em choros convulsivos e cenas de pancadaria nas noites fundas do eixo comemorativo 24 de Julho - Cais do Sodré, não queria, não entendia as razões dela, não era suposto haver vida sem a Rita, sem a Rita lá em casa à espera quietinha. meses disto, de cada vez que se perguntava pelo Baduel alguém dizia "fritou". foi-se perdendo o interesse por ele, pensando que como uma inevitabilidade um dia iria tratar-se, e chegaria aos ouvidos de todos que tinha voltado do inferno. na verdade nunca chegou, toda a gente lhe cola a sua história confrangedora de quem foi destruído por um acontecimento banal, por outro ser humano sem intenção, e continua hoje a pintar-se como se as pessoas não falassem, não pensassem, não tivessem olhos. como se aquilo que lhe sai taxativamente da boca fosse o suficiente para impedir a formulação da opinião outros. há pessoas que vivem essa fantasia imbecil. pelo menos voltou a aparecer em eventos sociais, já ninguém lhe fala no tema, mas parece que continua tudo ali a boiar. a Rita se bem percebi renasceu. cruzei-me com ela ocasionalmente, sorria, voltou a sair de casa, a conhecer pretendentes com projectos de vida, emigrou para o Brasil com um gajo qualquer. oh wait...
pois. nada que o exagero da libido e da euforia não mascare.
"agora tenho que ir ali conhecer aquelas meninas Coachella ao pé da palmeira, que aqueles calçõezinhos fazem-me comichão ao whiskey" isso não era whiskey caralho "já dizia o meu avô, perna fina foda grossa!" vai Baduel, vai com Deus cara.