vestir as cuecas do dia anterior não me faz tanta impressão como calçar as meias usadas e húmidas. sempre que acordo numa casa que não é a minha vivo esse prazer desconfortável de procurar a roupa amarrotada, as meias enroladas num casulo, vestir a t-shirt que parece um trapo de lavar a casa de banho. por vezes calço os ténis sem meias e guardo-as nos bolsos, mais tarde encontro-as enquanto procuro a carteira num café. nem sempre dá para tomar banho, quando dá é menos mau. mas mesmo que não tome, consigo tirar prazer em sair à rua de cabelo seboso porque fica mais domesticável e sinto que toda a gente percebe que passei a noite em casa de uma miúda gira. o verdadeiro prazer advém, é óbvio, dessa infantil sensação de vitória por ter tido sexo, de ter conhecido uma rapariga nova, a sua casa, a sua decoração, o seu corpo, o seu orgasmo, a sua casa de banho, e eventualmente o seu frigorífico. a intimidade é a minha perdição.
gosto quando têm casa própria, ser convidado para esse ninho de forma imprevista é uma parte importante da tesão da caça. isto deve estar relacionado com outro dado, gosto que tomem a iniciativa mas de forma envergonhada e até trapalhona, mostra coragem apesar da consciência de certas limitações e ridículos e uma capacidade de auto-crítica jocosa. merda, como eu adoro gajas patetas. convidar um rapaz para sua casa, entre justificações pelo dálmata de loiça na entrada e a lassitude de umas cuecas usadas no chão da casa de banho, é em tudo uma patetice deliciosa e excitante. aquela casa não é um ninho de amor, é simplesmente a casa de uma rapariga solteira que hoje, inadvertidamente, se enrolou com um gajo e não teve tempo de arrumar as vergonhas. na verdade, o verdadeiro ridículo dá-se quando tentam esconder alguma vergonha e decidem mostrar coisas que preferia não ver, como livros de autores merdosos, como umas cuecas especiais para noites de núpcias. isto pode tornar-se bastante confrangedor, porque demonstra orgulho na bimbalhice ou pior, a tentativa de impressionar com um ideal de expectativas muito reles. deixa-me sempre a libido em baixo, passo a metáfora.
tenho amigos que preferem one night stands em sua própria casa, isso tem qualquer coisa de primário, imagino-os a levá-las pelos cabelos, mas entendo a matéria territorial. mas a minha casa também não é nenhum ninho de amor, é só a casa de um gajo solteiro. só trago aqui alguém em ultíssimo recurso. se a quisesse arrumar não conseguiria, a minha visão filtra a desarrumação e deixaria certamente um rolo de papel higiénico ao lado da televisão, uma caixa de pizza debaixo de uns papéis ou uma garrafa de whiskey com beatas no braço do sofá. além disso a minha decoração não vai além de uma fotografia minha e da Sofia que me tenho esquecido de tirar ao longo destes 3 anos de um móvel da sala. já tive que dizer que era minha irmã, mas duvido que aquela mão na mama possa ser interpretado de forma fraternal.
não quero namoradas, já tive, já entendi do que se trata e para onde inevitavelmente caminha. quero ser solteiro e conhecer as mulheres que me apetecer, sem complicações. não entendo de que se serve estragar a memória de uma pessoa que se adora prolongando uma relação até à total insanidade ou falta de bom senso que imperam no final de todas as relações. acabam sempre de forma apoteótica e massacrante, mesmo que apenas para um dos implicados, mesmo que silenciosamente. agora quero amizades íntimas, beber um copo com alguém disposto a deixar-se levar, tomar duche com uma miúda que conheço há dois dias, experimentar a confiança em brincadeiras cada vez mais exageradas, os espíritos estão muito mais abertos nessa altura, aceita-se tudo. como é que eu conseguiria, com a Sofia, fazer uma pizza fight a dois no Casanova até ser convidado a sair, como na semana passada? ou foder numa casa de banho para crianças no Oceanário? aliás, tenho que dar a mão à palmatória, como é que a Sofia podia fazer isso comigo, porque fui eu quem sempre se preocupou com as aparências. e com a moralidade, e com o desperdício de comida. mas ela exagerava na brincadeira e depois queixava-se de eu não a acompanhar nas suas infantilidades. com a Sofia tudo tinha que ser um momento kodak. espero que o tal produtor tenha andamento para as brincadeirinhas dela. talvez tenha, pessoal da televisão anda sempre cocainado e hiper-divertido.
enfim, não queria falar outra vez na Sofia.
acho que estes tempos não são para se viver em casal. tempos de crise e oportunidade. o mundo está ai, todo, a vertigem da sobrevivência liberta instinto, as experiências são profundas e vívidas. os casais ficam por casa, no sofá em frente à televisão, cada um deitado para seu lado, ela põe-lhe os pés no colo e ele faz-lhe massagens. deprimente. o amor vai-se escoando desse saco que é "a relação" e no fim fica apenas um mosto, a massa de ressentimentos, um kit para usar em discussões, misturado com dependência e falta de confiança, que o amor levou. mas atenção, também não estou aqui fazer a apologia do solteiro ressabiado. estou sozinho porque quero. posso sair todas as noites e faço-o, e todas as noites posso acabar na casa de alguém diferente. se tiver que vir dormir sozinho à minha casa de solteiro, que tresanda a relação falhada, que se foda. é temporário. amanhã é outro dia e outra noite, outra oportunidade. e pelo menos aqui neste ninho pode beber-se em silêncio.