zero

a frieza com que assisto ao azar dos outros não é criticável, não posso fazer nada contra a minha indiferença correndo o risco de ser cínico. não sinto. não vou mentir para me mostrar humano. eu tenho quase a certeza que sou humano, mas não sinto muito.

sou compreensivo. esforço-me por entender que se fosse eu naquela posição estaria na merda, e isto serve-me para transmitir algum apoio, mas não compaixão. apoio é mais "pois, isso é fodido... epá, pois..." eventualmente um "força nessa merda, tens que cagar nisso" e aqui estou muito mais próximo de transmitir o que na prática sinto. que me estou a cagar.

nem sei se estaria realmente na merda se fosse comigo, muitas vezes não sinto nada perante o meu próprio azar. não sei se a isso se chama optimismo perante o futuro, ou apatia para com o presente.

tento de tempos a tempos imaginar o meu funeral. uma morte precoce e um funeral bem anunciado, todos os que eu alguma vez conheci lá estariam, ainda que grande parte deles não tenha qualquer contacto com quem os poderia avisar. "olha, o zé morreu". "estou? olá, era só para dizer que o zé... meu deus! (soluços) o zé finou.. a dor! o funeral é amanhã. BYOB"...

aí sim. aí, ao imaginar todos os meus amigos e conhecidos a sofrer com a minha morte, todos a chorar, aí a dor parece-me real, e aí sim, vêm-me lágrimas aos olhos. muitas vezes acabo aqui sozinho também eu a soluçar. morri! e como eles sofrem sem mim.

a dada altura da minha vida, para não me rir em funerais (acontecia demasiado) imaginava um garfo a espetar-se-me nas costas da mão. agora imagino a minha própria morte e começo a chorar. talvez por isso agora me convidem muito para funerais.

só há uma coisa que me incomoda, a forma como morreria. soa sempre patética. "sabes quem foi atropelado pelo filho do embaixador do Brasil?? aquele gajo da primária, o zé. LOL!!!". ridículo.



o suicídio não parece mal. mostra controlo sobre o meu destino. talvez não sobre a minha vida.



estou a brincar. don't bother calling.