verdes anos

não tenho razões para me considerar um gajo bonito. a adolescência não me sorriu em termos amorosos, nem as raparigas.

os dias de escola eram passados a fumar com alguns colegas atrás do pavilhão de química. da parte que me lembro, claro, das aulas em si não me lembro de muito. lembro-me de passar o tempo todo nas mesas do fundo da sala a tentar esconder-me atrás dos colegas, não para fazer alguma coisa de mal, mas para o professor não me ver e não se lembrar de me perguntar alguma coisa sobre a matéria, ou quem era eu. não sei como acabei o secundário.

sempre houve os casaizinhos apaixonados e desapaixonados, que se sentavam ao lado um do outro, ou o mais afastado possível na sala, que iam ao cinema e festas e concertos e de férias com outros casais apaixonados ou em caldinhos organizados. autênticas novelas adolescentes a que eu assistia num misto de nojo e inveja.

fora da escola andei sempre em grupos de gajos, gajos, gajos, nunca houve uma única rapariga no nosso grupo. as poucas que se tentavam aproximar não eram muito interessantes e de forma natural acabávamos por evitar dar-nos com elas, como se nós fossemos gajos muito interessantes. dos meus amigos apenas um tinha tido namorada e vangloriava-se de já não ser virgem, mas nunca acreditámos verdadeiramente, porque namoraram 1 mês e tinham 12 anos, numa altura em que o curfew era às 7 da tarde.

cheguei a pensar que era assim que os homossexuais descobriam a sua orientação, mas apesar de algumas experiências confrangedoras em balneários de piscinas públicas, nunca isso se me revelou alternativa viável.

saíamos num grupo de 4 ou 5, íamos à feira, à praia, a uma festa qualquer. agora à distância não me parece que tivéssemos grande jeito para roupas mas achávamos que tínhamos. pelo menos nenhum de nós teve um Duffy, valha-nos isso. mas isto para dizer que em ocasiões sociais não seríamos dos mais vistosos. ou se éramos não seria pelas melhores razões. por isso, regra geral, não socializávamos de facto. íamos apenas ver as vistas, gozar (e ser gozado).

qualquer casal no bairro era risível, o joca teve desde sempre uma namorada que era uma rolha de poço, o bruno lombardo e a carla (filha da dona adelina) quando começaram a andar "só estragavam uma casa" porque não era previsível que alguma vez algum deles viesse a engatar alguém, era uma relação ridícula, o outro puto vizinho do ricardo arranjou uma pita muita gira, mas era tão ciumento que era patético a quantidade de vezes que estavam a discutir em público por causa de uma merda insignificante.

mas à medida que crescíamos tornava-se cada vez mais óbvio que estávamos a perder alguma coisa. alguma coisa de que víamos os outros putos do bairro usufruir e nós não. os gajos que achávamos cool não tinham namoradas mas tinham curtes, montes delas, e estavam sempre a contar histórias, algumas com repugnante sensibilidade para com as mulheres. nós nunca tínhamos sequer tocado na pele de uma rapariga a não ser quando na praia, aproveitando os aglomerados de pessoas a divertir-se no rebentamento das ondas, nos atirávamos contra as miúdas de bikini e ficávamos a rebolar com elas na espuma para depois pedir desculpa e dizer que tinha sido sem querer (tantas vezes saí da água de pau feito).

começámos a ter paixões assolapadas por raparigas que não conhecíamos bem, cada um de nós tinha uma, o nuno não tinha mas inventou, parece-me. essas paixões não davam em nada, só em incentivos constantes "vai lá! pede-lhe o número de telefone" "és doido, e se ela não me dá? nunca mais consigo olhar para ela" "se não der é porque é uma puta e cagas nela! passas à próxima!" sim, já foram tantas... enfim, nem os incentivos eram racionais, nem a vontade de arriscar era muita. davam em relações unilaterais duradouras, com ciúmes e tudo.

tornava-se também óbvio que o facto de andarmos frustrados estava a criar dentro do nosso grupo uma crispação grave, com paixões pela mesma rapariga (eu vi primeiro), com perdas de paciência por coisa nenhuma, que acabaria por nos fazer desconfiar uns dos outros e eventualmente afastar.

mas terminado o secundário, e tendo cada um de nós seguido um curso diferente, chegou uma altura de reavaliações. redefinições de amizades, de conceitos, de culturas, de gajas. muitas delas vinham do interior do país, e apesar de, não sem estranheza, me parecer que algumas delas seriam muito mais vividas que eu, eram quase todas bastante abertas, interessadas, joviais, atenciosas. pela primeira vez, possivelmente pela não presença do meu grupo de amigos, eu era capaz de comunicar com raparigas. tinha alguma dificuldade em manter certo tipo de conversas, de sexo por exemplo, para além de ser chocante ouvir certas palavras da boca de raparigas, tinha a clara sensação de que era o único que não conhecia o assunto por dentro. salvo seja. e mesmo que viesse a conhecer em breve, como esperava, ainda me faltava muito para o conhecer a fundo. (esta dispensava-se).

não passou muito tempo antes que conseguisse, de entre um grupo de raparigas que achei horrível nos primeiros dias, começar a gostar de uma rapariga de caracóis castanhos, olhos verdes e lábios de manuela moura guedes (se conseguirem retirar da vossa cabeça o resto da cara da manuela moura guedes ganham o euromilhões). tinha, isso sim, debaixo das camisolas de pastor que a mãe lhe devia tricotar, um generoso par de mamas, e tentei escolher bem a acuidade das palavras (não descurar) para que pelo menos o leitor masculino consiga entender a qualidade daquilo que acabo de descrever e limitar-me as palavras num assunto que me apetece alongar ad aeternum, tal a excitação que provoca em mim. sobretudo quando me lembro do início do 2o semestre, ui! a primavera.

esta sofia dava-me atenção. nos jantares de turma, logo no primeiro aliás, quando a turma se dividiu entre o pessoal do transe e o das brasileiradas para decidir para onde seguiríamos, ela lançou comigo o grupo do pessoal do pão com chouriço, que infelizmente teve demasiados aderentes. penso agora como estava bêbado e insisti para irmos todos, inviabilizando a minha possibilidade de fazer figura de parvo sozinho com ela. lembro-me depois de estarmos sentados nuns degraus a comer, ela a dizer que o chouriço dela era maior que o meu, senti-me verdadeiramente feliz. bêbado, claro, mas ela também, e ambos menos que o luis pissarro que estava a rebolar no seu próprio mijo e nos proporcionava um espectáculo vaudeville com cânticos grotescos das outras miúdas da turma, delfins, se bem me lembro. falei com ela de imensas coisas mas no dia seguinte e até hoje não consegui lembrar-me do quê. eventualmente ela meteu-se num táxi, e aí acabou também a minha noite.

esta memória permanece como o momento alto da minha relação com a sofia, com as mulheres em geral, apesar de progressivamente termos ganho confiança, termos feito umas directas juntos a trabalhar para projecto, e termos até constatado que à nossa confiança crescente bastava apenas acrescentar uns beijos para sermos namorados (e termos de facto vindo a fazê-lo e a sê-lo). Penso que por causa da atenção que ela me dava, grande novidade na minha vida, não associei aquilo que sentia por ela às outras paixões que tinha tido na adolescência, por raparigas que não tinham percebido que eu existia, e tenho vergonha em admitir que, comparando, os sentimentos pela sofia eram bastante menores, menos agudos. a baixa conta em que eu me tinha perante o sexo oposto não me deixava admirar a sofia da mesma forma, pelo simples facto de ela sorrir e reluzir os olhos quando falava comigo. apesar de triste esta constatação, foi possivelmente isto que me permitiu aproximar dela sem fazer a mesma figura de mentecapto que fiz toda a minha vida cada vez que abria a boca ao pé de uma rapariga de quem gostava. quando percebi que gostava dela já tínhamos alguma confiança e ela já gostava de mim. não havia forma de estragar aquilo (é estranho, mas o laço entre dois seres humanos apaixonados é exageradamente elástico).

Foi sem grande surpresa mas com uma ansiedade humilhante que deixei que ela me beijasse (!!) numa dessas directas de trabalho na casa que ela alugava em lisboa. estávamos os dois na cozinha, eu a fazer dois baldes de café e quando me virei da bancada com as canecas na mão, ela beijou-me enquanto me passava a mão pelo cabelo e encostava a mim aquelas mamas cheias, mamilo dela com mamilo meu. tremi tanto que entornei o café todo, por cima dela, por cima de mim, na carpete branca. ela riu-se mas eu comecei a ficar com falta de ar. estava irritado por não conseguir controlar os meus movimentos parkinsonianos, o meu suor, o meu rubor, senti-me patético. senti até que os meus intestinos me podiam atraiçoar a qualquer momento. mas ela foi querida como só uma mulher feliz pode ser, enquanto limpávamos o chão ela ia gozando com a minha falta estabilidade, imitava o que me pareceu um frankenstein drogado (seria eu?), dava-me beijos no pescoço, deixava cair pacotes de açúcar na minha cabeça, fazia-me cócegas, os dois de joelhos a limpar o chão. limpou-me as calças com um pano e inadvertidamente tocou-me na zona das cuecas, que é como quem diz na pila, mas só eu é que dei importância a isso. era a primeira vez que alguém o fazia, mas o nervosismo não deixava a minha pila encher-se de orgulho, pelo contrário, estava transformada num cateter. acabámos a noite deitados no sofá, vestidos, com ela a ensinar-me a beijar com língua.

tornámo-nos num casalzinho da turma, éramos bem aceites por toda a gente, íamos ao cinema, a festas, à praia (ui, o verão..) e de férias com outros casais e não casais. comecei a entrar nas conversas de sexo com outro à-vontade, depois da triste experiência das primeiras 3 vezes que tentei usar um preservativo as coisas começaram eventualmente a correr melhor, deixei de oscilar entre a total ausência de erecção e a ejaculação precoce.

todos os dias o savoir faire da sofia me surpreendia um pouco mais, descobri que ela tinha já tido dois namorados de longa duração, e depois de lidar com "sim, o bernardo tinha uma pila beeemm maior que a tua, mas não é o tamanho que interessa" comecei apenas a concentrar-me naquilo que ela poderia esperar de um namorado, com certeza eles tinham já subido a fasquia, o que me assustava, dada a minha inexperiência, mas ela descansava-me sempre com "eram uns putos, foram relações de adolescente, hoje em dia preciso de um homem, preciso de ti". esta frase para mim era uma contradição, mas preenchia o buraco temporariamente.

depois de uma fase excelente, longa, da qual tenho imensas fotografias, veio uma fase difícil de que me custa lembrar, a relação explodiu. eu sei, as minhas inseguranças, por vezes a minha indiferença pelos esforços dela, contribuíram para a precipitação de acontecimentos no final do 2o ano lectivo. deixámos de andar juntos na faculdade. nos jantares de turma acabávamos a falar com outras pessoas a noite inteira, separados. ela tentou falar comigo algumas vezes acerca disso, mas convém não esquecer que eu nunca tinha tido uma relação, aquilo para mim era eterno, nunca teria fim, tal como a relação dos meus pais que se odiavam mas continuavam juntos. sempre evitei as conversas sérias "acerca da relação". um dia mais uma vez "precisamos de falar", sim, já sei, achas que andamos afastados, diz lá, qual é a tua solução? "não há solução, acho que esgotámos isto"...... hã? esgotámos o quê? então? e agora? "agora nada, é melhor acabarmos, já não sentimos nada um pelo outro, eu não sinto"..... senti no estômago a mesma sensação de quando ela me beijou na cozinha a primeira vez, mas o horizonte desconhecido não se afigurava desta vez como um mundo de continentes por descobrir, antes como uma Terra plana e perigosamente próximo da aresta, com vista para o vazio.

o que se passou no resto da conversa foi demasiado humilhante para reproduzir, inclusivamente nos dias seguintes, telefonemas, mensagens, o vazio completo. era o fim do ano, por isso já raramente nos víamos mas de cada vez que isso estava para acontecer ficava num estado de ansiedade nos dias anteriores que não dormia. também não comia, emagreci imenso, perdi a barriga de cerveja, which was nice. qualquer mensagem que recebia ia a correr para o telefone, mas era geralmente a Vodafone a dizer que tinha que carregar o cartão. cheguei a tirar o som do telefone, numa atitude que depois percebi masoquista, porque estava sempre a olhar para o ecrã. a pouca comunicação que houve nos tempos seguintes foi cordial da parte dela, disfarçadamente desesperada da minha parte. nunca mais deu em nada.

vivi no pânico de vir a saber que ela era feliz. e um dia soube que pelo menos tinha um namorado. vi-os juntos sentados no bar da faculdade, ela ao colo dele, no meio dos amigos que também tinham sido os meus. devia ser feliz, pelo menos tanto como eu fui quando começámos a andar. doeu, mas acelerou a minha convalescença. mas doeu muito.

voltei a dar-me com os amigos do bairro. liguei ao nuno, logo nos dias seguintes, e apesar do ano e meio sem nos darmos parecia que não tinha passado uma semana. ele continuava apaixonado por uma miúda do secundário, que seguiu o mesmo curso que ele. aliás, o que aconteceu foi exactamente o inverso. ele seguiu o curso dela, e continuava sem admitir que Relações Internacionais não era o que ele queria seguir e apenas o fez para ir atrás dela. todos os outros tinham finalmente provado a carne feminina e tinham ficado viciados, embora nenhum deles tivesse de facto arranjado namorada. estávamos e temos estado todos bastante mais abertos a novas amizades, menos hienas, saímos juntos hoje em dia e é rara a ocasião em que voltamos para casa juntos, mesmo que eu apenas socialize, sem comer nada..

recentemente cruzei-me com ela à saída do metro, pareceu fixe, falou-me bem, fartou-se de perguntar coisas acerca da minha vida, falou-me no novo namorado (que atingiu finalmente os mínimos para as olimpíadas... foda-se), e disse que ainda tinha uma camisola minha com que dormiu um dia que fiquei lá em casa. keep it, disse eu. mas na verdade apetecia-me usar esse pretexto para voltar a vê-la.

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o ricardo tocou lá em casa há uma hora "vou agora para o café de cima. passa lá."

quando entrei senti-me observado, estava uma miúda demasiado gira sozinha a ler um livro, que se mexeu até captar a minha atenção e olhava-me ansiosamente. coisa rara, no meu reportório. sentei-me com o meu amigo.

"olá. já pediste?"
"já. viste a gaja do livro ali à janela? podre da boa!"
"vi, acho que estava a olhar para mim."
"a olhar para ti como?"
"com os olhos."
"oh, estava a olhar porque tu entraste, estava a ver quem era"
"não sei, mas pareceu-me bastante interessada em fazer-me ver que estava a olhar para mim."
"foda-se que porco, eu vi-a primeiro!"
"a questão é: ela viu-te a ti?"
"não, isso não é assim, eu vi, está marcada. já sabes."
"então vamos lá dizer-lhe isso 'olha, nós costumamos marcar as raparigas, como as vacas, e o meu amigo marcou-te. és dele.'"
"és mesmo cabrão, então vá, se é tua tens que ir já lançar o laço, senão vou eu."
"assim pressionado não dá!"
"vá, tem que ser, se estás a desmarcar uma gaja que eu marquei tens que ter tomatinhos."
"hhmm.. espera aí então, não me stresses."

levantei-me, vim ao balcão, pedi um sumol de ananás e um pão de deus misto. vou fazer o quê? sento-me lá? digo-lhe o quê? ir comer para o pé dela é estúpido, fazer migalhas.. mas ela estava a olhar, isto aconteceu umas 3 vezes na minha vida e duas delas foi uma tia ninfomaníaca. está a olhar outra vez! vou lá, caguei. vou falar de Sumol vs Fanta vs Frissumo ou explicar-lhe como ver se um pão de deus é do dia. não! vou levar-lhe um kinder surpresa! bora lá.

A 0182

na tentativa inusitada de explicar ao revisor do eléctrico a razão de não ter bilhete, sem querer, escapou-se-me um foda-se.

"modere a linguagem" disse ele "não vê que estão aqui senhoras?"

"senhoras?" disse eu "também há aqui senhores, esses preocupam-no menos?" claramente preocupavam muito menos, senão não teria perdido os primeiros 15 minutos da viagem numa conversa de cortesia com as duas vistosas senhoras que viajavam dois bancos à minha frente, e que durou exactamente o tempo de eu desfazer completamente nas mãos o meu bilhete "eu já lhe expliquei, quando o vi entrar tirei o bilhete do bolso. você demorou, eu estava distraído e fui fazendo este rolinho com o bilhete."

"não goze comigo, isto não é bilhete nenhum, não tem nada aqui impresso, quer que eu acredite que isto é um bilhete?"

"ouça, repare nos meus dedos.. estão completamente pintados de preto. é a tinta do bilhete, que saiu toda."

"portanto, você tem os dedos sujos e por isso eu não o devo multar, é isso?"

"não, você não me deve multar porque eu comprei bilhete."

"e onde é que está o bilhete!!? irra!"

não me contive "modere a linguagem...."

ele não se conteve. tirou-me o bilhete das mãos, agarrou-me pelos cabelos e atirou-me para fora do eléctrico, para me estatelar de cara no chão aos pés das pessoas que se encontravam na paragem do eléctrico.

"ahah" gritei vencedor enquanto cuspia uma beata pisada "enganei-o, isso não é um bilhete! é uma senha da Loja do Cidadão!"