evitável

saí da sala de cinema agoniado. a rapariga ficou para trás.

corri, sem correr, para a casa de banho, mas antes que chegasse a uma cabine para vomitar, a luz branca acalmou-me o estômago. lavei a cara. sempre reparei atentamente como o espectro do vómito nos consegue fazer ver ao espelho um arrumador sujo de pele verde rugosa e suada, os olhos cansados e assimétricos.

sequei a cara e voltei à procura da minha companhia, "espero que não tenha pensado que fugi dela". embora me apetecesse.

- então? estás bem? estavas um bocado pálido antes de começares a correr.
- sim. deve ter-me parado a digestão durante o filme. este sushi dos chineses nunca é de fiar.
- sushi dos chineses? sushi é japonês.
- sim, mas estes assim à la carte mais baratuxos são dos chineses.
- hãã? whatever...

encaixei o desprezo dela, não tinha literalmente estômago para ter aquela conversa. depois de duas horas no escuro a ver o Mamma Mia, a ouvir as suas gargalhadas descontroladas em uníssono com a restante audiência, numa exaltação irracional que me fez lembrar os Dois Minutos de Ódio do Grande Irmão, não tinha de facto coragem para iniciar a conversa arrogante, que é a minha, de quem percebe a diferença entre sushi bom e sushi de merda. fico sempre mal aos olhos ingénuos dos leigos.

nesta leiga em especial, não me interessava um pêlo púbico que fosse. nem uma pestana transferida numa coçadela de olho rameloso. foi um erro, que percebi no momento em que ao telefone ela escolheu o filme. mas o que podia eu fazer? "desculpa, eh.. que estupidez, lembrei-me agora que sou gay, este date não faz sentido" ou que não sou gay e daí não querer ver o Mamma Mia e os guinchos cantantes do Pierce Brosnan como quem está a ser sodomizado a seco.

- leiga, disse-lhe eu, estou a ficar com um bocado de sono, além de que ainda estou um bocado enjoado. se calhar vou pôr-te a casa.
- ah é?! então mas não queres tomar um copo? pensei que..

não sei dizer que não às pessoas e isso irrita-me, corroo-me por dentro enquanto respondo algo alimentício como - "onde?"
- não sei, ali ao Cup & Cino..
- eich, isso é péssimo, queres ir ao Galeto?
- Galeto? ahah, isso não é só velhos?
- epá, ya, mas come-se. se nunca lá foste temos que ir mesmo.

o serpentear do balcão teve nela o efeito contrário da minha expectativa. riu-se, mas no mau sentido. ficou desiludida pelo facto de não haver mesas. "não te preocupes, tem mais piada assim" assegurei-lhe, mas não era de todo a sua ideia de piada. sentámo-nos. à nossa frente, do outro lado do balcão, estava um casal de cinquentões. usados, experientes, cansados, amargos. não se falavam. ele fumava, ela sorvia a sopa. ele olhou para nós, pensou que éramos um casal jovem, feliz, iludido. li o seu pensamento "coitados, não sabem o que vos espera, ingénuos. aproveitem enquanto são estúpidos e ignorantes". não sei se ele leu o meu "velho, não estou melhor que tu. já estou farto desta gaja e ainda nem a vi nua".

- mas costumas vir aqui?
- costumar costumar, não costumo, mas isto tem piada, tens que admitir, é kitsch!
- é estranho, toda a gente de frente uns para os outros, os empregados aqui no meio, pessoal muita feio. olha aqueles 3 indianos?! cheios de ouro? parecem dealers! um deles não pára de olhar para aqui. e aquelas velhas parece que estão no engate!
- certamente estão. tenho pena que não gostes disto.
- não é que não goste, é um bocado cota, ainda me estou a habituar. LOL!

LOL?! nunca tinha ouvido alguém a verbalizar essa juvenil sigla onomatopaica das interwebs. que triste. provavelmente ela visualizou a frase na sua cabeça "n eh q n goxte". que geração perdida. isto não faz sentido, vou acabar com a farsa.

- eu estou algures entre esta geração e a tua.
- hãã?! (outra vez o nariz torcido de desprezo das mulheres) não tens a minha idade?
- nah. tenho 35.
- oh, estás a gozar. q extupiduuu!
- não, tenho mesmo - disse eu, sorriso nos lábios, no meu habitual misto de orgulho imberbe e paternalismo de avô, cada vez que lanço a bomba da minha idade a estranhos.

a importância que dou a esse momento torna-o ainda mais ridículo, tornei-me especialista, em vez de o banalizar. felizmente nunca nenhuma miúda me perguntou "então o que é que um cota como tu está a fazer com uma pita de 20? qual é o interesse que vês em mim? não era suposto teres uma sensatez, bagagem cultural, emocional, interesses, carreira, que eu não conseguisse acompanhar? não tens andamento para as miúdas da tua idade? és um triste na tua faixa etária, desprezado? és um velho rebarbado e anacrónico?" elas não pensam assim. pensam, como pensavam quando eu tinha a idade delas (rancoroso e angustiado por isso), "este gajo mais velho gosta de mim pelo que eu sou, acha a minha forma de pensar suficientemente interessante para investir em mim, ser o meu patrono, ensinar-me. e ele tem tanto para me ensinar! e eu quero tanto aprender!". e é verdade. LOL!

- o miguel não me disse a tua idade! que cena marada!
- que cena marada de facto..

senti esse momento como o virar da noite. "epá, fuck it. o que é que tenho a perder? já aguentei tudo o que tinha a aguentar hoje no que diz respeito a fretes. agora que era a altura de começar a ganhar vou-me pôr a arder? que desperdício!" e realmente, que desperdício, 20 anos bem empacotados, geração Morangos. eu há um mês que não tirava a roupa a uma mulher, no meu calendário é a altura em que começo a duvidar da existência de Deus e a chatear-me com os amigos. investi como profissional que sou. na verdade apenas porque, quebrada a farsa, passou a ser uma questão de competição comigo próprio, o meu eu físico, contra o meu eu crítico. a inevitabilidade daquilo que sou, contra a consciência auto-destrutiva do ridículo. uma questão de orgulho bipolar.

o resto da noite correu as expected. conversa galopante, piada fácil, o Mamma Mia deixou antever a receita. ela riu gargalhadas por entre confidências de que para ser feliz com um homem bastava que ele a fizesse rir. não tivesse eu um cérebro e teria ficado contente com esse cliché auto-ilusório, da idade em que o riso é mais importante que o sono.

casa minha. sexo começou mal. detesto mulheres que querem satisfazer o homem às expensas da sua própria satisfação, munidas de um contorcionismo ofegante e tão frenético quanto falso que arrisca partir-me a pila. parece que estou a foder um touro mecânico. assim que a consegui agarrar a duas mãos, abrandei o ritmo, correu melhor. até deu para ela fingir um orgasmo com bom aspecto. portanto, acabámos ambos contentes.

acordei de manhã agarrado ao rabo de um corpo despido e firme, com um cheiro a criança que me fazia sentir um criminoso envergonhado, mas satisfeito. fui à sala enquanto a miúda dormia e como sempre, mandei uma mensagem à Sofia. "olá. esta noite correu-me bem lol! vou agora fazer um pequeno almoço completo, como aqueles nossos, para a minha one night stand! não tenhas ciúmes :) e tu, como estás? tenho saudades tuas. podias ao menos responder às minhas mensagens para saber que estás bem. ou atender-me. beijo grande ***".

13 comentários:

Anónimo disse...

Que imbecilidade, sinceramente! Completamente evitável! A pita é estúpida mas o "cota" é parvo e gosta de viver no limbo. Ó Homem se gostas é da Sofia para quê dares-te ao trabalho de saltares à espinha de uma imberbe sem interesse? Os homens são burros?

gaja que já foi pita

Anónimo disse...

Deves ser gordo e feio! Se fosses o Clooney não tinhas esses problemas. Frustrado.

Ex pita

disse...

pitas aposentadas, bem vindas à minha humilde teia de aranha.

Anónimo disse...

ooohh parvooo achei que tinhas gostadoooo. Quem é a sofy?

pita ofendida

Anónimo disse...

A sofia já não te liga nenhuma, pois não? Deves achar que no fundo no fundo ela ainda gosta de ti...Mas se nunca te diz nada é porque não

disse...

a sofy? não sei, deve ser a ex-pita que vive na cabeça dos gajos gordos e feios, o termo de comparação que permanece escondido no fundo do saco e só vem ao de cima no marasmo dos plateaus de contemplação.

Anónimo disse...

Lisboa não precisa do Zé. As gajas não precisam do Zé. Tramps

disse...

oh anónimo, acho piada à conversa bipolar, mas não sei se és um ser humano, ou vários, ou um desastre ambiental. por isso, com apreço, identifica-te ou ide foder a cabeça ao camões.

jraulcaires disse...

Deparei-me com este blog... - humano, demasiado humano...

Por outro lado, lembra-me um bocado Woddy Aleen... - passado para as nossas aventuras na República das Bananas...

disse...

epá, talvez seja um bocado parecido com o woody allen na forma de controlar uma bola de futebol, porque de resto essa comparação faz-me sentir um bocado condescendido. não é por mal. se falasses nas crónicas do carlos castro já veria uma comparação mais terra-a-terra e talvez até um estímulo a continuar. mas obrigado.

G. Varino disse...

Recém-chegada.. recém-pasmada!!

disse...

obrigado Gabriela. és uma das minhas 3 seguidoras. quando chegar aos 5 seguidores meto um widget na barra lateral. até lá é deprimente.

G. Varino disse...

escreve! escreve!