estiquei-me e acabei sozinho. pareceu-me que toda a gente tinha ido para casa a horas cinderélicas, mas afinal eu é que tinha perdido a noção das horas e do ridículo. cheguei àquele momento fatídico em que acabo de pedir uma bebida, volto-me para a pista e consigo ver grandes pedaços do chão imundo e poucas pessoas demasiado felizes a dançar sozinhas. cabrão do gajo do bar vendeu-me a última imperial da noite sabendo que eu ficava ali com o refugo. fico triste, convém ter presente que a intenção de sair à noite desta forma abestalhada é esquecer, e para isso é preciso criar memórias, rir e foder, e perdi-me algures a meio da noite a falar com uma amiga da minha ex-namorada (uma amiga fiel, demorei a perceber), agora era tarde. o último copo é bebido como uma janela temporal a fechar-se para o romance. à minha frente um erasmus eufórico metia-se com uma gaja das que dançam a apontar para o DJ e ela a berrava-lhe que a deixasse. ele olhou para mim, e eu deixei-os, para não lhe agigantar a derrota e para evitar que ele viesse tentar ser meu amigo. desci as escadas, Zé Carlos, o porteiro que não sabe o meu nome, despediu-se de mim como se eu me fosse embora, e eu senti-me obrigado a sair.
chegado cá fora, a luz do dia ainda sem sol cegou-me momentaneamente, o frio da manhã soprou-me o pescoço, maxilares e orelhas, várias pessoas que vira lá dentro agora eram feias, pintadas exageradamente, com borbulhas, o eco surdo do subwoffer de um carro quitado testava os meus tímpanos anestesiados. entre alguns grupos de pessoas estava um homem sozinho de t-shirt preta muito justa que reconheci sem saber inicialmente de onde. era o Morais Sarmento, o ex-toxicodependente. o parlamento tinha sido dissolvido há um ou dois meses. nunca o imaginei com este estilo de cromo da discodance, calças de cabedal também justas, suava que nem um porco, os olhos raiados de sangue debaixo das pálpebras pesadas e inchadas. foi a primeira de duas vezes que o vi em ambiente nocturno, arrisco-me a dizer, em ambiente de drogas pesadas. olhou-me indiferente. fui ter com ele, pedi-lhe lume. silencioso enquanto eu acendia o cigarro, perguntou-me quando lhe devolvi o Dunhill "onde é que se vai agora?", não sei, eu vou para casa, se fosse a ti ia para outro país. ele sorriu e voltou-me as costas. fui até à beira do cais, ainda não havia gradeamento, na altura em que os carros caíam ao Tejo. sentei-me e fiquei a ouvir as conversas dos grupos de bêbados. todas giravam à volta de sexo. nenhuma daquelas pessoas me parecia sexualmente activa.
olhei para o sítio onde o sol deveria aparecer, nunca mais aparecia. ouvi as gaivotas e o som das ondinhas a chapinhar no musgo da margem, eram sons muito agressivos, deram-me para pensar em merdas que fazem chorar e decidi voltar para casa antes que algum cristão pastilhado decidisse vir perguntar-me se estava bem e se era feliz, e eu o atirasse ao rio. meti-me no único táxi da fila, um belenense. uma rapariga sozinha chegou entretanto à paragem, voltei a abrir a porta e perguntei-lhe para onde ia, podíamos partilhar o táxi. não era feia (não era linda), sorriu muito para mim e vestia-se bem. ia para Sarilhos Grandes.
6 comentários:
há noites beras, mas que não esquecemos
Olá. É só para dizer que te comprei!:)
óptimo. mas aviso que sou um bocado como aqueles putos que só são adoptados aos 15 anos. já venho cheio de vícios de carácter.
Não há problema, tenho muito bom feedback no leilõespontonet. Se for assim grave como dizes, despacho-te com oferta de portes.:P
compro!!
:)
este comentário não é comentário, é só uma resposta ao teu comentário. nunca me passaria pela cabeça expurgar-lhes a puerilidade... fica-lhes tão bem! :)
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