sou um bocado dependente das amizades. do contacto continuado com os meus amigos, das combinações repetidas, do regresso aos assuntos mortos. não estar com uma pessoa mais de 3 semanas para mim é sinónimo de que as coisas não estão bem. de que a outra pessoa, ou eu, não sentimos saudades um do outro, necessidade de reencontro. é sinónimo de que a amizade sofre de um mal crescente, identificado ou não, que vai acabar por corroê-la e quebrar o elo. a vontade diminui. a prioridade muda. é mais forte do que eu, senti-lo.
mudei um bocado com a morte da minha prima-avó (não mudei, mas precisava de introduzir esta variação). por um lado comecei a precisar de estar com as pessoas mais vezes, dizer-lhes que terei saudades delas quando desaparecerem, embora nunca o diga. e desperdiço cada oportunidade de o fazer. por outro lado deixei de ficar tão ressentido por se afastarem, ou por precisarem menos de estar comigo, mas continua a custar-me a recusa. não sei, um trauma de infância qualquer, não me lembro de me terem recusado nada, mas se calhar o problema foi precisamente esse. fodam-se.
melhorei. preciso hoje mais de momentos a sós com o meu cérebro, com a minha pila, com a minha voz. não suporto ser interrompido a ler, a pensar ou a ver uma merda qualquer na televisão idealizada para vegetais. mas ainda não dispenso o contacto semanal com pelo menos um dos meus amigos.
gostava de ser como aquele amigo meu, o mais antigo (mas isto não é uma carreira de professor), que não vê o email. não usa, ou usa pouco, ou só responde a coisas urgentes e num prazo de 2 dias (que exagero, no mínimo 3 dias úteis) e não responde sequer à urgência em questão. o email é sobrevalorizado, diz ele. nunca será um verdadeiro meio de comunicação entre as pessoas.
tem 3 telefones e nenhum deles é da minha rede. em qualquer dos casos nunca anda com os 3, deixa sempre um em casa ou no carro. realmente andar com 3 telemóveis é estúpido, principalmente sendo 2 deles da mesma rede, e fazem-no parecer mais gordo. assim mensagens escritas estão fora de questão porque não há garantia de lhe chegarem a tempo e horas. só mesmo ligando e mesmo assim pode não atender nenhum dos telefones.
com ele não se deve dar uma combinação por garantida, pode aparecer, ou pode não aparecer. a horas nunca, isso é certo. uma hora combinada significa a hora em que ele, na outra ponta da cidade, começa a pensar se vai aparecer ou não, resolver assuntos pendentes, pesar os prós e os contras. avaliar o custo-benefício.
não é de admirar. eu ando uma seca de pessoa. os verdadeiros amigos dele são divertidos, grandes histórias de festas, bebedeiras, carnavais. estão sempre a ir aos anos uns dos outros. comigo e com os outros amigos comuns não há diversão. o tempo a passar é um martírio, é um esmagamento em câmara lenta. sobretudo quando ele aparece, logo por azar. de qualquer forma é-lhe indiferente. não precisa de amigos. a não ser quando precisa deles. (ciclicamente).
eu gostava de ser assim. não estou a brincar, admiro-o. não necessitar de estar ou falar todos os dias com as pessoas para saber que me atendem o telefone se eu precisar. que, desde que não morram (e as alimentemos uma vez por ano), as pessoas não desaparecem da linha de horizonte, da camada exterior de protecção. isso até me parece plausível, e nem duvido que assim seja, como é no caso dele, em 90% dos casos. mas se me afastasse de um grupo específico, perderia todas as cusquices. e sem as cusquices, não há propriamente cumplicidade. e afoga-se a amizade em formol.
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