queria mexer-me dentro deste casaco. é impossível.
fica-me bem, mas só se não me tentar mexer. ao mínimo movimento de braço fico com o pulso à vista, por onde entra uma corrente de ar que sobe pelo interior do antebraço e me eriça os pelos do pescoço, e sobretudo é inestético, como se fosse o casaco do meu irmão mais novo. quando viro a cabeça para um lado, sinto o ombro do lado oposto a apertar e a flectir para a frente, e o tecido das costas a fazer uma diagonal de lençol assimétrico. consegui apertar os botões mas não estou a conseguir respirar muito bem. tento respirar pouco e pausadamente. sinto as costuras a dilatar a cada inspiração.
já me disseram que fica impecável, mas aos amigos mais íntimos admito que estou bastante deprimido com a realidade deste casaco. não é bem o que aparenta. "por exemplo estes dois bolsos enormes no peito: não têm função, são puramente estéticos". os conselhos não variam muito, tenho que o mandar arranjar, se me sinto mal não posso continuar a aguentar uma situação que não há maneira de melhorar. mas tenho medo que façam merda e o estraguem para sempre. e aí fico sem a forma e sem a função. sem a aparência e sem o conforto.
porque já se sabe, uma pessoa só dá valor ao que tem quando o perde. se eu não for uma princesinha exigente e mimada, ele sempre serve para sair à rua e, no mínimo, passar despercebido. se eu ficar quietinho, ele até me aquece. é o que se quer da vida. e de tempos a tempos, ouvir alguém a gabá-lo. "eu e o manel sempre vos admirámos. tu e o teu casaco são uma referência para nós, para toda a gente".
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