Perpétua

- pronto, eu vou para a sala agora, está bem? dorme, dá-me um beijinho.
- pai.
- diz.
- o avô da Sara morreu.
- ... foda-se.
- foi para o céu, e não volta nunca nunca nunca nunca mais.
- foi? pois. já devia ser muito velhinho.
- pois era, e ele magoou-se num pé e depois morreu. agora ele é uma estrela.
- uma estrela. claro, é uma estrela.
- quando eu morrer vou ser uma estrela?
- ah, não penses agora nisso, ainda faltam muitos anos.
- faltam muitos anos?
- sim.
- quantos?
- muitos.
- quando eu for muito velhinho?
- sim.
- quantos anos tinha o avô da sara?
- não sei, tinha mais que muitos.
- quantos anos tens tu?
- 37.
- eu também vou ter 37 anos?
- sim.
- quantos anos tem o avô Pedro?
- 70.
- o avô Pedro é muito velhinho.
- nada disso, está agora a sair da puberdade.
- mas ele disse que era.
- ele estava a torturar-te psicologicamente.
- quando eu tiver 37 anos quantos anos tu vais ter?
- 70.
- como o avô Pedro. e quando eu tiver 70 anos quantos anos vais ter?
- 115.
- e quando eu tiver 115 anos quantos tu vais ter?
- 164.
- e quando eu tiver 164 anos quantos anos tu vais ter?
- vou ter muitos, falta muito tempo Henrique, não penses nisso.
- e quando eu tiver 164 anos o avô Pedro vai morrer?
- filho, ainda faltam muitos anos, não penses nisso.
- eu não quero que tu morras.
- Henrique, eu nunca vou morrer.

5 comentários:

Susana Rodrigues disse...

Tão bom... gostei muito. :-)

Anónimo disse...

uma merda, a morte.

oh joana! disse...

Não penses nisso, Henrique. Aqueles que nos fazem falta nunca nos morrem.

Bapla disse...

gostei mesmo

Margarida disse...

:)