New York, I love you but you're bringing me down

tenho saudades tuas.

hhmm... então está bem.

não, tenho mesmo. está a nevar aqui, e lembrei-me que nunca tinhas visto neve. eu também não tinha, agora vejo todos os dias, já estou farto.

pois, aconteceu-te o mesmo comigo. vias-me todos os dias.

não sejas parvo, não foi nada disso. estou a dizer-te que tenho saudades tuas. tenho pena que não nos vejamos há tanto tempo.

foi uma escolha tua. não estás a culpar o destino pois não? essa desculpa dos maus navegadores. e muito menos deves estar a culpar-me a mim, espero.

não foi escolha nenhuma, não estou a culpar ninguém, o mundo avança e as coisas passam-se como se passam. nunca foi uma decisão, tomei várias mas esta não. não sejas agressivo.

foi uma negligência? avisei-te muitas vezes. desapareceste. foste desaparecendo. foi como o fim de tantas relações amorosas, para uma das pessoas é a morte, para a outra é uma necessidade incontornável.

não desapareci, estive sempre aqui, ó egocêntrico. eu sou o personagem principal da minha história, não é? afastámo-nos, só isso. vidas diferentes, foste pai, eu mudei de emprego, novos colegas, nova turma. os meus horários também nunca foram fáceis. mas nunca deixei de aparecer, foi um esforço que nunca desisti de fazer.

estás a brincar comigo rapaz. fui pai por duas vezes, tiveste oportunidades a dobrar para aparecer, permites-me dizer que tinhas o dobro da obrigação de aparecer? simplesmente não estavas interessado nas criancinhas dos outros, dos teus amigos. lembro-me de teres recusado um convite com um "desculpa, tenho que trabalhar, e agora este ano que vem vai ser complicado, vou ter imenso trabalho". este ano que vem?! quem é que diz uma merda destas? o ano que vem não posso combinar mais nada.. é como que uma vacina para convites indesejados, a partir daí escusas-te a dar mais desculpas. não soube como reagir, apetecia-me rir e chorar ao mesmo tempo, falhaste aniversários meus e dos meus filhos, dos nossos amigos. mas para as festas dos teus colegas e para ir ver todos os jogos do Albarraque FC continuaste a ter tempo. bardamerda pá. deixaste completamente de aparecer. não leves a mal, já não estou chateado, a marca que as relações deixam esbate-se bem com o tempo. mas parece-me estranha essa conversa de quem acorda agora de uma bebedeira destruidora.

meu, estás enganado, tive realmente muito trabalho, não saí assim tantas vezes com colegas meus e os jogos do Estoril foi porque era convidado por um gajo que me arranjava trabalho. nunca deixei completamente de aparecer, estás a ser injusto e infantil. a relação com a Sara, essa sim, foi açambarcadora e destruidora. já não estamos juntos, nunca te cheguei a explicar e agora já não vale a pena. acabou essa fase da nossa vida, já raramente nos falamos. ela esteve cá há duas semanas, mas enfim, foi mesmo a última vez.

"a relação com a Sara", quem é a Sara caralho? sei lá que relação tiveste com essa pessoa? quero que ela vá ter meninos pela barriga das pernas. achas normal os teus melhores amigos, os teus amigos de infância, eu! não saberem se tens ou não uma namorada? ou melhor, onde vives sequer? achas normal eu ter vergonha de te perguntar alguma coisa acerca da tua vida com medo de ouvir sempre a mesma resposta "meh, uma merda como sempre" e recusares-te a entrar em mais pormenores? achas normal passares a vida a justificar uma gaja que te impediu de te dares comigo? quero mesmo que ela se foda, toda. não por ter alguma raiva dela, é mesmo só porque não a conheço de todo. tenho raiva de ti por achares isso normal, e por tomares a iniciativa de te afastares de mim para que de alguma forma seja compreensível eu não a conhecer. "ai minha nossa senhora, mas tu não compreendes mesmo, a nossa relação sofre de problemas irresolúveis, dificílimos de explicar a elementos externos, quando tiveres idade explico-te tudo", meu amigo, tu julgas que a tua relação é especial, vocês são pessoas especiais, com problemas especiais, problemas que torceriam as correntes da filosofia moderna e fariam ruir pela base as principais escolas de psicologia familiar da Estremadura. meu amigo, tu tens ou tiveste ou o caralho, uma relação banal, com problemas banais, aborrecidamente banais. quem tem problemas graves são vocês, isoladamente. tu, mais concretamente, por seres cego e não largares logo essa egoísta de merda que te fazia mal.

não é assim. estás a falar do que não sabes. não admito que desrespeites a minha vida ou as pessoas que fizeram parte dela. até a ti estás a desrespeitar-te, por achares que eu seria capaz de tirar importância à nossa amizade de 30 anos em prol de uma pessoa nova. não, há vários problemas que não envolvem a Sara, eu explico-te alguns. um aspecto importante foi tu teres-te metido com a última miúda que eu trouxe para o grupo. ainda me hás-de explicar essa história. eu não vejo as relações como tu. para ti tudo o que mexe é comestível. não tens respeito pelos teus amigos se isso implicar enrolares-te uma miúda. muito menos tens respeito pelas tuas amigas. isso foi o climax de um percurso nosso, tirou-me a vontade de te apresentar muita gente, gente que fui conhecendo e que passaram a fazer parte da minha vida também.

a Catarina?! isso foi há 15 anos! e eu passei semanas a forçar um romance entre ti e a tua própria amiga! fritei a cabeça a pensar que havia alguma coisa entre vocês e tu não aceitavas, tu sempre fizeste um ar enojado, de alguém a quem acabavam de impingir a própria irmã. um dia estávamos todos na esplanada e ela começou a mexer-me com os pés por baixo da mesa, e pronto, percebi tudo e desisti de vocês, foi isso que se passou. eu não fiz nada por isso. agora dizes-me que ficaste com ciúmes? se simplesmente não querias foder nem sair de cima podias ter-me explicado esse conceito marado, eu aceitava, em vez de teres negado algum tipo de atracção por ela.

estás a ver? és um ordinário. e um puto. sim, era só minha amiga e sim, fiquei com ciúmes. senti-me um idiota, traído pelos dois, na ignorância. não precisavas de ir lá marcar o teu território de neandertal excitado. a partir do momento em que te enrolas com uma miúda ela deixa de poder pertencer ao teu grupo de amigos de todos os dias, porque tu andas todos os dias pronto para engatar. e ela era minha amiga, eu tive que deixar de me dar com ela. mas há mais. fartei-me da tua condescendência, dos teus conselhos matrimoniais para quem anda no engate. eu não sou como tu. não quero coleccionar cromos de mulheres. queria só uma mulher e era a Sara. e fartei-me que me dissesses para a esquecer, para me proteger, quando querias era proteger a tua própria posição em relação a mim. desculpa, eu nunca senti especificamente isto, mas é mais ou menos óbvio.

não, tu não querias era ter a voz de alguém a dizer-te que estavas a proceder mal.

não foi nada disso.

foi.

não foi.

foi. e deixa-me dizer-te mais uma coisa...

desculpa ter-te chamado ordinário.

deixa-me dizer-te mais uma coisa: a tua persistência em rebaixar-te para perseguir uma miúda que não queria saber de ti, teve de facto o efeito que querias, ela aceitou-te, mas aceitou-te com essa imagem de um pedinte, fragilizado, um cãozinho disposto a ficar sentadinho no passeio à espera dela, de um biscoito. isso nunca podia resultar. sobretudo contigo, que és orgulhoso à brava, menos com mulheres que achas lindas. aí ligas o idiota.

estás a irritar-me, vê lá se te controlas, tu não a conheces e...

pois não, nunca nos apresentaste pá..

... tu não a conheces, nem ela nem eu pensamos nas relações como uma guerra e com jogos e culpas, como tu pensas as tuas, em que o rancor é o mote para a criação de laços. tu não consegues ser melhor pessoa por causa desse rancor acumulado em cada relação, não consegues dar parte fraca. os laços criam-se de outra forma, sem mágoas ou preconceitos acerca das intenções do outro, essa raiva que tu guardas amputa-te...

"amputa-te"? ahah que belo tempo verbal.

... sim, amputa-te, castra-te a capacidade de resolver os problemas recorrentes nas tuas relações. são sempre iguais, já viste? fartas-te sempre das tuas relações da mesma maneira, depois de anos de andarem à chapada.

há chapadas e chapadas, devias experimentar, há quem goste. por acaso a Sara não tem ar disso.

foda-se és 8 ou 80. passas da maior agressividade pubertária, ofendendo e magoando como só tu sabes, para uma palhaçada absurda e fugitiva. criticas-me e pões-me a justificar e a pensar naquilo que sou e no que faço, numa autopunição, mas uma crítica que te é dirigida só merece o teu desprezo e o teu gozo juvenil, mesmo vinda de um amigo. já me lembro porque me afastei de ti.

agora estás a ser mau. não assumas que te afastaste de mim conscientemente, sobretudo não assumas que o fizeste porque eu sou má pessoa. sabes que isso me dói. estou a falar a sério.

és péssima pessoa, mas eu já sabia disso desde a 3a classe.

eu sei que sou... mas pelo menos nunca te mandei um murro.

tinha que vir isso, não é?

é. isso e a vez que larguei toda a gente na minha festa de aniversário nos santos e fui contigo às cavalitas de Alfama ao Marquês porque estavas a ter um ataque de asma.

ah! o que é que isso tem a ver? pois foi. e nessa altura eu estava gordo. e bêbado.

e já não estás? bêbado.

bêbado pois... gordo és tu. e burro.

"ai gordo és tu"...

gordo e burro que nem uma porta.

...

...

o que estás a fazer agora? estava a tentar imaginar.

estou em casa. fui buscar o jantar ali abaixo a um paquistanês, há aqui lojas sem um único gajo que fale inglês. está um frio de rachar narizes, neva a.. cântaros... agora estou à janela a ver a neve, a fumar um cigarro, e a pensar pegar no telefone para te ligar, saber de ti.

não faças isso... não era capaz de te dizer estas coisas todas. ia fazer uma festa, perguntar-te como está a correr tudo, quando vens a Portugal, dizer que tenho que ir aí visitar-te, sabendo-se perfeitamente que nunca iria, aliás nem te especificava se levava ou não a família, e tu não perguntavas. tenho demasiadas saudades para ouvir a tua voz e desatar a desancar-te. até porque as tuas respostas não seriam estas, és mais imprevisível do que eu me consigo lembrar. e à noite na cama já eu estaria a imaginar o que te diria da próxima vez que ligasses. ficamos antes assim.

ainda me hás-de explicar essa história

não foi nada de especial. um dia estávamos todos na esplanada da praia e ela tirou os chinelos e meteu os pés em cima dos meus. por baixo da mesa, nenhum de vocês percebeu. e pronto, percebi ou convenci-me que não ardia mesmo nada entre vocês os dois.

mas foi só isso a vossa relação? pés em cima dos teus na esplanada?

hã? tás-totó? achas que sim?

ah.. ok. mas estávamos sempre todos juntos, então?

então nada. fomos combinando. passava às vezes em casa dela à noite depois de me despedir de vocês, às vezes íamos só tomar um copo. à vossa frente eram os preliminares, em toques fortuitos planeados e indirectas privadas, até foi engraçado. isto durou no máximo uns 15 dias, depois ela começou a querer casar e eu saltei do barco. foi aí que ela te contou.

és mesmo um cabrão. mas ela não tinha um namorado? uma vez apresentou-me um gajo, eu costumava vê-lo à espera dela à porta do IADE, sempre de fato, andava num Saab descapotável?

não, isso era um gajo que andava a pairar. uma vez estávamos a combinar por mensagem, era tardíssimo, ela disse que não estava em casa mas que estava a chegar, para eu ir lá ter. cheguei, esperei uns 10 minutos, e estava encostado ao carro, aquele meu AX de 100 contos, a fumar um cigarro quando ela chegou de Saab, despediu-se do rapaz com dois beijos e veio ter comigo. estava longe, não percebi quem ele era, mas reparei que ficou a vê-la caminhar até mim e dar-me um grande beijo na boca. entretanto arrancou. quando lhe perguntei quem era o gajo, ela explicou-me que era um amigo, e que naquela noite tinha sido muito querido, levou-a a jantar a Sintra, e depois a um bar cromíssimo e que gastou uns 60 contos com ela naquela noite, ficou emocionada, mas era só amigo.

foda-se!

pois, coitado. 60 contos era quanto eu ganhava por mês na altura. eu costumava levá-la às rulotes do elefante azul, lembras-te? no Catalazete?

ahah